O número da casa é 616, a rua é de nome Sebastião Benjamim, popularmente conhecida como Rua da Briga. Nesse endereço moram a vitalidade e disposição, principalmente quando o quesito é forró. O lugar é conhecido por esse apelido curioso, pois de acordo com os moradores e algumas senhoras que aí residiam, costumava haver um certo tipo de “estranhamento” entre eles quase todos os dias. Atualmente, a rua pode contar com um leve clima de paz, pode-se assim dizer. Contrariando a fama do local onde mora, Maria Nazareth Rodrigues, 71, é um exemplo de amistosidade com seus vizinhos, além disso, é admirada por levar sua vida de maneira leve como uma dança.
É em Areial, no Agreste Paraibano, que vive essa figura emblemática. Nazareth nasceu em 1948 e foi criada nesta pequena cidade que fica a pouco mais de 30 km de Campina Grande. Apesar de não gostar de ler, dedicou-se aos estudos básicos e a contribuir com as tarefas da família. Desde muito cedo despertou-se nela uma paixão imensurável! E se você pensa que foi por outra pessoa, está enganado. Foi pela dança! A relação conjugal só veio quando ela já estava numa idade avançada, mas seu amor à primeira vista foi o forró.
A memória.
Apesar de já ter enfrentado problemas psicológicos e depressivos, aos quais lhe acarretaram complicações, a aposentada não esquece do cupido responsável por atirar a flecha desse amor: o rádio. “Eu comecei a dançar com 15 anos, no tempo do ‘Rádio Baile Junino’ que eu ouvia, se não estou enganada, na rádio Borborema”, relata. A cidade onde ela mora era conhecida pelos bailes que aconteciam nos anos 1980 e 1990, os chamados “Assustados” e foram neles o primeiro contato de Nazareth com o forró. “Pequenininha eu ia para os bailes com mamãe, só vinha no outro dia, ficava prestando atenção e num instante aprendi a dançar forró”, completou.
A mulher que casou duas vezes mas não teve nenhum filho, não esquece da religiosidade ensinada por seus pais, muito menos da inspiração dos santos juninos que durante a sua juventude eram festejados com muito fervor. Nos dois casamentos foi forçada a enfrentar a dor da partida e vestindo-se de preto por muito tempo em sinal de luto, como mandava a tradição.
As complicações na saúde
Durante os longos anos de vida, Maria Nazareth enfrentou diversos problemas de saúde, entre eles uma grave infecção de garganta que a deixou hospitalizada por muito tempo. O reumatismo e os problemas de visão também foram grandes inimigos. Em virtude de quadros depressivos precisou ser internada diversas vezes, mas conseguiu, segundo ela, graças à intervenção divina, superar a situação. Além de todas estas enfermidades enfrentadas, hoje ela encara problemas cardíacos: tem arritmia, hipertensão, um aumento no tamanho do coração e já passou por algumas cirurgias.
Contudo, o que mais incomodava era uma outra doença, a artrose. Por causa disso ela encontrava algumas dificuldades para realizar as tarefas do lar e para se locomover, foi então que encontrou alguns remédios que não estão nas prateleiras das farmácias.
A superação
“Melhorei da dor nas pernas depois que comecei dançar”, Nazareth encontrou na dança e na atividade física as melhores aliadas para enfrentar os problemas de saúde. Orientada pelos médicos, conseguiu reduzir as dificuldades com a ajuda dos exercícios físicos, fazendo caminhada três vezes por semana. Nas segundas e quintas, ela frequenta as aulas dos ‘Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos’ para idosos, onde faz alongamentos, circuitos e danças. “Atividade física, música e dança é comigo mesmo, a minha vitalidade e auto estima me salvaram e hoje eu tô aqui contando a história, hoje em dia eu tiro fino na lua”, ela brinca com essa expressão popular para dizer que não existem limites quando se tem força de vontade.
Eis aqui, mais uma Maria que carrega o nome da força e da resistência, e como uma nordestina de fibra conta os dias para Junho. Ela aguarda com ansiedade as festas juninas para tirar do armário a roupa que mais gosta: um vestido que encomendou para dançar quadrilha. Além de várias apresentações junto ao grupo de idosos da cidade, já fez parte de grupos de danças e este ano, participou pela segunda vez do Maior Quadrilhão do Mundo, no Parque do Povo, que quebrou o próprio recorde com 1.010 casais. Durantes as festividades juninas de onde mora, ela marcou presença na Quadrilha “Tikin de Tudo” – criada com o objetivo de resgatar a cultura de quadrilha junina tradicional.
O exemplo de vida
Nazareth faz uma auto avaliação e enxerga-se como um exemplo a ser seguido, mas enfatiza que apesar de cair muitas vezes, conseguiu reerguer-se: “Eu já sofri muito nessa vida, muitas doenças, perdas dolorosas e outras situações que prefiro nem falar, mas o importante é levantar sempre que cair. Se eu não fosse animada eu já tinha partido dessa vida”, relatou emocionada. E se você quer saber o que ela faz nas horas vagas, é fácil: dança forró. Liga o rádio, escolhe a música e dança sozinha na sala de casa.
Conhecendo a realidade dos jovens e também dos seus conterrâneos, com uma larga experiência de vida e com as reflexões que faz todos os dias, enfrentando também a solidão, a senhora que já viveu sete décadas ainda deixa um recado: “Eu não sou heroína nem nada, mas no que fiz e faço de bom, quem quiser se espelhar em mim vai ter a vida muito melhor (…) Eu tô no final da vida, mas enquanto der eu quero dançar muito pra ver se vivo mais”, encerrou.
Como canta Milton Nascimento “Maria é (…) uma força que nos alerta”, e Maria Nazareth é hoje uma grande professora, que leciona na escola da vida, mas para seguir o exemplo dela “é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre”.