REPORTAGEM ESPECIAL| Fogueiras e fogos de artifício: o perigo escondido por trás da tradição

Campina Grande, 19 de junho de 2018  ·  Escrito por Pâmela Vital  ·  Editado por Bruna Martins  ·  Fotos de Pâmela Vital
Fogueira de São João em área rural Foto: Pâmela Vital

Fogueira de São João em área rural Foto: Pâmela Vital

Tradição no mês de São João, as fogueiras e os fogos de artifícios compõem o cenário típico dos festejos juninos de Campina Grande, principalmente na área rural. Nas noites de véspera dos dias de São João e São Pedro, famílias e grupos de amigos se reúnem em torno das chamas para se confraternizar e aproveitar o clima invernal da cidade do Maior São João do Mundo.

Segundo o costume passado de pai para filho, a origem das fogueiras surgiu de um trato feito por Isabel, mãe de São João Batista, e Maria, mãe de Jesus Cristo. Nele, Isabel acenderia uma fogueira no topo de um monte para avisar a sua prima que João havia nascido. Hoje, a ideia central permanece. Nas noites frias de junho, pessoas se sentam em torno de fogueiras para se divertir, dançar, comer e brincar ao som de músicas como o forró, ritmo que não pode faltar na festa.

Outra prática também costuma acontecer durante essas ocasiões: o soltar dos fogos de artifício. A oferta é grande. Indo dos simples “tracks” e chuveirinhos, apropriados para as crianças, a bombas mais fortes como as “canoas” e “vulcões” para os adultos, eles agregam o colorido e beleza a essa época tão celebrada pelo nordestino, o tempo em que se espera um plantio bom, abençoado pelos santos padroeiros. Tal prática se repete há anos. Até mesmo o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, já cantava sobre as noites alegres de festejos juninos: “Na fogueira de São João, eu quero brincar; quero soltar meu balão e foguinhos queimar”.

Opiniões diferentes sobre o assunto

  • Relato de uma mãe

Vanessa Raquel, mãe de João e Ana Letícia, de dez e três anos respectivamente, relembrou do seu tempo de criança, quando tudo era muito diferente dos dias de hoje. “No meu tempo era diferente. Curti fogueiras bem mais que meus filhos hoje, mas também a realidade era outra. Não sabíamos tanto da poluição que a fumaça causa no meio ambiente nem sofríamos com a insegurança que assola não apenas a cidade, mas todo o país. É por isso que hoje, quando temos a oportunidade de brincar perto da fogueira, deixo meus filhos à vontade, mesmo depois de explicar todos os cuidados que se deve ter pra não se queimar”.

Já quanto a fogos de artifício ela é contra. “Não. De fato, não gosto quando eles mexem com fogos porque são perigosos. Não sabemos a qualidade nem de onde vem. Sempre achei isso, mas meu marido deixa e você sabe como são crianças… Então, minha única opção é observar a todo instante para que não aconteça nenhuma lesão grave como alguma queimadura e estragar a festa tanto pra eles quanto pra nós, pais”.

  • Visão dos vendedores de fogos de artifício
Dinha, dona da barraca "Joarez Fogos" Foto: Pâmela Vital

Dinha, dona da barraca “Joarez Fogos” Foto: Pâmela Vital

Quem, contudo, aproveita as tradições de São João que envolvem fogos são os barraqueiros da Av. Dinamérica, onde está  localizado o maior comércio desses itens em Campina Grande nos meses de festa. Em busca de um dinheiro extra, Maria Aparecida Farias, a Dinha, proprietária da barraca “Joarez Fogos”, fala sobre o crescimento das vendas dos produtos durante o período junino, mesmo durante a crise que o país enfrenta. “Abrimos nossa barraca durante os meses de maio e junho, já que é quando o movimento aumenta por aqui. É a melhor época de comércio, claro, porque todos estão envolvidos com a festa e, várias vezes, vêm em família comprar track e chuverinho – os fogos de luxo como chamamos – para as crianças e outros de tiro, que são a preferência dos adultos”, relatou.

Quanto a clientela, Dinha afirma já ter seus clientes fixos devido aos inúmeros anos que comercializa pela Av. Dinamérica. “A gente vende durante o ano todo para festas, aniversários e eventos. Temos os nosso próprio depósito, mas quando chega essa época do ano, têm aqueles que já vem direto a mim comprar os fogos. Claro que existem os clientes novos, e a gente faz de tudo pra cativar, verdade?!”, falou sorridente em entrevista. E não foram apenas palavras, no final da conversa, nossa equipe saiu com balão junino para enfeitar o carro e alguns fogos nos bolsos como lembrança.

  • Conselhos da Equipe de Bombeiros e da Unidade de Queimados do Hospital de Emergência e Trauma de Campina Grande/PB
 Da esquerda para direita: Simone e Vinícius Bione, Gilson Gonçalves e Adrielly Pereira Foto: Pâmela Vital

Da esquerda para direita: Simone e Vinícius Bione, Gilson Gonçalves e Adrielly Pereira Foto: Pâmela Vital

Para o Bombeiro Civil, Gilson Gonçalves, 34, o conselho é que a população tenha bastante cuidado ao manusear fogos de artifício, assim como prestar atenção na proximidade excessiva com as fogueiras. “Não aconselho o uso desses artifícios justamente pelo seu grande perigo. Podem causar lesões tanto na parte física, com bolhas de primeiro, segundo e terceiro grau, quanto psíquica, já que as consequências podem ser definitivas na estética da pessoa e, muitas vezes, sua aparência não se adequará ao padrão imposto pela sociedade. Mas a tradição é forte e as pessoas continuam brincando. Com track não há tantos efeitos, mas já vi casos de adultos que querem aventura e soltam uma bomba “canoa”, somente para ter seus dedos da mão decepados. Não é brincadeira”, avisou.

Gonçalves relata que o órgão ainda não fez a estatística sobre a quantidade de casos envolvendo esses dois elementos neste ano, uma vez que seu apogeu será entre os dias 21 a 28 de junho. “Ainda estamos no começo dos festejos. O auge normalmente é entre a semana de São João ao São Pedro. Mas esperamos que os casos não se repitam tão frequentemente como nos outros anos”, afirma esperançoso em uma das pausas durante sua ronda no Parque do Povo.

O bombeiro pede que a população também os ajude quanto a prevenção de acidentes com fogo. Para ele, infelizmente, as campanhas muitas vezes “enxugam gelo”, já que não existe a reciprocidade das pessoas para com os órgãos de fiscalização. “Aconselhamos manter distância das fogueiras que exalam monóxido de carbono – um gás extremamente prejudicial a saúde humana – e ter sempre em mente os cuidados perto dos fogos. Não faça a festa perto da rede elétrica ou de vegetação e lixo para que o fogo não se propague e se for queimado, vá direto ao hospital. É muito comum a população dizer que pasta de dente ou gelo ajuda, mas só fazem piorar a situação. O indicado é lavar com água corrente e ir imediatamente ao médico indicado para tomar as devidas precauções”.

Xênia Queiroz, coordenadora da Unidade de Queimados do Hospital de Trauma Foto: Pâmela Vital

Xênia Queiroz, coordenadora da Unidade de Queimados do Hospital de Trauma Foto: Pâmela Vital

Da mesma forma a coordenadora da Unidade de Queimado do Hospital de Emergência e Trauma de Campina Grande, a enfermeira, Xênia Queiroz, corrobora com o pensamento do bombeiro. “Os casos de queimaduras crescem bastante durante os festejos juninos. Nesta ala, mais de 50% são casos vindos de queimaduras de fogueiras e fogos de artifício que aconteceram neste último mês”.

Segundo ela, as crianças e os idosos são os alvos mais frequentes dos cuidados da equipe médica. “Pedimos pra aumentarem os cuidados nesse período porque acidentes causados pelas brasas das fogueira em fase terminal e bombas que “goraram”, ou seja, as que você acredita que não estourou, mas quando vai ver, explode na sua mão, são muito comuns”.

Contudo, discorda de Gonçalves ao afirmar que observa a diminuição de casos de queimaduras ao longo dos anos. Segundo ela, em 2018 será o 15º ano da Campanha de Prevenção de Queimaduras e elas esperam ter números mais baixos que o do ano passado, quando o atendimento no mês de junho foi de 25 pessoas feridas por fogos ou fogueiras. “Trabalho há treze anos nesta unidade de socorro aos queimados e vejo todos os anos o número diminuir, ou seja, a campanha de conscientização está funcionando”, mantém-se firme ao informar.

Orientações a serem seguidas

Tanto o Equipe de Bombeiros quanto a Unidade de Queimados concordam em como prevenir tais acidentes de acontecerem. As medidas são:

  • Deixar de levar fogos nos bolsos, pois o atrito pode acendê-los;
  • Não passar gelo, a água de caju, a pasta de dente ou a manteiga na queimadura com o intuito de diminuir a dor;
  • Não brincar com as brasas que restaram da fogueira no dia posterior a festa. Elas ainda queimam, pois, na realidade, o fogo não se extinguiu;
  • Lavar o local da lesão com água fria – e não gelada – e ir direto ao hospital buscar ajuda especializada, entre outros cuidados.

Em casos de acidente com fogo, o Hospital de Trauma, localizado na Av. Mal. Floriano Peixoto em Campina Grande, já perto da BR 230, é o único local correto para socorrer os queimados, uma vez que queimaduras são, sim, consideradas traumas.  

Resta ao forrozeiro, portanto, o pedido: se for seguir a tradição, redobre os cuidados e siga sempre as instruções dos órgãos responsáveis e leis municipais. Conforme advertido pela Superintendência de Administração do Meio Ambiente (SUDEMA), não há permissão para fazer fogueiras em ruas asfaltadas ou 200 metros perto de um estabelecimento público, privado e/ou coletivo. A madeira deve ser, preferencialmente, local e legalizada.

A Energisa também orienta para que não se façam fogueiras embaixo da rede elétrica, pois as labaredas podem atingir a fiação causando curto-circuito e derretendo os fios com a insolação, acabando com o andamento da festa e causando prejuízos para a empresa e para a população. É com consciência que comemorar o São João se torna um hábito saudável e festivo para todos. Este ano, fiquem atentos e prestem atenção nas brincadeiras perto do fogo. Não seja você a próxima vítima. Viva São João!

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