As Severinas – em ritmo de resistência

Campina Grande, 3 de junho de 2018  ·  Escrito por Anne Sales  ·  Editado por Inaldete Almeida  ·  Fotos de Bernardo Dantas/Divulgação As Severinas

O ativismo e representatividade do trio de forró pé-de-serra “As Severinas”

 

“O verso que a gente canta

Traz as vozes nordestinas

No canto que se decanta

Na alma das Severinas”

 

Nasce por acaso em janeiro de 2011, o trio de forró pé-de-serra As Severinas, formado pelas pernambucanas Isabelly Moreira, Monique D’Angelo e Marília Correia.

Monique, Isabelly e Marília - As Severinas

Monique D’Angelo, Isabelly Moreira e Marília Correia – As Severinas

Isabelly e Marília são da cidade de São José do Egito e brincam ao dizer que “desde crianças éramos vizinhas. Era porta com porta. Bucho com bucho!”. Já Monique é de uma cidade próxima, Itapetim. As três sempre participavam de eventos culturais da região do Pajeú. Em muitos desses encontros eram questionadas sobre serem uma banda, o que acabou instigando-as para a formação do trio. Batizadas de “As Severinas” pelo poeta, também pernambucano, Antônio Marinho, de cara acataram a escolha do nome e quando perguntadas sobre os significados, elas contam homenagear poetas e poetisas que levam nome de Severino e Severina, como Severina Branca e Severino Biu Doido. Acrescentam ainda, a influência da obra “Morte e vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.

O Pajeú pernambucano é considerado por muitos “o berço” da poesia, isso pela quantidade de artistas que saem da microrregião. A produção artística de lá é de caráter militante. Os artistas levantam a bandeira da importância da representatividade, do mantimento e da disseminação da cultura popular.

Nesses últimos sete anos, As Severinas gravaram dois cds e vêm se destacando no cenário cultural não só de seu estado, mas também em estados vizinhos. Isso por vários motivos; um dos principais é o resgate do “forró raiz”. A formação da banda ainda é a  original, com as três à frente tocando os instrumentos característicos do ritmo: triângulo, zabumba e sanfona.

 

Antes da melodia, o verso

“Sem limite científico e primazia
Temos mesma raiz e mesmo pó
Somos tribos unidas numa só
Somos unos na voz e na poesia”

Isabelly Moreira

 

A relação entre as forrozeiras e a poesia é e sempre foi muito estreita  “essa relação se dá exatamente na formação da banda. Tava muito óbvio que seria um casamento, uma relação de música e de poesia”, elas brincam. 

Isabelly e Monique são poetisas, escrevem e declamam muito antes da formação do grupo. Isabelly conta que a sua relação com a poesia sempre foi de forma muito natural: “foi como perceber que meu pai era meu pai e minha mãe era minha mãe. Foi como perceber que eu era do Pajeú”. Ela, como a maioria dos poetas e poetisas, se (re)conheceu enquanto artista. em determinado momento da vida. Nas suas principais influências, Dedé Monteiro, um dos maiores poetas vivos do Pajeú pernambucano.

A arte caminha de mãos dadas com o artista, o fazer e o ser devem estar em plena união. Assim são As Severinas: um amontoado de poesia. Nos versos declamados, nos instrumentos tocados e nas letras cantadas, mais do que se escutar e ver, é possível sentir.

 

Forró d’As Severinas

“Forró desse quero ir
Forró desse vai prestar
E ninguém bota defeito
O arrasta pé de respeito
De ninguém se reclamar
Isso é forró das severinas
Vou dançar até o dia clarear[…]”

Monique D’Angelo e Isabelly Moreira

 

Os shows d’As Severinas reafirmam o ativismo cultural e a grandeza delas enquanto compositoras, intérpretes e poetisas. Entre uma música e outra, uma declamação de poesias autorais ou de outros grandes artistas.

Para garantir uma melhor qualidade instrumental, elas contam com auxílio de outros músicos, isso porque cada uma aprendeu a tocar o seu instrumento sozinha. A busca pelo estudo e aprofundamento musical só veio com o passar dos anos e com a consolidação do grupo. Elas explicam que, inicialmente, numa tentativa de não descaracterizar o grupo (feminino) tentaram conseguir instrumentistas mulheres, mas por conta de dificuldades geográficas, acabaram convidando amigos músicos. Alysson Ericke, paraibano e também sanfoneiro do grupo, acrescenta o fato das três serem, além de grandes artistas, ótimas gestoras da própria carreira: “trabalhar com elas é ótimo. São pessoas responsáveis e no palco são sem igual!” Além de suas composições em seu repertório, As Severinas tocam sucessos de grandes artistas representantes do forró autêntico e também de outros ritmos. Mas sempre se preocupando com a mensagem que passam: “nós nos preocupamos não só com que vai agradar o público, mas também com o que a gente gosta e que transmite a nossa verdade. Assim, o público acaba gostando!”

 

Ocupando o espaço delas

“Que se tore o machismo matador
Inquilino de irmãos, amigos, pais
Que o estado se torne protetor
Para que não sejamos numerais
Que a voz da mulher não silencie
E nenhum dedo em riste atrofie
Frente a cara covarde e a covardia
Toda causa exige compromisso
E enquanto alguém se cala omisso
Nós mulheres morremos todo dia”

Isabelly Moreira

Muito forró no pé

Tradição e modernidade também estão presentes nos calçados de couro usados por elas.

Em entrevista, Isabelly (triângulo) quando perguntada sobre possíveis dificuldades enfrentadas no início de carreira, por se tratar de uma grupo feminino, responde: “Não. Isso foi um impulso. E é o fio condutor do que mantém As Severinas”.  E elas mostram que vão de encontro a ideia de que ser mulher é um empecilho para ser ou se ter algo. O espaço conquistado por elas até aqui se dá não só pela qualidade do trabalho que exercem, mas pela verdade que trazem e pelo amor que depositam.

As Severinas propagam mensagens libertárias e entendem que a força das mulheres se dá pela união, no transformar as conquistas individuais, em coletivas. E assim elas vão: conquistando o Nordeste pelo forró, e dando voz à mulher através da poesia.

 

 

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