Quando o resultado final da festa é salvar vidas

Campina Grande, 19 de junho de 2019  ·  Escrito por Pâmela Vital  ·  Editado por Edson Tavares  ·  Fotos de Pâmela Vital

Uma cobertura jornalística se transforma num ato de amor e solidariedade.

Animação total dos convidados do São João do Hemocentro de Campina Grande.

Embalados no melhor ritmo junino, o forró pé de serra já havia começado quando a equipe chegou ao local da pauta do dia, o Hemocentro Regional de Campina Grande. Com o objetivo inicial de fazer a cobertura da sua festa anual de São João, o que seria apenas um encontro rápido com falas pontuais se tornou um ato altruísta e voluntário de amor ao próximo.

Durante toda a quarta-feira (19), trios de forró e quadrilhas típicas se revezavam nas apresentações, dentro da sede do Hemocentro, localizada ao lado da Rodoviária e do conhecido CEDMEX, no bairro do Catolé. O grupo comemorava o Junho Vermelho, campanha nacional do Ministério da Saúde que busca atrair pessoas tanto para doarem  sangue quanto fazerem o cadastro de medula óssea, durante os períodos festivos. O que acontece é que, em junho, pelo alto consumo de bebidas alcoólicas e noites mal dormidas, os forrozeiros normalmente se esquecem de ir doar ou são reprovados por não atender aos critérios básicos exigidos.

Diretora Geral do Hemocentro Regional de Campina Grande, Elilia Pombo, recepcionando os convidados.

“Em junho, como acontece no Carnaval, o número de doadores diminui. Mas, diferente de fevereiro, que é uma semana, junho é um mês inteiro, e por isso fazemos essa campanha, a fim de conscientizar sobre a importância de reservar um tempo para vir aqui fazer sua parte”, comentou Elília Pombo, 52, Diretora Geral do Hemocentro de Campina Grande.

Segundo ela, que participa da festa desde 2015, o déficit é prejudicial aos hospitais, porque há um aumento significativo de acidentes entre o final do mês de maio, durante junho e início de julho. “Para nós, o Junho Vermelho serve para alertar a população que há um crescimento na demanda de sangue e, ao mesmo tempo, perdemos doadores. Fazemos apelos para que nossos estoques sejam favoráveis à distribuição e que ninguém fique sem receber o produto”, afirma.

Mesmo não focando em números, a diretora corrobora com a informação de que há a necessidade, principalmente, de pessoas com o fator rh negativo. “A gente quer que as pessoas venham, só isso. Qualquer tipo sanguíneo será bem vindo, mas existe a dificuldade de rh negativo, até porque apenas 8% da população porta esse tipo de sangue, por isso nosso apelo permanente”, falou à equipe de reportagem.

A turma do Hemocentro embalada pelo trio de forró.

O diferencial de 2019 foi a maciça presença das emissoras de rádio e televisão, além dos portais do Estado. “A mídia abraçou a causa. Duas TVs já vieram hoje e já fui a rádios e entrevistas que nos convidaram para ir divulgar. Todos os anos inovamos com algo para chamar a atenção das pessoas e, aos poucos, estamos conseguindo”, reiterou. Ao final, quando a repórter confessou ser do tipo sanguíneo A negativo, Elília já  convidou-a para fazer parte da campanha: “Venha doar também! Nós respeitamos o medo das pessoas, mas são tão raros sangues como o seu que queria contar com você como doadora aqui!”, soou esperançosa, enquanto seguia para atender a uma servidora.

Naquele momento, Larissa Nogueira, 36, coordenadora da coleta de sangue, passava por perto e, ao entreouvir a informação, não demorou a pedir que comesse alguns dos quitutes da grande mesa festiva no salão de entrada e depois voltasse para a triagem. Sem dar espaço à dor ou ao medo de agulhas, a repórter não teve saída senão seguir a consciência e, quando menos esperava, um prato com tapioca, pedaços de bolos e salgadinhos, além de um copo de chocolate quente, eram colocados em sua mão.

Carla Alves e Larissa Nogueira, coordenadoras das coletas de medula óssea e sangue, respectivamente.

Entre uma mordida e outra, conversou com Larissa sobre o seu receio de doar. “Esse evento acontece por um motivo: conscientizar as pessoas a vir doar sangue, mostrando como podem ajudar ao outro. Perdemos cerca de 20% dos nossos estoques quando essa época festiva começa e fazemos de tudo para repor e abastecer os hospitais”, falou enquanto elencava o lado positivo da doação.

Sentando ao seu lado, pediu que conhecesse o trabalho do Hemocentro e, assim, tomasse a decisão de doar ou não: “O medo sempre vai existir pelo desconhecido, por todos os mitos que existem, mas sempre dou a dica de virem para cá. Nós informamos, orientamos no sentido de tirar esses medos e às vezes numa conversa, conquistamos um doador”, pontuou, encaminhando-a para a primeira fase de cadastro.

Como diz o ditado “comida no bucho, pé no mundo”, cada etapa foi sendo vencida. Primeiro os dados pessoais, seguido pela orientação no serviço social, a aferição do peso, altura, pressão, anemia (com direito a uma furadinha no dedo anelar), chegando, por fim, à triagem, com as perguntas sigilosas entre a enfermeira ou médica presente e o candidato à doação. Lá, caso seja aprovado, haverá a assinatura do termo respectivo e o recebimento do ticket do lanche (no caso em específico não houve necessidade) e um papel com a frase: “Você considera que seu sangue seja seguro para ser usado em outra pessoa?”; cabe à consciência de cada um determinar se sim ou não.

Em caso positivo, como foi o da repórter, no final do corredor, perto da cantina, há servidoras que questionam se gostaria também se fazer parte do cadastro de doadores de medula óssea. Já sabendo que uma doadora havia chegado junto à equipe de reportagem, Carla Alves, 43, enfermeira coordenadora deste setor, explicou os procedimentos para essa fase: “Você preenche esse formulário, que é a nível nacional, trazendo apenas um documento original com foto. Coleta uma ampola de 5ml de sangue, para ficar na lista do Redome, usualmente durante a doação de sangue, e espera ver se há compatibilidade com alguém que tem leucemia”, explica.

Quando perguntada se haveria a retirada de líquido da coluna, Carla respondeu ser uma etapa muito posterior. “Muitos acreditam que é como nos filmes, direto na medula, mas não. Antes de tudo há a retirada de um pouco de sangue, que vai para o cadastro nacional. Só se houver compatibilidade, o que é de cerca de 1 para 1 milhão, é que nós entramos em contato para outros testes”, expôs, reiterando o caráter voluntário de todo o processo.

A coordenadora ainda revelou um dado animador. Em Campina, tanto em maio quanto em junho, dois doadores foram contactados, devido à compatibilidade com um paciente, inclusive fora do país. “É raro algo assim acontecer, mas mês passado tivemos dois casos e esse mês também! Tudo é feito pelo Redome e o doador não precisa se preocupar com nada, de exames a coleta final”, garantiu.

Após finalização do novo cadastro, a sala de coleta, fatídico local onde uma agulha de calibre mais grosso estava à espera, foi sua próxima e última parada. Logo de início, uma enfermeira entregou uma cesta de plástico branco com os tubos para coleta e a famosa bolsa, onde os 420mls de A negativo seriam armazenados para análise.

Nervosa, com as mãos suando frio, a repórter relatou que somente a certeza do destino final da bolsa de sangue foi o que a fez continuar. Felizmente, a enfermeira que a atendeu compreendia situações como a dela e deu um simples, porém decisivo, conselho: “respire fundo”. Após uma picada quase imperceptível, até mesmo mais leve que a da verificação de anemia, começaram os trabalhos de tirar, milimetro por milimetro, parte do sangue vermelho do organismo. Em menos de dez minutos, todo o medo havia desaparecido, dando lugar a um sorriso e à promessa de que, em três meses, estaria novamente por lá.

Os doadores de primeira viagem, Jefferson Trajano e Thiago Leite.

Saindo da sala, encontrou-se com outros dois doadores, que bebiam um copo de  suco de acerola, providenciado pelo Hemocentro, como um brinde de agradecimento. Ambos estavam lá pela primeira vez. Segundo Jeferson Trajano, 22, a avó de sua esposa havia sofrido um acidente e precisou de dois litros de sangue. “Ela precisou e outras pessoas que já tinham passado por aqui ajudaram. Era meu dever repor, até porque ninguém sabe quando pode ser a sua vez de precisar… imagina se não tiver?!”, relatou.

Da mesma forma, Thiago Leite, 21, compareceu para ajudar uma amiga e pretende voltar mais vezes, incentivando os colegas para separarem um tempo a fim de conhecer um pouco do trabalho, assim como Larissa falou.

Aproveitando o trio de forró, que continuava embalando os forrozeiros do outro lado da parede, ele comentou, esperançoso para que houvesse mais eventos como esse, durante o ano: “Acho essa iniciativa muito boa, porque você pode curtir o espírito de São João e ainda ajudar alguém. Não há preço que pague”, disse, em despedida à equipe.

Quando menos esperava, o relógio lembrou o horário de almoço. A cobertura já estava no fim, mas a festa não pararia até o final do dia. Já se deslocando para a saída, Elília foi ao seu encontro e, ao ver o curativo no braço direito da repórter, sorriu agradecida. “Viu que não doeu tanto assim? Pode ter certeza, não foi uma coisa complicada nem demandou tanto tempo, mas eu lhe garanto uma coisa: agora que você doou a primeira vez, e sabe que vai servir para alguém que está sofrendo no hospital, a satisfação vai ser redobrada e o medo não ganhará nunca mais”, confidenciou. E a repórter, de um forma inexplicável, acreditou.

Momentos de relaxamento depois da furada inicial da agulha para coleta de sangue.

Critérios para doar sangue

  • Ter idade entre 16 e 69 anos, desde que a primeira doação tenha sido feita até os 60 anos (menores de 18 anos devem ter consentimento formal de responsável legal);
  • Pesar no mínimo 50kg;
  • Estar alimentado, evitando alimentos gordurosos nas 3 horas que antecedem a doação – após o almoço, aguardar 2 horas;
  • Ter dormido pelo menos 6 horas, nas últimas 24 horas;
  • Apresentar documento de identificação, com foto, emitido por órgão oficial (Carteira de Identidade, Carteira Nacional de Habilitação, Carteira de Trabalho, Passaporte, Registro Nacional de Estrangeiro, Certificado de Reservista e Carteira Profissional emitida por classe).

Critérios para cadastro de doação de medula óssea

  • Ter entre 18 e 55 anos de idade;
  • Não ter histórico pessoal de câncer;
  • Apresentar documento de identidade com foto;
  • Fornecer dois nomes e telefones para contato;
  • Preencher um formulário com dados pessoais;

Coletar uma amostra de sangue (5ml) para testes. São eles que determinam as características genéticas necessárias para a compatibilidade entre o doador e o paciente.

O horário de funcionamento do Hemocentro Regional em Campina Grande é de segunda a sexta-feira, de 7h às 17h30, e no sábado, de 7h às 11h30.

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