REPORTAGEM ESPECIAL: vendedores ambulantes e o comércio no PP

Campina Grande, 16 de junho de 2015  ·  Escrito por Juliana Rodrigues  ·  Editado por Anthony Souza  ·  Fotos de Agda Aquino, Anthony Souza, Eliata Nascimento, Ivan Andrey e Juliana Rodrigues
Vendedores no Parque do Povo. Foto: Eliata Nascimento

Vendedores no Parque do Povo. Foto: Eliata Nascimento

Conheça um pouco mais sobre essa atividade paralela e conflituosa da festa junina.

A exemplo do que ocorre todos os anos, durante o mês de junho, Campina Grande tem sua rotina alterada em decorrência desta que é a maior festa popular nordestina, o São João. A cidade muda de cenário, apressa o ritmo e ganha um incremento econômico sempre muito aguardado pelos comerciantes e lojistas locais. Mas, embora isso seja perceptível em toda a área comercial central, é mesmo no Parque do Povo (PP), local principal da festa que recebe turistas de várias regiões do Brasil, que essa mudança se torna notável. É para lá que os turistas se dirigem em massa, a fim de conhecerem a festividade conhecida como “O Maior São João do Mundo”.

Preparação para vendas no Parque do Povo. Foto: Eliata Nascimento

Preparação para vendas no Parque do Povo. Foto: Eliata Nascimento

É para esse espaço com 42 mil e 500 metros quadrados de área que também converge boa parte dos comerciantes de vários segmentos formais e informais, especialmente, os de restaurantes e culinária, atraídos pelo grande número de frequentadores, este ano, estimado em aproximadamente um milhão de pessoas. A maior parte dessa grande vitrine comercial em que se torna o Parque do Povo é reservada às tradicionais barracas juninas que se subdividem entre as partes superior e inferior da grande área que também é disputada por quiosques representantes de grandes marcas, também de olho no potencial turístico da festa.

Mas, para além destes, existe um comércio “paralelo” formado por algumas dezenas de pessoas que, embora, “invisíveis” aos olhos da população forrozeira, são importantes protagonistas na história d´O Maior São João Mundo. Tratam-se dos vendedores ambulantes, segmento este formado por crianças, jovens, adultos e idosos que veem na festa uma forma de faturarem um dinheirinho a mais para ajuda de sobrevivência.


Esquema de trabalho dos vendedores ambulantes
Visão geral dos ambulantes do PP. Foto: Anthony Souza

Visão geral dos ambulantes do PP. Foto: Anthony Souza

Apesar de se tratar de um trabalho informal e realizado, em sua maioria, por pessoas com poucas condições financeiras, o segmento de vendedores ambulantes é controlado pela administração do evento, via Coordenadoria de Turismo de Campina Grande (CODEMTUR). Para este ano, a coordenadoria fez o recadastramento de 165 ambulantes, os quais trabalham com a venda de produtos diversos, como por exemplo, bebidas, doces, lanches e peças artesanais. Afora esse grupo que trabalha circulando pelo PP,  outros 60 comercializam seus produtos na pirâmide, situada na parte central da grande área.

A exploração do espaço pelos vendedores que, vale dizer, é sempre muito concorrido a cada ano, é controlada pela Prefeitura Municipal de Campina Grande (PMCG), que prepara um esquema de gestão específico. Segundo Roberta de Souza, coordenadora dos ambulantes e das barracas, não houve novos cadastramentos esse ano por conta da grande quantidade que já está registrada de anos anteriores e também por causa da dificuldade em fazer o controle de todos.

Para o recadastramento, foram solicitados pela CODEMTUR documentos como: cópias da identidade, do CPF e do comprovante de residência, além de foto 3×4, antecedentes criminais e o comprovante de pagamento da taxa do ano passado.


Os dilemas enfrentados

Em comparação com o ano anterior, a taxa paga pelos ambulantes à prefeitura teve aumento significativo. Em 2014, a taxa custava R$ 70,00, em 2015 subiu para R$ 150,00, o que gerou uma grande insatisfação entre os comerciantes informais. Procurando justificar o valor da taxa e amenizar essa insatisfação gerada, a coordenação do setor afirma que o aumento não foi tão expressivo, se comparado com o valor cobrado no São João de Caruaru, em que a prefeitura cobra, por dia, o valor de R$ 50,00 e nos finais de semana  R$ 150,00.

“Nossa taxa estava muito defasada. Os barraqueiros que montam seus estabelecimentos pagam pelo chão um valor de R$ 2.000 e os ambulantes só pagam R$ 150,00, tendo um lucro bem maior”, justificou a coordenadora.

José Belo trabalha todas as noites no Parque do Povo. Foto: Juliana Rodrigues

José Belo trabalha todas as noites no Parque do Povo. Foto: Juliana Rodrigues

Em entrevista, muitos ambulantes relataram que o aumento da taxa não compensou com o início das vendas. “Esse ano não foi muito bom, ano passado foi melhor”, disse José Belo, 49, que trabalha há 15 anos no Parque do Povo. Além disso, ao serem ouvidos pela equipe de reportagem do Repórter Junino, os ambulantes também fizeram outras reclamações. Uma grande parte demonstrou-se contrária à proibição estabelecida este ano, quando à entrada e uso de guarda chuva no PP. “Segundo a polícia, se ficar com o guarda chuva aberto e tiver confusão não dá pra ver. Mas a agente só abre quando chove” , comentou Luiz Carlos Júnior, 35, que comercializa bebida.

Segundo a coordenadora dos ambulantes, isso foi uma decisão do Ministério Público em conjunto às polícias e aos bombeiros, como forma de evitar que os guarda chuvas sejam usados como arma, em ocasião de confusão. “Teve uma reunião com os coordenadores levantando essa questão. O Corpo de Bombeiros Militar, a Polícia Civil e a Militar proibiram eles de usarem os guarda chuvas”, explicou Roberta. Para solucionar o problema a CODEMTUR fez a entrega de capas de chuva aos ambulantes.

Outra dificuldade relatada por eles diz respeito ao abastecimento de bebidas. Eles alegam que a proibição na compra de bebidas fora do PP, prejudicou eles. Para os ambulantes, a dificuldade está na falta de diversificação dos preços. Segundo dados da CODEMTUR, no ano passado havia um distribuidor que se encontrava dentro do PP, ou seja, o ambulante trazia sua bebida de fora, do patrocinador, e quando faltasse alguma coisa eles tinham um parceiro que lhe ajudavam. Mas esse ano, o distribuidor se tornou um patrocinador, ficando o ambulante obrigado a comprar suas mercadorias.

Luís Carlos, mais um vendedor que questiona a cobrança da PMCG. Foto: Anthony Souza

Luís Carlos, mais um vendedor que questiona a cobrança da PMCG. Foto: Anthony Souza

Ouvida a respeito, a coordenadora disse que “estamos aliando o preço para que os barraqueiros possam comprar com o mesmo valor que tem lá fora, aqui dentro”. Ainda segundo ela, a mudança irá trazer benefícios porque os ambulantes irão comprar as bebidas no cartão e as mercadorias que não conseguirem vender podem devolver.

Em contrapartida, o barraqueiro Luiz Carlos não enxerga o lado positivo da mudança. “Se pagamos a taxa do uso de solo, temos consciência que só podemos vender do patrocínio, mas seria errado se tivéssemos entrando com outras marcas de bebidas. O dinheiro é nosso, então, não somos obrigados a comprar aqui”, reclamou.


Vendedor ambulante: o trabalhador solitário

Comparados com as demais atividades e categorias de comerciantes presentes no Parque do Povo durante a realização d“O Maior São João do Mundo”, as quais além de serem mais organizadas financeiramente e enquanto segmentos, são melhor prestigiadas pelo grande público, os vendedores ambulantes representam um grupo de trabalhadores solitários que veem neste período da festa uma forma extra de superarem as dificuldades financeiras porque passam cotidianamente.

Pedro da Silva Gomes, aposentado, 74, trabalhando no PP. Foto Anthony Souza

Pedro da Silva Gomes, aposentado, 74, trabalhando no PP. Foto Anthony Souza

São muitos os casos que apontam para essa saga vivenciada por esses pequenos comerciantes que passam, por tantas vezes, “invisíveis” aos olhos da maioria dos forrozeiros que frequentam diariamente o PP. Ouvindo os diversos vendedores ambulantes distribuídos entre a grande área do Parque do Povo encontramos histórias interessantes entre os trabalhadores desse segmento. Uma delas foi relatada pelo idoso Pedro da Silva Gomes, 74, um dos vendedores ambulantes pioneiros da festa. Ele trabalha como ambulante desde o início de realização d´O Maior São João do Mundo.

Numa conversa com a equipe do RJ, ele lembra que iniciou o trabalho ali quando ainda estava sendo construída a pirâmide do PP, um dos principais símbolos desse que se tornou o principal Quarte General de folia da cidade. Disse também que antes de se tornar vendedor, trabalhou 30 anos como pedreiro e, no momento, encontra-se aposentado, porém no mês da festa sempre retorna ao PP para vender bebidas.

Para seu Pedro, o trabalho ajuda na renda, pois só a aposentadoria não dá. “Trabalho sozinho desde o início, mas não trabalho todos os dias porque cansa”, comentou o aposentado, ao complementar que, além de Campina Grande, já trabalhou em outras localidades no período de festejos juninos, a exemplo do distrito de Galante.

Apesar da idade já avançada, o idoso prefere trabalhar sozinho durante os 31 dias das festividades. Ele disse haver trabalhado anteriormente com um sócio na venda de bebidas, porém este o roubava, o que fez com que desfizesse a parceria.


No detalhe, o vendedor solitário no PP. Foto: Eliata Nascimento

No detalhe, o vendedor solitário no PP. Foto: Eliata Nascimento

A família em torno do comércio ambulante

Já o vendedor Marcos Pessoa Marques, 28, conta que todo o dinheiro que arrecada vai para o sustento familiar. “Sou casado, moro com um rapaz e o pai dele. É o sustento dos três, através de uma coisa só. E tiramos o lucro do mês de junho, julho e agosto. Pago minhas contas e ainda consigo fazer uma boa feira, dando para sustentar até determinado tempo”, relatou.

Há três anos, Marcos começou a trabalhar como ambulante no Parque do Povo. Antes, exercia a profissão em outras localidades. Ele está presente nas festas juninas de cidades do interior, a exemplo de Matinhas e Alagoa Nova e do distrito de Galante.

Além desses, há relatos de membros de uma mesma família que, juntos, se empenham na tarefa do comércio ambulante no PP, fazendo desse grande evento uma importante renda complementar familiar. Uma delas é a família do casal Luiz Carlos Júnior e Eliana Alves dos Santos, 40. Eles vendem bebidas juntos durante todas as noites do São João de Campina.

Durante a entrevista, feita inicialmente com Luiz, a esposa se aproximou a fim de conhecer o motivo da mesma, inclusive ajudando em algumas respostas, demonstrando o trabalho feito em equipe por ambos no QG do forró. Para ambos, embora nem sempre atinja todas as expectativas, o trabalho realizado durante a festa ajuda consideravelmente a família no seu sustento, pelo menos, por alguns meses.

Com pouca ou muita dificuldade, apoio financeiro, familiar e motivação, os vendedores ambulantes seguem seu trabalho no Parque do Povo durante as noites do São João de Campina Grande, muitas vezes sendo notados apenas para possíveis reclamações ou uma rápida compra de bebidas. No final, o que interessa mesmo é apenas arrecadar um pouco em meio a riqueza em sua volta, sendo o bastante pro seu sustento e um pouco mais.


A seguir, algumas fotos registradas em 2014 do comércio informal e dos vendedores ambulantes trabalhando em meio ao Parque do Povo: (créditos de Agda Cabral e Ivan Andrey)

https://www.flickr.com/photos/125540062@N04/sets/72157645514395464#


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EQUIPE DE REPORTAGEM

Coordenação da reportagem: Prof. Rosildo Brito.
Texto: Juliana Rodrigues.
Produção: Anthony Souza e Juliana Rodrigues.
Entrevistas: Anthony Souza e Juliana Rodrigues.
Edição: Anthony Souza.
Fotos: Agda Aquino, Anthony Souza, Eliata Nascimento, Ivan Andrey e Juliana Rodrigues.

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