Leticce: Uma história de amor pela sanfona

Campina Grande, 8 de julho de 2018  ·  Escrito por Bruna Martins, Larissa Santos e Pâmela Vital  ·  Editado por Aluska de Araújo Teberge  ·  Fotos de Bruna Martins e Matheus Pereira
Diretora da Leticce, Marileide Azevedo comanda a única fábrica de sanfonas do Nordeste. Foto: Bruna Martins.

Diretora da Leticce, Marileide Azevedo comanda a única fábrica de sanfonas do Nordeste. Foto: Bruna Martins.

Tudo começou com um comentário informal de um amigo numa barbearia. “Home, já que você já faz a manutenção das sanfonas, por que você não começa a produzi-las?!”, foi o teor do comentário que levou o artista Amazan a empreitar pelo universo, ainda tão pouco conhecido, da fabricação dos acordeons.  

Em dezembro de 2003, depois de uma viagem a Itália para observar como os europeus confeccionavam um dos instrumentos mais reconhecidos da cultura popular brasileira, o sanfoneiro inaugurou a Leticce. Com o nome em homenagem a sua mãe que trocou seu rádio pela primeira sanfona, Amazan fundou a única fábrica no Nordeste de produção de acordeons.

Marileide Azevedo, 37, diretora da fábrica, conta que cada sanfona pode durar 80 anos se bem cuidadas. “Cada sanfona é única. Nós, da Leticce, zelamos pela melhor qualidade, então, por exemplo, utilizamos cinco tipos de madeira diferentes em cada etapa do processo e importamos a maioria das peças, pois no Brasil não ainda não existem que as faça”, comentou.

Ao ser questionada sobre uma curiosidade, a bandeira da Paraíba presente em cada instrumento, ela sorri e explica o duplo sentido. “Na Itália, disseram que os brasileiros não seriam capazes de produzir acordeons. Amazan se negou a desistir da ideia e passou um ano e meio para conseguir fazer a primeira peça completa. Quando a fez, resolveu colocar o “NEGO” para representar de onde vinha a sanfona, além de tirar o tradicional “made in” que os italianos tanto usavam”, contou Marileide.

Com mais de 10 mil peças, a sanfona ou acordeon, como é chamada em algumas regiões do Brasil, é um item complexo e caro de se adquirir. São em média 60 dias para sua elaboração, e por mês, cerca de 10 unidades são entregues pelos funcionários da empresa para serem vendidas. “Logo no começo, Amazan foi quem aprendeu todas as etapas na Itália e assim, montou com os primeiros empregados a linha de produção. Hoje, são 10 pessoas treinadas por nós, mas que foram contratadas por suas habilidades manuais”, expôs Marileide sobre a mão de obra necessária.

De diversos estilos e tamanhos, as sanfonas podem chegar de 8 a 120 baixos, indo das crianças de cinco anos até o nível profissional. As sanfonas pianos produzidos são divididas em três partes simples: o teclado, o fole (parte do meio) e os baixos (os botões que fazem os acordes). São classificadas comercialmente em categorias, podendo ser de 8, 48, 60, 80, 92, 100 e 120 baixos.

Marileide afirma ainda que a Leticce tem um grande diferencial, pois “Somos a única fábrica do Brasil que produz desde o corte da madeira, afinação ao acabamento final. Outra característica da empresa é a fabricação do instrumento com ressonância, que é uma caixa interna que faz com que o som saia mais encorpado”, apontou enumerando as vantagens de escolherem uma das sanfonas locais como sua própria.

Nesses quinze anos de empresa, alguns aspectos foram modificados. Antes, tudo o que fosse relacionado aos instrumentos era fabricado na Leticce. Agora, apenas as sanfonas são feitas no local, pois os acessórios como a case (mala) de madeira, as correias, o protetor de fole são terceirizados.

Luan Estilizado tocando no palco principal do Parque do Povo, neste sábado, 07, com uma sanfona Leticce - Foto: Matheus Pereira.

Luan Estilizado tocando no palco principal do Parque do Povo, neste sábado, 07, com uma sanfona Leticce – Foto: Matheus Pereira.

Sendo reconhecidos por sua qualidade, diversos artistas adquiriram uma sanfona produzida em Campina Grande para compôr seu leque de equipamentos, entre eles estão Dorgival Dantas, Jorge e Mateus e Simone e Simaria. “Vendemos bem no Brasil, mas no exterior estamos participando do PEIEX – Programa de Qualificação para Exportação do Governo Federal para expandirmos nossas vendas tanto na América do Norte quanto na Europa”, contou mostrando um pouco do que alcançaram ao longo dos anos.

Com os preços que variam entre R$ 21 mil a R$ 35 mil, as sanfonas são um objeto de luxo para os amantes da música. Almejadas, há ainda aquelas com um custo benefício melhor, porém com pior qualidade vindas da China. “Sabemos que muitos não tem o dinheiro necessário para comprar uma nova, então ofertamos outras para iniciantes com um preço mais baixo”. Ainda segundo Marileide, as sanfonas produzidas no Brasil, mesmo com os impostos e as peças importadas, saem mais baratas que as vendidas na Itália. “Mesmo com tudo contra nós, conseguimos objetos de igual qualidade a um preço menor que as empresas que estão no mercado há mais de 70 anos”, comentou.

O futuro ainda é incerto. As vendas continuam em ritmo acelerado. No mês de São João, o calendário de reuniões aperta, mas o trabalho minucioso transforma um quebra cabeça em um belíssimo instrumento de som. “Eu tenho um sonho. Espero que um dia, consigamos fazer um tipo de sanfona com custo menor para que todos, estudantes e pessoas de baixa renda incluídas, possam conhecer um pouco mais desse instrumento tão incrível”, finaliza Marileide, despedindo-se da equipe e seguindo o caminho de casa para descansar, pois, no dia posterior, a agenda não esperaria por ninguém.

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