Exaustão, trabalho intenso e detalhado é um dos desafios para as costureiras que ganham a vida confeccionando roupas de quadrilha.
Reportagem especial: Matheus Gabriel, Matteus Alves, Raquel Franklin e Thaylanny Almeida
Fotógrafos: Matheus Gabriel e Thaylanny Almeida
Supervisão editorial: Agda Aquino
No Maior São João do Mundo, o que não pode faltar são as famosas quadrilhas para abrilhantar ainda mais as nossas festas juninas. Mas, para chegar ao resultado que apreciamos no tão esperado dia da apresentação, é necessário muito trabalho e esforço, incluindo não apenas coreografia e repertório, mas também algo que traz ainda mais beleza na hora da performance: os figurinos.
“Quando abrem os portões do Parque do Povo começa a contagem das pessoas que querem dançar e também a nossa para costurar”, destaca a costureira Francisca Lima, 54 anos, que trabalha com costura desde os 22 anos e no período de São João se dedica exclusivamente às roupas juninas. O trabalho desses profissionais é intenso e demanda muito tempo devido a quantidade de detalhes, como o tipo de tecido, o bordado e todo o material que muitas vezes é difícil de encontrar na cidade. “O verde lima foi muito difícil de ser encontrado. Aqui tem duas peças de Soledade, três de Santa Cruz e duas peças de Caruaru, porque não tinha aqui em Campina Grande”, destaca a costureira.
Um trabalho ao mesmo tempo exaustivo e gratificante em frente a uma máquina para que cada peça fique perfeita, e todo esse trabalho tem um preço que é cobrado de acordo com a elaboração de cada figurino, como menciona Francisca: “A roupa dos participantes da comissão de frente fica cara, quando termina o bordado, costura, tecido e tudo mais pode chegar a 5 mil reais. A rainha geralmente é mais
elaborada, chegando a 6 mil reais o vestido”. Para uns pode parecer caro, mas para outros vale a pena pagar como a costureira relembra a história de um cliente que gostou tanto da roupa que não quis vender depois: “Um cliente comprou o figurino do Rei, e ele ficou muito apegado. Recebeu várias propostas, o Brasil inteiro estava atrás dele para que vendesse a roupa e ele não quis, porque disse que ficou muito bonita.”.
Para dar conta de toda essa demanda, Fran, como é chamada popularmente, também conta com a ajuda da sua mãe Francisca Barnabé, de 78 anos, que costura de tudo, especialmente as saias de quadrilha, e está sempre disposta a contribuir com o que precisar. “Ontem, Fran foi até 3 horas da manhã trabalhando. Eu não aguento, canso logo. Minha coluna não vale nada, mas coloco a cinta e tudo certo,
logo cedo eu tô aqui. É de domingo a domingo, só paramos para ir ao culto”, destaca Dona Barnabé. Quem também faz parte da equipe é o Filipe Mello. Ele é jornalista, fotógrafo e costureiro: “Sempre trabalhei com tudo relacionado ao visual. Dancei quadrilha também. Já fotografava. Então comecei na costura aqui com a Fran e o ex companheiro dela que me deram essa oportunidade”, pontua Filipe.
Apesar de todo o trabalho em equipe é necessário que a produção comece meses antes, para que fique pronta no prazo.“Eu costuro para a Quadrilha Mistura Gostosa desde 2016 e esse ano fiquei responsável por todo o figurino, como a roupa dos noivos, rainha, rei, cangaço. Comecei dia 17 de abril e estou correndo contra o tempo. Quando começa essa contagem regressiva é um desespero, mas vai dar tão
certo que ainda vou ter tempo de me maquiar e ir lá assistir as apresentações”, pontua Francisca. Costuma ir sempre que pode apreciar os espetáculos, para conferir com os próprios olhos o trabalho maravilhoso que fez, porque apesar de toda a agonia para entregar no prazo, se sente realizada em ver o resultado final.
Ítalo Lourenço, 28 anos, dança há mais de 15 anos e esse é o seu segundo ano na Mistura Gostosa, ele ficou encantado ao ver, pela primeira vez, seu figurino deste ano: “Tinha pouca renda e ela fez milagre. Ficou do jeito que eu queria, melhor do que eu esperava, na verdade”, comentou. Francisca reitera que ter o poder de trazer essa sensação de conforto para o seu cliente é bastante prazeroso: “O dinheiro não
é o mais importante. Para mim, ver a pessoa vestida e se sentindo bem com uma roupa que eu fiz já é o bastante, não tem coisa melhor do que isso”. O trabalho desses profissionais faz com que a roupa transmita toda a essência da quadrilha, alimentando as expectativas de quem vai vesti-la e provocando o brilho nos olhos de quem se encanta pela beleza das vestimentas juninas.
O declínio da produção junina na pandemia
Mas esse ritmo intenso de produção nem sempre foi assim. A Pandemia da COVID-19 foi um período difícil para todos, inclusive para as pessoas que vivem da costura como a Francisca. Ela destaca as instabilidades vividas durante essa fase de incertezas: “Não foi nem uma pandemia que eles falaram no início, né? Quando, de repente, disseram que ninguém ia mais dançar ou se aglomerar, eu disse:
‘Pronto, agora vou ter que procurar outro rumo, porque vou costurar para quem?”.
Dessa forma, a equipe teve que se reinventar para desenvolver uma forma de continuar no ramo e angariar recursos. Assim, surge uma saída: a produção de Capote hospitalar. “De repente, começou a chegar na minha casa peças e mais peças daquele tecido utilizado para fazer capote hospitalar, mas era algo que eu dizia: ‘Meu Deus, e agora? A gente vai viver só assim?’”. Desse modo, Fran e sua equipe começaram a produzir, não só os capotes, como também as máscaras personalizadas, mas ressalta que o lucro era baixo e teve que se reorganizar e ajustar seu planejamento financeiro.
Quando a crise sanitária diminuiu, uma parcela de suas dificuldades se dissipou, sendo motivo de alegria, já que a produção de artigos dos festejos juninos, aos quais a costureira tem enorme apreço, voltaria. “Campina Grande é movida pelo São João. Quando voltou a ter a festa, todo mundo tinha um plano: sair de casa para curtir. Então as pessoas queriam uma roupa nova, principalmente para se apresentar, criando uma expectativa muito grande”, finaliza Francisca.
O legado da costura
Francisca Lima destaca que a costura é algo que passou de geração em geração: “Na nossa família a costura é uma tradição. Porque veio da bisavó, passou pra avó, passou para mãe e hoje tá comigo”. Sua mãe, Francisca Barnabé, costura desde os seus 15 anos e nos conta que, no começo, foi difícil envolver sua filha nesse caminho: “Eu falava assim: ‘Mulher vamos costurar’ e ela dizia que nunca viu uma
costureira rica”. Fran diz que gostava de ver sua mãe costurar, mas percebia que era um trabalho muito estressante: “Eu pensava: ‘Não, não quero um negócio desses pra mim não’, mas depois eu me encontrei na costura “.
Apesar do trabalho ser exaustivo, Dona Barnabé diz que sua máquina é como o seu remédio: “Eu digo a ela: ‘Minha fia, se você quiser ver uma velha perder a mente, ficar caducando, me tire da máquina’”. Considerada uma das profissões mais antigas, e que, por muitos anos, desempenha a função de enriquecer um dos setores que mais crescem no Brasil e no mundo, que é a moda. Costurar é muito
mais que apenas cortar, saber sobre os tipos de tecidos e remendar. Para Francisca, que passou sua vida costurando, sua máquina passa a ser mais que um objeto de trabalho: “Para mim a minha alegria é só a máquina. É costurar. É a minha companheira que eu amo mesmo. Eu amo essa profissão.”.