Pife Perfumado: uma história de resistência e inovação no cariri paraibano

Campina Grande, 11 de junho de 2017  ·  Escrito por Emanuelle Carvalho e Maryanne Paulino  ·  Editado por Adriana Araújo  ·  Fotos de Emanuelle Carvalho e Maryanne Paulino

 

Uma história de resistência. Imagem cedida pelo grupo musical.

Uma história de resistência e inovação no Cariri paraibano. (Foto/divulgação: Asley Ravel)

 

É na festa que os perfumes se misturam

Vai-se a tristeza, dá lugar a alegria

Embalados pela emoção e a fantasia

Num brinde se embriaga a amargura

Fica de lado o terno e a armadura

Não se perca na noite, tudo é criança

O encanto da rabeca, o mantra da epifania

Esquenta mulher, vai até amanhecer o dia

Nesse baile mais que perfumado

Sei que tem um pezinho alfazemado

E na madrugada desvendar os astros celestiais

E se por sorte avistar uma estrela cadente

Faço um pedido de fé comovente

Aludindo aos santos e diabos liberais

Fé, prosperidades plurais

Amor, saúde, fé viva

Fazer do verbo a chama criativa

Como Galileu, desvendar o surreal

Ou ser outro Guevara contra o poder capital

E defender o universo da adaga abortiva

(Rivers Douglas)

 

Há 6 anos acontecia em Zabelê, no Cariri paraibano, um encontro de amigos admiradores e tocadores de pífano. O que isso tem de especial? O fato de que a partir dali formou-se um dos grupos de pífano mais conhecidos do Cariri ocidental e de toda Paraíba. Com a ideia inicial de tocar apenas em novenas, o Pife Perfumado é hoje um grupo de Cultura Popular que produz música diversificada e abrange vários ritmos musicais em suas produções.

Embora na região haja outras bandas de pífano (em Zabelê, Sumé, São Sebastião do Umbuzeiro, por exemplo), é o Pife Perfumado, de Monteiro, também no Cariri, quem mais vem se destacando nos últimos anos. Influenciados e inspirados em Zabé da Loca, principal expoente do pífano da Paraíba, conhecida no Brasil e no mundo, bem como em Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Mestre Ambrósio, Cavalo Marinho e Mestre Salu, o grupo, hoje, tem se diferenciado ao fazer apresentações que vão além do som das tradicionais bandas de pífano, incluindo ainda música cantada e instrumental, usando além do pífano e da rabeca, instrumentos como zabumba, triângulo, pandeiro, sax tenor, baixo e violão.

O Pífano Perfumado declama ainda poesia livre e metrificada, e canções autorais, ampliando as possibilidades de ritmos de tal forma que cria-se uma fusão entre o forró, baião, ciranda, frevo, coco e maracatu, por exemplo. Com um CD gravado, “Inimaginável Sertão”, e algumas apresentações marcantes na carreira, o Pife Perfumado é uma daquelas bandas que dá prazer em ouvir e ver. Manter viva a história e cultura do pífano é o maior objetivo do grupo.

Mas talvez uma das maiores curiosidades em relação ao Pife Perfumado seja o seu nome. Entre risos saudosistas, Rivers Douglas, 46, idealizador e integrante do grupo conta que tudo começou com uma brincadeira no tempo em que tocava na banda de Zabé: “Veio de uma relação que eu tinha com o mestre Beiçola, que era o primeiro pífano da banda de Zabé. A gente tinha uma brincadeira de quando íamos tocar, um dos integrantes jogava um perfume na banda, como se fosse um ritual, uma “benzeção”, além disso Beiçola também tinha o costume de derramar perfume no pífano na tentativa de amenizar o forte cheiro da cachaça porque ele bebia muito, deixando o pífano perfumado. E no Pife, quando a gente vai tocar, eu brinco de derramar perfume em todo mundo. As vezes tem uns que não gostam muito, não querem misturar os perfumes, mas eu benzo”, comenta Douglas.

Duas coisas que marcam na memória: música e aroma. Com isso em mente e mais a lembrança da benzeção de Beiçola é que Douglas sugeriu o nome “Pife Perfumado” e todos concordaram sem hesitar. Daí em diante o grupo faz muitas “músicas de memória”, recordando tradições e canções, emocionando de crianças a idosos.

Rivers Douglas toca Rabeca e Pífano. Foto: Maryanne Paulino

Rivers Douglas toca Rabeca e Pífano. Foto: Maryanne Paulino

 

Dificuldades e alternativas para manter viva essa manifestação cultural

Embora seja um instrumento muito conhecido na região Nordeste, o pífano ainda sofre muita resistência em vários ambientes musicais. Por ser um instrumento tradicional e por não ter vindo de uma academia, o preconceito é muito grande. Além disso, Douglas ainda aponta outras dificuldades como o fato de o grande público não ser tão familiarizado com o instrumento e que, por isso, existe uma necessidade de se ter uma boa qualidade sonora, além de não ficar apenas no tradicional. “Para poder quebrar esse preconceito você tem que ter muita qualidade musical. Esse é um grande desafio: transformar o pífano num instrumento mais consumido e para isso é preciso se utilizar de outra formas sonoras, é preciso estudar muito. Por isso que temos na base percussiva o pífano, o triângulo, o pandeiro e a rabeca; e nos harmônicos, o sax tenor, o baixo e o violão, temos assim, uma sonoridade mais abrangente”, explica ele.

Resistir, num cenário em que a indústria fonográfica tem mudado praticamente toda a concepção de consumo, de usufruto da produção cultural local não tem sido fácil. A maior parte do incentivo, seja financeiro, seja de convite para o grupo se apresentar, é de fora. O incentivo local ainda é pouco. O Pife Perfumado não quer ser cultura de massa, pois isto significaria ser igual, ter que se adaptar às exigências do mercado fonográfico. E se tem uma coisa que esse grupo zela, é pela autenticidade.

Capa do CD Imaginável Sertão. Foto: Emanuelle Carvalho

Capa do CD Imaginável Sertão. Foto: Emanuelle Carvalho

“A gente não precisa ir de encontro a essa indústria. Não vai dar certo também. A gente precisa é encontrar outros meios de mostrar nosso trabalho, até para que o Pife tenha abertura e consiga também estar nos grandes palcos. Nós tentamos dar novos saltos de qualidade do fazer musical e encontrar um público que seja acessível a nossa produção artística”, conta Douglas.

Apesar de todas as dificuldades, os integrantes do grupo não desanimam. Deixar essa manifestação cultural viva e se divertir  é lei entre esse grupo de amigos. Quando não têm espaço, eles mesmos criam. Se articulam e promovem ações culturais para se mostrar no cenário musical do cariri e da Paraíba. “O pífano tem quebrado muitas barreiras e aberto muitas janelas para o sol, para todos”, diz Douglas,  orgulhoso com o trabalho.

Novos ares da “cozinha percussiva”

A ousadia tem marcado as últimas apresentações do grupo. A preocupação de sempre agregar coisas novas é um motivador para que o grupo continue criando, experimentando. Com uma musicalidade irreverente, mais liberal, mesmo tendo características tradicionais, o Pife Perfumado, está buscando atingir um público diverso, mais moderno. Ao som tradicional se juntam novos atrativos sonoros para fazer com que o grupo, inclusive, dê novos saltos.

A base do grupo é composta por Douglas (pífano e rabeca), Romério (violão), Nanido (baixo), Redley (bateria e percussão). Os coquistas e emboladores Fred e Felipe, e Plínio com a música eletrônica, vêm somar ao grupo em mais uma nova proposta da “cozinha percussiva” do Pife. “[Plínio] vem agregar criatividade. A gente não vai sair do nosso tempero maior, mas criaremos sonoridades que são mais pós-modernas”, explica Douglas ao falar dessa ideia de incorporar novos bits e batidas a banda.

Para este período junino o Pife Perfumado não está com muitas apresentações agendadas pois está passando por uma reestruturação. Já que praticamente todos os componentes são de cidades diferentes (Monteiro, São João do Tigre Camalaú, Zabelê, Campina Grande, Sumé etc), a solução tem sido juntar-se com outros músicos, convidando amigos, formando a banda no lugar em que vão tocar. Esse novo método facilita o deslocamento do grupo e faz com que a essência, a história, o som do pífano seja disseminado para vários lugares através dessa troca de conhecimento entre os músicos de outras localidades.

Foto: arquivo pessoal

Foto: arquivo pessoal

 

O som e a cena despertam os sentidos…

Entre o barulho de uma chuva passageira caindo no telhado e o dos carros passando na rua, outros sons se sobressaem no ambiente. Douglas mostra o pífano que ele mesmo construiu, algumas músicas e poemas. Faz o mesmo com sua rabeca e apresenta sonoridades diferentes, provando que é possível tocar vários ritmos com o instrumento. O cheiro de terra molhada e das comidas sendo preparadas estão presentes, mas o perfume da memória é quem exala mais forte nesse momento. Atento, um casal de turistas que estava na cidade para aproveitar o São João, desfruta da vivacidade dessa manifestação de Cultura popular ali, num pequeno restaurante de comida saudável, em Monteiro, no cariri paraibano.

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