REPORTAGEM ESPECIAL: A origem do sentimento junino

Campina Grande, 23 de junho de 2014

Por Jonatan Magno e Priscila Marinho.

 

Em Campina Grande, junho é sinônimo de festa! É tempo de brincadeiras, comidas típicas, dança e muita superstição está presente nas simpatias. É a hora de se vestir de caipira e aproveitar esta festa que é atualmente um misto de profana com religiosa. Mas de onde vem esse sentimento? A paixão que surge nas casas e no sorriso das pessoas não apareceu de repente, cada bandeirinha e cada balão expostos com orgulho por toda a cidade traz consigo anos de tradição.

O calendário católico do mês de junho foi associado ao calendário dos agricultores, que celebravam a colheita do milho no mesmo mês. Daí surgiu também o hábito de comer pratos onde o cereal era ingrediente base de sua composição. Parte desta carga de informação é passada a nós na escola, ainda em nossa infância, onde de maneira lúdica participamos anualmente de um arraial, e somos contemplados com uma decoração tipicamente junina.

Sobre isto, Vívian Barreto, psicóloga atuante no estado do Rio Grande do Norte, diz que  a identidade cultural que estabelecemos quando jovens é um reflexo do que absorvemos durante a infância. “Quando a nossa professora do jardim introduz para nós os símbolos juninos, como por exemplo o milho, não é nada menos do que uma tentativa pedagógica de transmitir a cultura da terra. Somos de tal cidade, compartilhamos tal pensamento e encaramos o São João de tal forma”, explica.

Em uma tradicional escola da cidade de Campina Grande, onde acontece anualmente um arraial infantil, as crianças apresentavam aos pais as danças juninas que ensaiaram durante semanas. Vestidas a caráter, elas brincavam à sua maneira, esperando a hora de dançar a quadrilha, ensaiando um ou outro passo do arrasta-pé. Alguns pareciam não estar entendendo muita coisa, mas se divertiam mesmo assim.

 

 

Os pais e familiares também entraram na brincadeira e se vestiram com os trajes característicos. Para  a bancária Karlla, mãe da pequena Clara, a iniciativa é interessante para que se forme uma identidade cultural desde cedo. “Nós temos uma cultura muito forte no São João. É bom socializar isso com os nossos filhos, para que eles não percam a tradição dos nossos pais e avós, e assim quem sabe, passar também para os filhos deles um dia.”

O colégio estava decorado por completo com o clima do São João, além da quadra de esportes onde as turmas se apresentavam, existiam áreas extras que davam mais vida ao arraial. Nelas, eram encontrados elementos típicos de uma cultura junina distante, lembrando sítios e os relacionando com o que podemos chamar de “o real matuto”. A festa ainda contou com a presença de artistas locais que abrilhantaram o evento. Em um aspecto geral, o artista da terra Amazan diz ser “um momento que, sem sombra de dúvida, é importante para a criança porque nele há a preservação da cultura do forró, da cultura nordestina e da manutenção dela.”

Também perguntamos às crianças o significado dos festejos juninos, a resposta você confere no vídeo abaixo

 

 

Costume de casa …

 

Apesar de cada vez mais escassas, ainda existem as famílias que preservam o modelo clássico da festa de São João. Para muitas pessoas, esse é o primeiro contato com a cultura regional. Sempre acompanhado das tradicionais comidas de milho, e, quando possível, de umaardente fogueira, o arraial doméstico sobrevive até hoje nas casas de famílias mais conservadoras, o que serve como resgate do antigo São João. Quando questionada sobre isto, diz a atriz Arly Arnaud: “o São João de antigamente era um São João mais ingênuo, familiar, puro, de brincadeiras, foguetos e fogueiras. Onde até mesmo as vestimentas das matutinhas eram mais simples, nem as saias de armações nós tínhamos”.

Apresentação de "O Romance do Conquistador" no Parque do Povo.

Apresentação de “O Romance do Conquistador” no Parque do Povo.

Mesmo com a proibição da fogueira, um dos maiores símbolos juninos, não é raro encontrar pessoas que ignoram esse fato passando a noite ao calor das brasas na calçada de casa. Nesses locais, todo mundo entra na brincadeira, adultos e crianças se divertem durante a noite, mantendo, além da fogueira, tradições como o forró e os fogos de artifício. É o caso de Dona Branca, 60 anos, residente no bairro do Jardim Paulistano. Ano após ano, ela ornamenta sua casa de dentro para fora. “Faço o que minha mãe me ensinou e o que eu via vovó fazendo. Acho bonito as cores e a festa. Felicidade mesmo é reunir a família em volta da fogueira lá fora, comer bem e ver meus netos pular São João de forma saudável”, revela. Enquanto os mais velhos veem com saudosismo, lembrando dos tempos passados e notando as mudanças nos moldes da festa, os mais novos se deslumbram com toda a novidade do clima junino.

 

Os festejos juninos no decorrer dos anos

 

Livro de

Livro da pesquisadora, antropóloga e professora da UFCG, Elizabeth Cristina Lima.

Elizabeth Cristina Lima, pesquisadora, antropóloga e professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) falou sobre as mudanças ocorridas nos festejos juninos no decorrer do tempo. Autora do livro “A Fábrica dos Sonhos – A invenção da festa junina no espaço urbano”, que trata sobre os aspectos culturais da festa e como isso vem se modificando à medida que os anos avançam. Como pesquisadora, utilizou acervos de jornais locais, que vão da década de 70 até o início dos anos 2000,  para a coleta de informações sobre o São João da cidade.

“A festa hoje parece uma coisa alegórica, que tenta lembrar os antigos festejos juninos, onde o foco estava na diversão. Antigamente, os festejos não eram tão centralizados, as pessoas se dirigiam a cidades no interior, como Santa Luzia e Bananeiras. Não havia todo esse foco no Parque do Povo”, informa. Ela lembra que a maior praça de eventos da cidade surgiu por trás do centro cultural, na época, apenas um palhoção no chão de terra batida. “As pessoas participavam mais ativamente da festa, as quadrilhas não eram ensaiadas, quem chegasse dançava. Hoje em dia chegou ao ponto de a prefeitura ter que incentivar a venda de comidas típicas. Acho que estamos perdendo um pouco dessa identidade, as pessoas hoje não querem mais curtir a festa, não têm a mesma diversão, antigamente o povo fazia a festa, hoje se paga para ver a festa já feita”, analisa.

Ela garante que o São João era uma festa mais voltada para a família. “Lembro de ver as pessoas nas calçadas, várias fogueiras espalhadas pela cidade. Mesmo em dias de chuva, as pessoas estavam ali mantendo a tradição acesa. Hoje nem fazer fogueira pode mais. As pessoas perderam o costume de brincar o São João em casa. Claro que tem o problema da segurança, mas tradição só é tradição quando se repete, alguns costumes se perdem”, critica. Temerosa com a possibilidade desses costumes se perderem, comenta sobre a socialização dos jovens com a tradição junina. “Hoje as pessoas não são mais apresentadas à música e aos hábitos antigos.”

 

A exceção da regra

 

Mas, apesar de toda influência familiar e escolar, nem todos entram no clima dos festejos e no ritmo do forró. Há aqueles que preferem ficar fora das festas juninas ou até mesmo dentro, mas em um universo completamente diferente. É o caso do Bar do Tenebra, com temática rock que fica na parte interna do Parque do Povo. O local, que funciona o ano inteiro, tem maior fluxo de movimento nessa época do ano e mesmo ficando no maior centro forrozeiro do mundo, não deixa de lado o seu estilo. Tocando desde clássicos do rock até músicas dance americanas da década de 80, passando também pelo brega, o bar é uma opção para quem não gosta da festa tradicional e costuma reunir o público alternativo da cidade.

Outros locais se mantém a todo vapor no período de festas juninas, o Vitrola Bar, que faz a alegria dos rockeiros no centro da cidade, conta com uma pequena casa de shows, o espaço também promove bandas covers de grandes artistas como Raul Seixas e Cazuza. O proprietário, Daniel Javan, disse ter dois grandes motivos para continuar com o estilo que vem dando certo: “fazemos isso inicialmente porque gostamos, depois, porque Campina Grande, apesar de ser uma cidade do interior, tem um público alternativo grande e sedento por uma programação diferenciada. Esse mês já realizamos cinco shows e, apesar das limitações, todos foram bem sucedidos”. Com a casa sempre cheia, o público garante que não troca o lugar por nenhuma outra festa, o músico Gabriel Hetfield comentou sobre a importância do local, “merece respeito, pois estão abrindo espaço e dando uma opção a mais a esse público que na maioria das vezes não gosta do São João”.

Com a mesma intenção, mas estilo diferente, as boates também atraem a atenção daqueles que buscam fugir da grande movimentação do Maior São João do Mundo, os festeiros se jogam noite adentro ao som de muita música eletrônica. É comum ainda, encontrar aqueles que se dividem entre um local e outro, buscando aproveitar ao máximo, independente das atrações.

 

Não deixem de conferir essa seleção de fotos do São João, desde a comemoração antiga até os dias atuais:

EQUIPE DE REPORTAGEM
Cooredenação da reportagem: Prof. Antônio Simões
Texto: Jonatan Magno e Priscila Marinho
Edição: Anthony Souza
Fotos: Karlla Ferreira e Priscila Marinho
Vídeos: Jonatan Magno e Priscila Marinho
Edição de vídeo: Gustavo Camelo

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