ESPECIAL: Dona Iraci, 30 anos com a “Rainha da Sucata Infantil”

Campina Grande, 29 de junho de 2016  ·  Escrito por Emanuelle Carvalho e Maryanne Paulino  ·  Editado por Anthony Souza  ·  Fotos de Emanuelle Carvalho

Vamos conhecer a história da senhora que valoriza a cultura popular nordestina ao dedicar boa parte da sua vida com uma quadrilha junina infantil de bairro, na cidade de Sumé.

Dona Iraci, Rainha do Milho e fundadora da Quadrilha Rainha da Sucata Infantil

Dona Iraci, Rainha do Milho e fundadora da Quadrilha Rainha da Sucata Infantil

São João da Terra

(Mastruz com Leite)

São João na terra é fogueira é fogueira

São João no céu é balão

Dança quadrilha na poeira

Isso é que é São João

Toda a alegria

Toda energia

Toda poesia no meu coração

Meu São João meu São João

Toda alegria no meu coração

Vou pedir ao meu São João

Pra fugir com você num balão

[…]

Há quase 30 anos, a aposentada Iraci Josefa dos Santos (76), mais conhecida como “Dona Iraci”, organiza a quadrilha infantil Rainha da Sucata, na cidade de Sumé, no cariri paraibano. Antigamente, ela contava com a ajuda de seu falecido esposo José Alves Evangelista, porém hoje em dia, seu filho “Titiu”, que prefere não dizer seu verdadeiro nome, é quem a auxilia.

Anualmente, meses antes do período junino, ela recebe retalhos, fitas e adereços da amiga e vendedora Conceição Saraiva, para ajudar nas confecções dos trajes. “As mães das meninas aqui do Alto [Alegre] são todas pobres, não exijo dinheiro [para arrumar as roupas]. Aí para as crianças não chegarem desmanteladas e eu não ter roupa para dar, guardo todas [as roupas], todo ano. Aí elas vêm provar, levam para casa e quando é de noite chegam todas arrumadinhas”, contou Dona Iraci.

Como exemplo, neste ano, rainha, rei, índia, cigana, Maria Bonita, Lampião, noiva, noivo, padre e Emília, boneca do Sítio do Pica-Pau Amarelo, foram algumas das fantasias das crianças. A senhora também faz questão de vestir todas as outras crianças com roupas tradicionais, coloridas; as meninas com vestidos rodados e os meninos como matutos de camisa xadrez.

História da quadrilha infantil

Antes de se chamar Rainha da Sucata Infantil, a “Arraial do Sol” era uma quadrilha de bairro, apresentando-se no Alto Alegre, bairro periférico de Sumé, onde Dona Iraci mora. A mudança do nome se deu porque os apresentadores dos arraiais nos quais o grupo se apresentava sempre se confundiam e erravam ao chamá-lo. Então, no ano passado, Dona Iraci resolveu modificar o nome se inspirando na quadrilha adulta Rainha da Sucata, outra quadrilha tradicional da cidade, em que a senhora e seu filho também organizaram.

Apresentação junina da Rainha da Sucata Infantil

Apresentação junina da Rainha da Sucata Infantil

Demandando empenho coletivo dos moradores da comunidade, empenho que foi diminuindo com o passar do tempo, a senhora não conseguiu mais realizar apresentações da quadrilha junina no Alto Alegre, parando de fazê-lo há aproximadamente oito anos e ajudando na produção do “Arraiá Zé Marcolino”, no centro, no qual a Rainha da Sucata Infantil apresenta-se todos os anos. O espaço é montado pela prefeitura e pela secretaria de cultura do município na Praça José Américo, ponto central da cidade, onde acontece a maior parte dos festejos juninos sumeenses.

Preparativos para os arraiais e apresentações

Realizando o Arraiá Zé Marcolino, a prefeitura disponibiliza, para os quadrilheiros, um sanfoneiro e um carro-de-som com objetivo de sair do local de concentração das quadrilhas até chegar no Arraiá, na data agendada. Quem organiza quadrilha o faz por amor. Mesmo com essa ajuda, existem outros custos: com marcador, sanfoneiro, para realização dos ensaios, com costura das roupas entre outras despesas. Na véspera da apresentação de sua quadrilha, Dona Iraci recorre aos comerciantes da cidade para arrecadar alguma quantia em dinheiro. Até mesmo pipocas ou balas podem ser arrecadadas, servindo para que os pequenos quadrilheiros comam ao fim da festa.

Dependendo do ano, a senhora obtém o suficiente para custear as apresentações, mas nem sempre o é, então a mesma custeia o restante do seu próprio bolso. “Este ano deu pouquinho. Uns dão, outros não. Na rua, tinha homens que eu conheço que me davam 10 reais, outros cinco. Cheguei em casa e com uns trocados, aí eu comprei o refrigerante do meu bolso. As crianças não podiam ficar sem o refrigerante. Iam comer só a pipoca seca?”, comentou, dizendo que a quantia apurada foi o bastante apenas para a compra das pipocas.

Saudosos arraiais

Dona Iraci lembra com saudosismo das quadrilhas que aconteciam nos bairros. “Oxe, era bom demais. Ficavam bonitas as ruas. Era milho verde, era milho cozido; era bom demais, menina. Era uma festa! Eu tenho um troféu aqui. Faz muito anos [que ganhei], no tempo que Vavá Paulino [ex-prefeito de Sumé] era vivo. As quadrilhas eram aqui… ele dava a madeira, a lona, os enfeites. Vinha muita gente. Era muito bom quando as quadrilhas eram aqui, era um pavilhão do tamanho do mundo e ele arrumava tudo. Aí nesse tempo ele me deu um troféu”, narrou entre risadas, que finalizou dizendo que o objeto parece um cálice e que bebeu cerveja nele quando o ganhou.

Rainha da Sucata Infantil durante sua apresentação em Sumé

Rainha da Sucata Infantil durante sua apresentação em Sumé

Em todo esses quase trinta anos na organização da quadrilha, Dona Iraci nunca havia desfilado como rainha pela Rainha da Sucata Infantil, até que neste ano, pela primeira vez, o fez com alegria. Sua amiga Saraiva quem sugeriu que ela fosse a Rainha do Milho e a ajudou dando-lhe o vestido e um arranjo de flores para enfeitar seu cabelo, além de ter feito a faixa da quadrilha para ela. No arraiá, a mesma se mostrou contente do início ao fim. A animação das crianças brincando e se divertindo a contagiou.

Dona Iraci, assistindo sua quadrilha se apresentar

Dona Iraci, assistindo sua quadrilha se apresentar

Sobre os festejos juninos nos dias atuais, Dona Iraci opina terem mudado. “Ninguém sabe se é São João. Todo ano eu faço uma fogueira, mas esse eu não tinha arrumado nem um pau. Dona Helena, minha vizinha, quem me deu um bocado de pau e eu fiz uma fogueirinha na frente de casa. Dá pra esquecer mesmo, minha filha, porque ninguém fala mais nada disso”, contou a senhora com pesar no semblante, falando estarem se perdendo as tradições juninas. Em seguida, falou gostar das roupas matutas usadas nas quadrilhas de antigamente.

Finalizando, acerca do desejo de voltar a fazer a Rainha da Sucata Infantil no seu bairro de origem, o Alto Alegre, Dona Iraci disse ter vontade, mas que no momento não é possível por falta de apoio comunitário. “Gosto de fazer. Adoro. Enquanto eu for viva, eu faço!”, falou com alegria e entusiasmo, afirmando que mesmo com todas as dificuldades, não deixará de colocar a quadrilha junina infantil no Arraiá do Zé Marcolino, pois adora organizá-la.

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