Da escola para as passarelas: “A gente tem que acreditar no que faz”
Produção/Imagens: Rayssa Mota e Geisy Mirela
Mãe, avó, artesã, designer de moda e empreendedora, essa é Gecilda Pereira de Souza, de 55 anos. Formada em Sociologia pela Universidade Federal de Campina Grande, atuou como professora em algumas escolas da cidade. Ela tinha um futuro à sua espera na docência, mas não era o magistério que fazia os seus olhos brilharem. “Dei aulas e tudo, mas senti que queria alguma coisa que me preenchesse”, relata. Ainda na busca por algo que a realizasse, trabalhou como assessora de imprensa, mas não foi o bastante. Foi aí que encontrou o artesanato abrindo os seus olhos para o universo glamuroso da moda. Formou-se em Design de Moda, depois se especializou em Moda Sustentável e desde então não titubeou entre as oportunidades que surgiram. Encontrou na arte e na moda a cura para a sua insatisfação com a vida. “Quando descobri o artesanato e a moda sustentável me transformei em uma mulher mais viva e sonhadora”, conta a artesã.
Embora o mundo da moda seja fascinante, há também desafios para serem enfrentados como o da competitividade e o de conscientizar as pessoas que a moda ecológica é viável. Então precisaria de muito esforço e dedicação para inovar através da ‘pegada sustentável’. Como diria o rei do baião, Luiz Gonzaga, a paraibana precisaria ser muito “muié macho sim sinhô” para ‘aguentar o rojão’. E quem disse que isso amedrontou Gecilda? Esse foi o gás necessário que a fez empreender e criar a sua própria marca ‘Via Terra’. O conceito se deu em desbravar o ‘fashionismo’ ecológico e destacar a paixão pela natureza em cada tracejo das suas produções: roupas, sandálias, bolsas e outros acessórios.
Foi provando que a idade não significa ‘prazo de validade’ quando se trata de talento, que ela criou a sua primeira obra de arte, aos 40 anos, uma sandália totalmente ecológica e antialérgica. Isso possibilitou um conforto extra aos clientes que possuem alergias ao tecido sintético e até mesmo ao couro. Ela se orgulha ao dizer que até hoje a sandália é um sucesso de vendas, mesmo após 15 anos de seu lançamento. “Continua sendo uma das minhas favoritas para o mercado da moda e para a proposta de um calçado sustentável”, pontuou a comerciante.
Após abrir sua loja e criar a sandália, Gecilda continuou a dizer que apesar do mundo da moda ser muito competitivo, ela sabe “que fazer uma marca é difícil, mas… [é possível]”. Com muita garra, hoje a artesã comemora o marco de 15 anos da consolidação da sua loja, localizada no chalé n° 40 da Vila do Artesão, em Campina Grande. O ateliê viabiliza toda a sua produção baseada em algodão natural colorido. Além disso, alcançou vários clientes até mesmo dos Estados Unidos, pela qualidade e propaganda do seu trabalho na vitrine virtual em seu instagram, o @viaterracg.
Em sua rede social, mostra aos seus seguidores o leque de produtos que fabrica, atribuído de muita personalidade, qualidade e conforto. Todos os públicos são atendidos de acordo com a sua necessidade, seja feminino, masculino e até mesmo infantil. Há calçados antialérgicos ou feitos sob medida. Ela também produz camisetas personalizadas sobre o nordeste, calças, roupas íntimas, acessórios e até mesmo artigos de decoração.
Além de agregar valor a moda e ao mercado, a artesã ama desafios. Começou a produzir absorventes ecológicos com e sem abas, mesmo sabendo que o material requer bastante atenção e cuidado por ser uma peça íntima. Como afirma Gecilda: “Colocamos no mercado e foi um sucesso de vendas”, ou seja, nenhum empecilho se tornou páreo para a fazer desistir.
Da Rainha da Borborema para o exterior, o ‘Via Terra’ encontrou espaço em diversos corações pelo mundo. O Brasil se tornou pequeno para essa marca ecológica! Os lojistas, clientes, seguidores e apaixonados pelo artesanato nordestino encantaram-se pelos produtos da campinense. Aliás, “o artesanato não é aquela peça simplória… é uma arte, uma inspiração, e foi dentro desse contexto sustentável que eu decidi seguir”, enfatiza a designer.
Como se não bastasse a difícil prática da sustentabilidade no ramo da moda, visto que é um setor de grande importância para o meio ambiente… O que fazer então quando não se encontra matéria prima para produzir? A designer de moda sofreu por um determinado tempo devido a ausência do algodão colorido na lavoura paraibana, ocasionada pela grande demanda de exportações.
Após tanta ‘peleja’, ela decidiu expandir seu negócio e começar a cultivar seu próprio algodão colorido na cidade de Santo André, região do cariri paraibano. Com isso, resolveu agregar pessoas que estavam interessadas na área da agricultura, gerando empregos e renda familiar para várias pessoas da região. Através da empreendedora, hoje há uma cadeia produtiva onde eles plantam e colhem algodão colorido natural, fabricando tecido, malha, rendas e crochê, propiciando beleza às suas peças.
Com o seu enorme entusiasmo, Gecilda alcançou os olhares e parcerias de diversas instituições como a Embrapa para dar assessoria técnica na produção, o Senai para fazer o tecido e, com o Sebrae a disponibilização de cursos de reciclagem, possibilitando conhecimentos para a designer. Do agricultor que planta o algodão à costureira com toda a sua equipe, ela expõe que a definição de moda é a fé em si, e comenta que [sem isso] “a gente não trabalha… [e também] a gente tem que acreditar no que faz ”.
Quando ela estava a todo vapor, em uma nova fase de expansão do seu negócio, mais um ‘rebuliço’ chegou para ‘agoniar o seu juízo’: a pandemia da covid-19. A artesã foi mais uma vez posta em teste diante de um cenário de distanciamento social, uso constante de álcool em gel e máscaras. O medo e inúmeras inseguranças assolavam os artesãos, devido ao fechamento por tempo indeterminado do local de trabalho.
Por outro lado, novos meios tiveram que ser explorados pela empreendedora. “Procuramos alternativas para driblar a crise durante a pandemia e não paramos de produzir. Vamos dizer que reciclamos, amadurecemos, fizemos projetos e realizamos novas ideias”, cita a designer. E assim produziu máscaras ecológicas, tornando-se um sucesso nas vendas durante a pandemia dentro desse contexto de preservação, e sem sair da moda.
Após dois anos de ‘aperreio’, a vacinação trouxe esperanças e possibilitou aos nordestinos a volta do São João de Campina Grande. Esse evento tem um grande giro econômico para a cidade, cerca de 300 milhões de reais, o que acabou beneficiando também o trabalho de Gecilda. O salão de artesanato é passagem obrigatória de milhares de turistas. A comerciante fala com alegria e empolgação que “a receptividade dos visitantes aos produtos é maravilhosa e nós estamos muito satisfeitos [com o retorno do São João]”.
E como diria Flávio José, a “burrinha da felicidade” finalmente bateu na porta da casa de Gecilda. Ela conseguiu revolucionar a sua história na moda, com o seu primeiro desfile em um festival agroecológico. Ficou encantada ao ver suas próprias peças expostas na passarela e seu nome sendo citado como designer profissional.“Foi a experiência mais linda da minha vida, eu vou guardar para sempre”, disse ela. E não parou por aí, promoveu dois desfiles no salão do artesanato com coleções de crochê, pintura no tecido e rendas. Atualmente é responsável pela coleção do festival agroecológico da cidade de Remígio-PB.
Gecilda segue a vida com o forte desejo de apresentar para as pessoas que a moda sustentável é fora do comum, mas pode “ser uma moda básica para usar no dia a dia, em casa e, mesmo assim, quis continuar sendo fashion… Com outros adereços pode ser produzida uma peça até pra uma festa ou evento”, enfatiza a designer. Sua lição de vida na moda é percorrida por uma transformação total. Afinal, frisa que “é só a gente se apaixonar e entrar de cabeça que se torna um novo ser, (…) mais leve.”