De repente um desafio

Campina Grande, 5 de novembro de 2017  ·  Escrito por Renan Lutiane  ·  Editado por Valtyennya Pires  ·  Fotos de Jason Norte

Repentistas mostram todo o seu talento para o público

                                       Estado contra Estado, o maior desafio de repentistas do Brasil

Quando se fala em tempo livre, o que pensar em fazer? Ir a um cinema, encontrar amigos, andar pela cidade… Na data 04 de Novembro, a escolha foi ir ao Teatro Municipal Severino Cabral, em Campina Grande, assistir a uma disputa de repente. É, e quando falo repente, não é a uma instantaneidade de uma escolha rápida no que fazer no final de semana, mas de um concurso de cantoria, cultura popular muito conhecida pelos sertanejos que criam versos de “repente” que são cantados acompanhados por uma viola afinada ao jeito do sertão.

O concurso que realizou sua 11ª edição, contou com a reunião de diversos cantadores de viola da região e de todo o nordeste. Considerado entre eles o maior concurso de repentistas, não se dá para duvidar, a casa estava cheia. Uma platéia preenchida, os camarotes abertos e lotados, subindo mais um pouco, o mezanino também. Quem conseguiu chegar cedo, sentou, quem não, não deixou de prestigiar toda esta manifestação cultural popular, achou um jeitinho, se “aninhou” em algum local e assistiu o espetáculo.

Evento teatro-3816

As fileiras estavam preenchidas de senhorzinhos com seus chapéus, alegres e empolgados com as rimas que mostravam criatividade, conhecimento, e estudo profundo sobre a nossa sociedade e os assuntos contemporâneos. Nós podemos não perceber nas ruas as atividades de muitos, mas a empolgação tomou conta quando a primeira dupla tocou e rimou com um tema bem polêmico e pertinente para o momento, a política no Brasil – ‘O Brasil é destaque mundial no quesito roubalheira’, muito bem elaboradas as métricas e rimas, cantadas por João Lourenço, paraibano, e Claudio Moura, piauiense e vice-vencedor da edição 2016.

Transitamos no camarim antes e durante o evento. O clima naquele ambiente era de amizade e reencontro, afinal, muitos não eram de Campina Grande, e por tantos anos de profissionalismo na área do repente, já se conheciam e aproveitavam o momento para conversar, tirar brincadeiras uns com os outros e aproveitar a reunião entre amigos.

Acrizio de França, cearense de Jaguaribara, participou pelo 5º ano do desafio, e foi com ele que entendemos melhor a preparação de cada repentista. Sabendo que independente do concurso, para se fazer uma boa cantoria, “o repentista deve ler muito jornal, ter uma leitura de conhecimentos gerais e ficar atento ao que vem acontecendo.” Há 16 anos na cantoria, vindo de família de violeiros – como a maioria dos participantes – o repente e a cantoria é profissional, não apenas um hobby. Além disso, também é compositor de bandas de forró. Este ano Acrizio ficou na terceira posição dos participantes vencedores.

“O desafio é a conciliação do que há de melhor da cultura popular, o repente e a cantoria de viola.” Assim determinou Rangel Junior, reitor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB),Evento teatro-3499 que é apoiadora do evento desde o ano passado, mas que já foi sede do Congresso de Violeiros, evento que fez nascer o desafio Estado contra Estado. O reitor, que possui uma relação pessoal com a cantoria, vindo de família de violeiros, contou-nos a importância de impulsionar eventos como este, que tratam da cultura e resistência do sertanejo. Nos poucos minutos de conversa na coxia do teatro, víamos um amigo dos participantes, que a cada cruzar cumprimentavam Rangel, fortificando o laço dele com aquele evento e manifestação regional.

O evento foi muito valioso para a cultura popular regional, e também serviu de instrumento para ajudar a tornar o repente patrimônio cultural imaterial. Uma equipe de pesquisadores do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – estiveram presentes no desafio e fizeram os registros audiovisuais para ajudar neste processo. João Miguel Sautchuck, antropólogo da UnB, coordenador da equipe, contou que já está na segunda etapa da pesquisa que se iniciou em 2015 e tem previsão de entrega do dossiê para análise ao órgão, IPHAN, no segundo semestre de 2018. João Miguel estuda sobre o repente há anos, a cantoria foi tema de sua tese de doutorado. Agora, ele está focado em apresentar os sentimentos e o que representa o repente para as pessoas que convivem e produzem essa manifestação cultural.

O Desafio Estado contra Estado é a síntese da força da manifestação popular que é o repente. A reunião de todos estes artistas se apresentando para um grande público é responsabilidade de Iponax Vilanova, idealizador e apresentador do evento. Conseguiu lotar o teatro municipal e é recorde de bilheteria desde 2011, assim como afirma constantemente em sua apresentação. Todo esse sucesso ele atrela ao grande laço de amizade junto aos participantes, às parcerias – que não deixam de receber suas críticas no decorrer do desafio, e fidelização com o público. Este ano maior parte dos ingressos foram entregues pessoalmente ao comprador, ressaltando sua importância dentro do evento. O sentimento de Iponax ao final foi de satisfação e realização. Promete e pretende aumentar e melhorar mais ainda nas próximas edições e não deixar morrer a cultura de viola.

Evento teatro-3504

O evento começou pontualmente e acabou no horário determinado, tempo encaixado perfeitamente no cronograma. Tudo ocorreu dentro dos conformes e foi visível a satisfação de quem esteve presente. O ganhador deste ano – na premiação individual – foi Raimundo Caetano, pentacampeão da Paraíba, trazendo mais um título para o estado que além de ser anfitrião, é o que possui maiores títulos.

Comentários