REPORTAGEM ESPECIAL – Festejos Juninos das comunidades: aos poucos perdendo suas raízes culturais

Campina Grande, 2 de julho de 2015  ·  Escrito por Djane Assunção e Juliana Rodrigues  ·  Editado por Anthony Souza  ·  Fotos de Juliana Rodrigues
Comunidade participa dos festejos juninos na SAB do Centenário

Comunidade participa dos festejos juninos na SAB do Centenário

A tradicional festa de São João é caracterizada como uma festa popular brasileira que reúne famílias e amigos em torno da celebração das tradições religiosas e da cultura baseada nos costumes de vida do interior nordestino. As danças, as roupas, as músicas, as comidas e bebidas típicas adentram por todos os dias do mês de junho e em alguns lugares, como é o caso de Campina Grande, estendendo-se até o mês de julho. Nas ruas, todos vão para as calçadas se reunir com os amigos, relembrar histórias de família, brincando e conversando em torno da fogueira, um dos símbolos principais que identifica o maior festejo popular do Nordeste brasileiro.

João Sinésio Dantas, presidente da SAB do Cruzeiro

João Sinésio Dantas, presidente da SAB do Cruzeiro

Na parede das casas, são expostas imagens de louvor aos três santos que marcam o mês junino: Santo Antônio, São João e São Pedro, pois a fé também é uma das características mais marcantes dos festejos. A comunidade se organiza preparando bandeiras, balões, fitinhas e tantos outros adornos coloridos e adereços que enfeitam as tradicionais palhoças, trazendo consigo toda a riqueza cultural, a beleza e o simbolismo do São João.

Em conversa com João Sinésio Dantas, 66, Presidente da SAB (Sociedades Amigos de Bairros) do Cruzeiro, a comunidade se daria por satisfeita com um bonito arraial em que tivesse a participação de todos. Cada um ajudaria no que precisasse: um levaria o milho, o outro a canjica e alguns fariam a ornamentação com bandeiras e palhas de coco. Seria mais uma forma de confraternização entre os moradores da comunidade.

As manifestações culturais de um povo são expressas por meio de gestos e ações que representam a identidade social de cada região, como quando exaltam hábitos e particularidades das festas que ficaram registradas na cultura brasileira, seja através da envolvimento com a religião e a fé, os hábitos alimentares, músicas ou danças. Diante de uma sociedade cada vez mais sofisticada e tecnológica, cada dia mais renovando seus sistemas, muito por decorrência do acelerado processo de globalização, os costumes tradicionais das festas juninas estão desaparecendo.

A descaracterização da tradição

Fatores como a urbanização das comunidades acabam interferindo na construção das festas tais como eram no passado; como as celebrações de antigamente, realizadas com frequência nas fazendas, nos quintais, com fogueiras e adoração às entidades religiosas. O aspecto folclórico e religioso acaba perdendo espaço e dando lugar aos elaborados festejos que trazem consigo aspectos modernos que suprimem os antigos costumes passados de geração a geração. Estão desaparecendo os hábitos tradicionais e espontâneos, como era de costume se ver no interior, tornando as festas de São João em algo comercial.

Festa de São João que acontece todos os domingos na SAB do Centenário

Festa de São João que acontece todos os domingos na SAB do Centenário

Nos bairros de Campina Grande, é raro encontrar festas em que toda a comunidade se reúna para fazer o tradicional arraial junino, juntando as pessoas e despertando nelas o lado religioso e festivo, cada qual com suas peculiaridades. A manifestação das festas de São João tem um forte simbolismo que se espalha pela cidade em vários locais como escolas, empresas, eventos organizados pelas igrejas, ONGs, sindicatos de cooperativas e associações, entre outros. A característica principal do denominado São João dos bairros da cidade são os grupos de danças formados pelas quadrilhas juninas.

No entanto, as quadrilhas estão sendo cada vez mais se tornando grupos de danças estilizados, inclusive, profissionalizados, e isso faz com que se perca a identidade cultural dos bairros, pois as ruas ficaram pequenas para a enorme organização dos grupos, que acabam deslocando suas apresentações para espaços maiores da cidade.

Outro fator que merece destaque é a falta de infraestrutura disponibilizada pelas SABs, que são entidades comunitárias sem fins lucrativos onde o povo participa, lutando constantemente com os poderes públicos na busca de melhores condições para os bairros da cidade. A ausência de espaços físicos, recursos e investimentos na elaboração das festas de São João e suas temáticas faz com que as raízes culturais da festa percam espaço nas localidades.

Mulheres da ginástica na comemoração do São João, SAB do Centenário

Mulheres da ginástica na comemoração do São João, SAB do Centenário

Muitas quadrilhas nasceram nas comunidades ou escolas dos bairros da cidade, da periferia ao grande centro. Tudo começou desde muito cedo, quando pequenas apresentações eram  feitas, organizadas e apresentadas em rua aberta com apoio e incentivo de toda a população. O São João dos bairros girava em torno principalmente dessas festas nas ruas, nos bairros da Rainha da Borborema.

Segundo Márcio Marques da Silva, 40, secretário da Associação de Quadrilhas de Campina Grande, as pessoas não querem mais participar das quadrilhas improvisadas. “Um dançarino ou componente da quadrilha quando vê uma quadrilha profissional com todo aquele figurino, cenografia, com um teatro bem produzido, não quer participar de uma quadrilha improvisada, matuta. Se as quadrilhas não fossem estilizadas já teriam sido acabadas, pois as pessoas não querem mais dançar o tradicional”, afirmou.

Os festejos juninos nos bairros

O São João de Campina Grande encontra-se centralizado e resumido quase que totalmente ao Parque do Povo, o chamado Quartel General do Forró. Há alguns anos, os bairros deixaram de produzir suas festas juninas. Em conversa com João Sinésio, a perda dessa festa está ligada à falta de espaço. No Cruzeiro, a antiga sede foi tombada pelo órgão da Defesa Civil e o que restou que poderia ser utilizado para organizar os festejos juninos da comunidade foi apenas um amplo terreno baldio. Para João Sinésio, “poderia fazer no terreno um bonito arraial. Não custa muito fazer um cercado, botar umas palhas de coco, tudo estava feito.”

Terreno da SAB do Cruzeiro, antigo local de funcionamento

Terreno da SAB do Cruzeiro, antigo local de funcionamento

Em visita às SABs dos bairros da Santa Rosa e Centenário, a realidade vista não foi diferente. Em Santa Rosa, o presidente da SAB, Paulo Lima Sales,  informou que o local serve, hoje em dia, para o ensaio de quadrilhas que não são da localidade. Em anos anteriores, a comunidade do bairro fazia uma grande festa junina com a apresentação de um quadrilhão chamado Repimboca da Parafuseta.

“Em uma só noite apresentavam-se seis quadrilhas. Hoje o [bairro do] Centenário e Santa Rosa, praticamente, não têm mais suas apresentações. As quadrilhas Tradição da Serra e Centenário fecharam no ano passado e a Quarenta em 2013. Hoje damos apoio às quadrilhas Cambeba e Rojão do Forró, oferecendo o espaço das nossas quadras”, lamentou Lima Sales.

Na Sociedade Amigos de Bairro do Centenário ainda existem alguns festejos que são realizados aos domingos e nas terças, no entanto, vale ressaltar que essas comemorações se prolongam durante todo o ano, com alteração temática para as festividades juninas durante esse período. No domingo, o local é aberto para todos e há show ao vivo, já nas terças, quem se apresenta são as idosas formando uma pequena e improvisada quadrilha.

Animação no São João da SAB do Centenário

Animação no São João da SAB do Centenário

Rangel Borges da Silva, 32, presidente da Associação de Quadrilhas em Campina Grande, afirmou que todas as quadrilhas filiadas à associação têm direito de fazer suas apresentações nos bairros, ajudando a manter a tradição. “Campina Grande, por realizar o Maior São João do Mundo, ainda não reconhece que se tem um produto muito forte que são as quadrilhas juninas”, explicou. Completando a fala de Rangel, Márcio Marques, secretário da Associação das Quadrilhas, traz uma solução para que, em meio às dificuldades, as raízes culturais dos festejos juninos voltem as comunidades.

Para ele, a forma de trazer as quadrilhas para dentro das comunidades é com a elaboração de projetos. Selecionava-se os dez principais bairros de Campina Grande e em cada bairro uma escola iria preparar uma quadrilha. Essas quadrilhas dançariam na rua, para a comunidade. E, para complementar, traria a apresentação de uma grande quadrilha para fazer um arraial maior. Ainda segundo Márcio, o problema para que projetos como esse sejam colocados em prática é a falta de recurso unido ao desinteresse das escolas.

As quadrilhas como forma de inclusão social

Em Campina Grande, muitas associações de bairros trabalham na formação de projetos culturais em prol de benefícios à comunidade. Os festejos juninos são um belo atrativo para criar algum projeto com objetivo de tirar crianças e jovens da marginalização, funcionando como forma integradora e de acolhimento. Diversos presidentes de SABs junto ao secretário da Associação de Quadrilhas concordam com esse ponto de vista e trazem suas sugestões:

Local em que funciona a parte administrativa da SAB do Cruzeiro

Local em que funciona a parte administrativa da SAB do Cruzeiro

“Na maioria das vezes, tem crianças e pessoas menos favorecidas que querem participar do São João. A criança, participando de uma quadrilha, irá desenvolver o hábito de ir aos ensaios cumprindo, assim, horários. Ela terá a oportunidade de interagir com outras crianças, socializando-se. O que tem que ser feito é buscar a criança, o jovem, a comunidade e os pais, criando uma interação e tirando-os da área de risco”, declarou João Sinésio Dantas, Presidente da SAB do Cruzeiro.

Enquanto isso, Márcio Marques comentou que “toda vez que uma quadrilha junina se apresenta em um bairro estimula uma criança a participar e quem não conhece acaba gostando”, concluiu.

Os festejos juninos: manifestação sócio-cultural das comunidades

A construção de uma sociedade perpassa por todos os universos simbólicos e significados compartilhados entre os seus membros, o que tem permitido a construção de uma identidade cultural. Nesse aspecto, o São João nas comunidades é entendido como uma manifestação sócio-cultural e uma expressão da construção humana dos seus moradores.

Professora ensina os passos para as danças de forró, SAB do Centenário

Professora ensina os passos para as danças de forró, SAB do Centenário

O resgate cultural das tradições dos bairros está diretamente ligado ao fortalecimento da cultura raiz, que é construída através do diálogo entre as pessoas no seu cotidiano. Ressuscitar as manifestações juninas em seu caráter mais espontâneo seria uma forma de manter a interação social, construindo um sentido através dos símbolos e significados do São João e reafirmando uma identidade cultural dessas pessoas e suas comunidades.

João Sinésio ressaltou a importância de resgatar as antigas tradições culturais, citando que seria de enorme riqueza se, nos bairros, houvesse ações que mostrassem para o povo como era feito o festejo junino tradicional, aquele com características da roça. “Existem algumas pessoas,  gente  que  nunca  viu como é um  Sítio  São  João, por exemplo,  e  vai.  Até nós nordestinos, sertanejos, vamos lá para olhar e resgatar aquilo como era antigamente: uma casa de sítio”, afirmou.

Pode-se dizer que buscando reviver antigas tradições culturais da comunidade, os divíduos compreendam como se deu a formação de seu local. Também é preciso destacar que a cultura não é estática, está sempre se renovando. Não se vive do passado, todavia, para se compreender as mudanças inerentes ao convívio cultural das comunidades é fundamental conhecer suas raízes históricas, e os festejos juninos são uma forma muito rica no resgate dessas raízes. Esse resgate se constitui como uma forma de despertar, junto às novas gerações, o interesse sobre a sua própria cultura e de seu bairro, motivando os jovens a serem cidadãos mais presentes e conscientes da importância de sua história pra preservação da cultura de seu lugar.


EQUIPE DE REPORTAGEM

Coordenação da reportagem: Prof. Rosildo Brito.
Texto: Djane Assunção e Juliana Rodrigues.
Produção: Anthony Souza, Djane Assunção e Juliana Rodrigues.
Entrevistas: Anthony Souza, Djane Assunção e Juliana Rodrigues.
Edição: Anthony Souza.
Fotos: Juliana Rodrigues.

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