ESPECIAL: A cultura do São João no Nordeste e a cobertura midiática

Campina Grande, 24 de junho de 2016  ·  Escrito por Anthony Souza  ·  Editado por Klauber Canuto  ·  Fotos de Anthony Souza

Vamos conhecer um pouco mais sobre essa tradicional festa popular nordestina e o que diz a população que faz o São João acerca da cobertura midiática feita desse evento.

 

Bandeiras formam balão em Pirâmide do Parque do Povo

Bandeiras formam balão em Pirâmide do Parque do Povo

São João na Roça

A fogueira tá queimando

Em homenagem a São João

O forró já começou

Vamos gente, rapapé neste salão

Dança Joaquim com Isabé

Luiz com Iaiá

Dança Janjão com Raqué

E eu com Sinhá

Traz a cachaça, Mané

Eu quero vê, quero vê páia voar

(Autor: Luiz Gonzaga)

A Origem

Segundo historiadores, a festa junina (que tem esse nome tanto por ser uma comemoração feita no mês de junho quanto por homenagear São João Batista) surgiu em Portugal, com elementos característicos de diversos países, e foi trazida ao Brasil no período colonial.

Mas, a celebração é ainda mais antiga, remonta um festejo pagão de solstício de verão (dia 21 de junho, no hemisfério norte) que comemorava a colheita; a expansão do Império Romano a incorporou ao Cristianismo e a remodelou para uma festa santa.

Já no Brasil, a festividade foi remodelada novamente para ganhar contornos nacionais. A exemplo disso, há o casamento matuto, tradicional no Nordeste, elemento incorporado na cultura brasileira e não há na comemoração do São João de outro país.

Segundo Elizabeth Christina de Andrade Lima, antropóloga da Universidade de Campina Grande, no início da festa no país, ela era privada, comemorada em engenhos pelos seus senhores, amigos e alguns agregados, mas cresceu tanto que se tornou comunitária e, em seguida, pública.

O forró foi um dos elementos propulsores do São João no Nordeste. Estilo musical inserido nas festas juninas, ele agrega a elas uma identidade regional que faz com que cantores renomados como Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro tenham sucesso reconhecido nacionalmente.

Quadrilhas Juninas

Entre as características mais conhecidas do São João, as quadrilhas juninas estão no topo. Grupos de dança divididos em casais trajam roupas que remetem a tempos antigos europeus. A tradição das quadrilhas juninas surgiu na França, mas, lá era feito pela nobreza cortesã local, com trajes suntuosos. Fica evidente essa origem francesa pelas marcações anarriê (algo como “voltem todos aos seus lugares”) e anavantu (ou alavantu, “todos vão pra frente”) todos presentes apenas na festividade brasileira.

Quadrilha Fogo de Palha se apresenta em Itambé-PE

Quadrilha Fogo de Palha se apresenta em Itambé-PE

“No meu ponto de vista, a importância [das quadrilhas juninas nessa festa] é fazer com que a tradição do São João não fique só na lembrança de poucos, ou seja, das gerações passadas e que as gerações futuras possam vivenciar essa cultura”, explica Mágna Santos, ex-coordenadora da Quadrilha Matuta Fogo de Palha, da vila de Ibiranga, em Itambé-PE.

Mágna Santos (à direita) com uma integrante da sua quadrilha

Mágna Santos (à direita) com uma integrante da sua quadrilha

Até mesmo as emissoras nacionais de televisão vistas internacionalmente se rendem às apresentações juninas. Como exemplo, a Rede Globo de televisão, através das suas afiliadas na Região Nordeste, produz o Concurso de Quadrilhas Juninas. Em todas as apresentações, centenas de expectadores se amontoam para assistir às coreografias e às vestimentas dos quadrilheiros.

Mairyelle Cardoso (28), ex-coordenadora da Quadrilha Renascer, de Juripiranga-PB, também falou sobre a importância das quadrilhas pra cultura popular, dizendo que considera importante pra memória do povo nordestino. “Quando um grupo de jovens se une com o propósito de alegrar-se e também alegrar a população com histórias, músicas, danças de épocas que mexem com os sentimentos de todo mundo, é compensador o trabalho. Há empolgação e vontade de fazer de todos com o resgate de uma vida passada que poucos conhecem”, relatou Mairyelle.

Mairyelle Cardoso (ao centro) com dois integrantes da sua quadrilha

Mairyelle Cardoso (ao centro) com dois integrantes da sua quadrilha

Ela ainda falou sobre os quatro anos de existência da Quadrilha Renascer, em que o objetivo de seus integrantes era manter viva a cultura e, mesmo a quadrilha sendo estilizada, era repleta de elementos tradicionais, como a coreografia, que contava com passos matutos.

As quadrilhas juninas são classificadas em dois tipos: as matutas – conhecidas pelo apego à tradição, sem pulos na coreografia e que se caracteriza mais pelas roupas sem detalhes brilhantes e elementos externos – e as quadrilhas estilizadas – com coreografia saltante, personagens não-tradicionais, roupas brilhantes e apresentação cheia de elementos externos ao São João.

O ápice das apresentações se dá durante o casamento. O público se espreme ao redor da quadrilha para ver as desventuras e todo o desenlace que acontece em meio à cerimônia, que envolve os noivos, suas famílias e agregados, até o “amém” do chefe cerimonial, o padre. Toda encenação está repleta de humor e alegria.

Comidas Típicas

Outra característica dos festejos juninos está nas comidas típicas, em geral, feitas de milho. O elemento presente no período de safra no Nordeste traz turistas do país e do exterior a fim de explorar a variedade de sabores presente na região. Pamonha, canjica, bolo de milho, de macaxeira, mungunzá e arroz doce são as comidas mais fabricadas na região Nordeste durante o período junino, além de outras que dão água na boca do visitante.

Dona Beta e Dona Silvânia, merendeiras que produzem comidas típicas no São João

Dona Beta e Dona Silvânia, merendeiras que produzem comidas típicas no São João

Elizabete Rodrigues de Souza, conhecida como Dona Beta (56), e Silvânia Melo de Santana (50), que trabalham como merendeiras escolares, comentaram sobre essa produção no mês junino. “Um mês festivo, alegre, que nos faz pensar nas comidas típicas que vamos fazer bem antes”, disse Dona Beta, que complementaram falando da alegria em perpetuar essa tradição nordestina.

Segundo Dona Silvânia, quem vem de fora compra bastante e suas vendas terminam cedo nos dias festivos por causa dessas pessoas. “Eles apreciam muito, essas comidas são a tradição das festas juninas, sem elas, não haveria o São João”, comentou a merendeira.

Mas, Dona Beta fez uma crítica à mídia, quando lhe foi perguntado como a televisão mostrava o São João pelo Nordeste. “A TV não mostra a festa como ela é. As quadrilhas, os bailes juninos e a comida deveriam ser melhores mostrados”, opinou Dona Beta. Tanto ela quanto Dona Silvânia afirmaram que a mídia apresenta sempre o São João como uma festa de pobre, mostram um lado falso do evento, sem ressaltar a alegria.

Música

Não há como falar de São João e não citar seu ritmo musical predominante: o forró. Pé-de-serra, xaxado, xote, baião e o forró estilizado estão presentes durante as noites de comemoração junina. Grandes festas de forró são realizadas por todo o Nordeste, destacando-se, nesse sentido:

  • A festa de Campina Grande-PB – maior festa do estado, que se passa durante trinta dias e é considerado o Maior São João do Mundo;
  • A festa de Caruaru-PE – maior festa pernambucana, e é considerado o Melhor São João do Mundo, competindo com o festejo de Campina Grande;
  • A festa de Limoeiro-PE – evento que vem tomando proporção nos últimos anos pelo investimento do estado e englobando grandes nomes da música nacional;
  • E, ainda, o São João de Mossoró-RN – contando com uma acirrada competição de quadrilhas transmitida pela televisão, uma tradição de décadas e sendo o maior do seu estado.
Luís Sanfoneiro, cantor e músico com mais de vinte anos de carreira

Luís Sanfoneiro, cantor e músico com mais de vinte anos de carreira

Luís Cândido da Silva (55), conhecido popularmente como Luís Sanfoneiro contou um pouco sobre a música no Nordeste. “O melhor do São João é o forró pé-de-serra”, respondeu o senhor quando foi perguntado o que era melhor nessa festividade. “Toco sempre esse estilo musical nas festas que me apresento com minha banda, mas também tocamos forró estilizado”, revelou o mesmo.

Seus mais de vinte anos de carreira à frente da banda Os Playboys do Forró e tocando sanfona desde os 15 de idade dão propriedade ao juripiranguense para tratar sobre o assunto. Ele explicou ainda que a mídia não valoriza o São João “raiz”, nordestino, que ela prefere dar valor a bandas de grande porte, de renome nacional.

Durante toda a entrevista, ele se mostrou bastante animado por falar do que mais gosta: o forró pé-de-serra, que citou diversas vezes enquanto respondia às perguntas e esteve sempre presente na sua carreira.

Tradição x Modernidade

Qualquer cultura e festejo tradicional se transforma com o passar do tempo, com a cultura do São João não poderia ser diferente. Para chegar ao ponto em que está atualmente, ou há 50 anos, passou por transformações, incorporou elementos e eliminou outros. Se fosse diferente, ainda seria feito pela burguesia francesa sem casamento nem nada, serviria apenas para celebrar a colheita como as festas pagãs europeias ou mesmo sem chegar a uma comemoração cristã para adorar os santos juninos.

Enfeites cobrindo o espaço frontal do Parque do Povo, em frente ao palco principal

Enfeites cobrindo o espaço frontal do Parque do Povo, em frente ao palco principal

Mesmo após toda essa explicação, há certa divisão entre quem apoia as mudanças e as encara como inovações das tradições e uma maneira de adequá-las aos dias atuais para perpetuar sua história e quem acha que as lembranças estão se perdendo e as tradições ficando para trás com as reformulações e os elementos sendo esquecidos.

Luís Sanfoneiro falou, amargurado, que “os responsáveis por trazer as atrações às festas preferem gastar muito com essas bandas de estilos atuais do que aproveitar artistas da terra”, o cantor complementou que quem opta pelas atrações da região só o faz para desembolsar pouco, o que desanima os cantores. Revelou ainda que esse é o motivo pelo qual a cultura do sanfoneiro estar sumindo, de ter poucos sanfoneiros de ofício no cenário atual.

Enquanto isso, Dona Beta e Dona Silvânia disseram não acreditar que a tradição está se perdendo; ao menos em relação às comidas típicas, a cada ano, a tradição continua. “As pessoas valorizam o São João de Campina Grande e de Caruaru e a tradição delas”, defendeu Dona Beta, justificando que isso mostra que a tradição está sendo mantida.

Fogueiras, Balões, Bandeirinhas e Fogos de Artifício

Esses elementos característicos da cultura dos festejos juninos estão presentes por todo o Nordeste. Servem especialmente para enfeitar a comemoração aos santos de junho. As fogueiras são a principal representação para enfeite nessas festas, podendo ter até alguns metros em algumas comunidades.

Maquete de fogueira no Parque do Povo

Maquete de fogueira no Parque do Povo

Os balões juninos, com suas cores e suas formas, alegram os visitantes dos locais festivos ao mesmo tempo em que podem ser perigosos, caso estejam com equipamento pirotécnico. Já causaram incêndios e mortes por todo o país e são proibidos pela Lei 9.605/98 (Crimes Ambientais), com pena de detenção de um a três anos ou multa, ou até ambas.

A criançada se diverte vendo as cores chamativas das bandeirinhas e soltando fogos de artifício. Essa cultura pirotécnica surgiu na China e foi mais uma incorporada às festividades juninas. Os fogos de artifício também podem se tornar um perigo em mãos sem preparo, pois podem machucar e causar queimaduras graves. Ignorando esse fator, são tradicionais na cidade baiana de Cruz das Almas as espadas de São Jorge (confeccionadas com bambu, pólvora, barro e limalha de ferro o vidro), com fogos usados numa espécie de batalha pelas ruas da cidade.

A Mídia nos Festejos Juninos

Além de tudo o que já foi falado sobre a mídia, de toda crítica citada sobre a cobertura das festividades juninas, pode-se concluir sobre essa relação Mídia & São João que há desconforto pelos nordestinos com a forma como essa festividade é apresentada ao restante do país e mundo afora.

Mesmo com discrepâncias nas declarações dos entrevistados, a maioria não se mostrou feliz por falar sobre esse assunto. O depoimento da ex-coordenadora Mairyelle resume um pouco desse sentimento: “a mídia vem tentando mudar, porém não são todos os líderes de grupos que acompanham tal mudança, mesmo correndo o risco de ser taxado de arcaico. Hoje em dia as pessoas querem ver coisas novas, mas reclamam quando veem uma mudança tão radical. Muitos procuram dar show ao seu bel-prazer do que resgatar a essência do São João”, disse a mesma.

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