“As rádios de lá saem pelas ruas, não deixam o baião um minuto só. É por isso que Caruaru é a Capital do Forró!”
As origens de tudo
Presente na vida da comunidade desde o final do século XIX e ao longo do XX, quando era realizado na zona rural, nos sítios e fazendas, o São João de Caruaru ganhou as ruas a partir da década de 1970, quando as artérias se enfeitavam de bandeirolas, eram construídas palhoças, os grupos de bacamarteiros desfilavam ao som do trio de forró, fogueiras e fogos de vista iluminavam a cidade.
A primeira rua a se destacar nessa forma de comemorar os santos juninos foi a São Roque, no centro da cidade, graças ao empreendedorismo da família do odontólogo Agripino Pereira, que, em 1973, iniciou o folguedo, com atrações, enfeites e a animação do carro de som de Ottoni Propaganda, de Vitória de Santo Antão, patrocinado pelo Engarrafamento Pitú.
Em 1976, a festa passou a ser promovida pelas irmãs Eulina, Juraci, Laurinda, Adélia, Odília e Marinete Lira, na Rua 3 de Maio, tornando-se uma referência na cidade. A essa altura, as emissoras de rádio AM da cidade, Difusora, Cultura do Nordeste e Liberdade, saíam às ruas, palhoças e clubes, transmitindo os eventos, e elas próprias realizando shows com artistas locais.
A Rádio Difusora, pioneira na cidade, tinha o “São João sem Limites”, comandado pelo conhecido radialista Ivan Bulhões, coordenador de uma caravana de artistas, com os quais se apresentava pela região. A Rádio Cultura do Nordeste, com Agenor Farias, preenchia sua programação com muita música regional, fazendo valer seu ambivalente slogan, para o mês de junho: “Festa junina é Cultura Popular”.
Mas foi a Rádio Liberdade, capitaneada por Lídio Cavalcanti, que criou o mais famoso programa de rua, na época junina, o “Agreste em Festa”, promovendo o concorrido Concurso de Ruas Ornamentadas, que agitava toda a cidade, ao longo do período junino, depois encampado pela Fundação de Cultura e Turismo do município. Após ganhar por 11 anos consecutivos, a Rua 3 de Maio, com as irmãs Lira, passou a ser hors-concours, sem, no entanto, deixar de brilhar.
Foi nesse período que Caruaru se consolidou como a “Capital do Forró”, espalhando-se esse título pelos quatro cantos, graças a uma música com esse tema, composta por Jorge de Altinho e Lindolfo Barbosa, e lançada pelo Trio Nordestino em 1980. Casas de shows como o Clube dos Sessenta (mais tarde transformada no Palhoção do Petrópolis), o Caruá, o Palladium, a Casa de Forró, o Forrozão, e as dezenas de pequenas palhoças espalhadas pelas ruas, garantiam o forró a noite toda.
O poder público assume a festa
No início da década de 1990, a Prefeitura Municipal de Caruaru, através da Fundação de Cultura e Turismo assumiu a promoção dos festejos juninos de rua, primeiro na Av. Ruy Barbosa, depois no Largo da Coletoria, até que, em 1994, passaram a ser realizados no Pátio de Eventos Luiz Gonzaga, um complexo com mais de 40 mil metros quadrados, na antiga Fábrica de Caruá, que abriga o Espaço Cultural Tancredo Neves, um conjunto de museus, um largo onde são montados, todos os anos, o palco principal, camarotes e restaurantes, e onde foi construída uma cidade cenográfica regional, a Vila do Forró, demolida em 2011.
Nos últimos anos, o Pátio de Eventos foi cercado e a entrada do público controlada, mas a chamada parte cultural da festa ocupa todo o largo da Estação Ferroviária, com polo de quadrilhas, casa do cordel, dos pífanos, o tradicional Mamusebá (teatro de fantoches comandado pelo multiartista Sebastião Alves, o Seba), o Polo do Repente (dedicado à poesia popular), pavilhão de artesanato, igrejinha e espaços para forró pé de serra.
A festa descentralizada
Paralelamente à festa oficial, a cidade desenvolveu atrações específicas em diversos locais, também atraindo considerável público, sendo que duas delas se sobressaíram: as “Drilhas” e as “Comidas Gigantes”.
Em 1989, surgiram as “Drilhas”, blocos juninos semelhantes aos trios elétricos do Carnaval de Salvador. O desfile arrastava incalculável multidão, ao longo da Av. Agamenon Magalhães, animado pelo cantor Elifas Júnior, que se transformou na voz mais conhecida das “Drilhas” de Caruaru. As pioneiras foram a Gaydrilha, de que só participavam homens, e a Sapadrilha, com a presença exclusiva de mulheres. Depois vieram a Piradrilha, Trokadrilha, Turisdrilha, Machadrilha, Babydrilha, entre outras. Vários motivos, dentre os quais a saturação do modelo, levou ao fim das “Drilhas”, na primeira década dos anos 2000.
Em compensação, as chamadas “Comidas Gigantes”, iniciadas pelo “Maior Cuscuz do Mundo”, no Alto do Moura passaram a ocupar um espaço que só vem crescendo, ao longo dos anos. Uma comunidade ou uma rua se reúne para confeccionar uma comida junina, de proporções gigantescas, que é distribuída a todos, em meio a muita festa e muito forró, geralmente com a presença de uma atração artística.
Hoje são dezenas dessas iguarias, desde o maior pé-de-moleque até a maior pamonha, passando pelo maior chocolate quente, o maior quentão, a maior pipoca, o bolo de milho gigante, o maior arroz doce, a canjica gigante, o maior bolo de macaxeira, o maior xerém, o maior cozido de milho, a festa do tareco e mariola, a festa da batata doce, a festa do mungunzá, o maior caldinho, a maior dobradinha, o arraiá do pão doce, o maior queijo de coalho assado, a festa da polenta, o maior bolo de rolo, a maior tapioca, o maior assado de milho, o maior arrumadinho de charque, o bolo de saia, o bolo barra branca, a broa de milho, o beiju, o salgadinho, a mata-fome gigante, a festa da paçoca, do bolo de trigo… e por aí vai…
Este ano, a Prefeitura de Caruaru optou por espalhar ainda mais a festa, que é realizada em diversos polos, e não apenas no Pátio de Eventos. Assim, a festa se completa no Polo do Alto do Moura, com shows aos sábados e domingos; no Polo Alternativo, ou Palco Azulão, para apresentação de artistas de forró, de rock, MPB, música afro etc.; o Polo Infantil, o Polo Juarez Santiago, e a grande novidade deste ano, os polos rurais, nas comunidades de Juá, Malhada de Barreira Queimada, Malhada de Pedra e Cachoeira Seca.
Falam os radialistas
As emissoras de rádio da cidade ainda se ocupam da transmissão do “Maior e Melhor São João do Mundo”, concentradas no Pátio de Eventos e acrescidas de considerável quantidade de outros meios de comunicação, mostrando ao mundo a festa junina de um mês de duração.
Naturalmente os tempos são outros. O São João de Caruaru industrializou-se. Virou festa para turista ver. Algumas tradições foram esquecidas; outras não; outras, ainda, foram resgatadas. Uns se agradam das mudanças, outros não gostam tanto assim.
E os radialistas? Aqueles que pertencem à classe que protagonizou o começo do São João de Caruaru, o que pensam a respeito do que se transformou esse folguedo popular? Ouvimos dez profissionais do microfone, de várias gerações e emissoras, para responder a uma pergunta: Por que Caruaru é a Capital do Forró? Eis as respostas:
Alberto Alves (35): “Para mim, Caruaru é e sempre será a Capital do Forró, porque é um São João multicultural, multidimensional, e não se concentra apenas em um pátio, mas é distribuído em vários polos de animação, que abrange a cidade e toda a zona rural. Nós temos as comidas gigantes, outro segmento que acaba sendo um atrativo diferenciado. E é uma cidade cantada por grandes nomes da música nacional brasileira, como Trio Nordestino, Luiz Gonzaga, Jorge de Altinho, Mastruz com Leite… É por isso que Caruaru é a Capital do Forró.”
Antonio Carlos (59): “Caruaru começou com essa tradição dos festejos juninos muito antes que qualquer outra cidade. A gente tem a zona rural; a gente tem o impulso de grandes composições, através de cantores que deram mais visibilidade a Caruaru; as emissoras incentivando, com aquelas competições em ruas; comidas típicas – as famosas comidas gigantes, que foi também uma iniciativa de Caruaru; o forró pé-de-serra, que a gente tem, além das grandes bandas e dos grandes nomes; os festejos na zona rural, com o apoio oficial; tudo isso faz com que Caruaru esteja sempre na vanguarda e na frente de muitos, em relação ao São João.”
Batistão (71): “Eu acompanhei o São João do passado, aqui em Caruaru, e penso que essa festa perdeu muito de sua originalidade; a única tradição que o São João da Capital do Agreste mantém são as comidas típicas gigantes, que acho uma coisa muito original, aqui na cidade. Eu acredito que Caruaru ainda movimenta um grande São João, pela movimentação, pela chegada de turistas, pela animação do povo de Caruaru, ainda pode ser considerada a Capital do Forró. Mas eu lembro que, quando Jorge de Altinho fez a música “Capital do Forró”, era diferente: em quase toda rua tinha uma palhoça, as ruas eram enfeitadas (como diz a música) e era uma fogueira só, na cidade, na véspera de São João. Não é mais como era, mas para mim ainda é a Capital do Forró. Mas eu sou suspeito, pois sou caruaruense.”
Carlos Althieri (40): “Caruaru tem o título de maior e melhor São João do mundo porque reúne aqui o melhor da cultura nordestina. Só em Caruaru temos o autêntico forró pé-de-serra, unindo ao forró estilizado, o forró atual, unindo todos os públicos, todos os gostos; temos aqui o Alto do Moura, com a cultura maravilhosa do nosso artesanato; então, temos tudo isso junto, no período de um mês, aguardado com todo entusiasmo, pelo comércio e pela população daqui e das cidades vizinhas. Além disso, um clima gostoso e uma gente que acolhe a todos que vêm de todos os pontos do Brasil e do mundo. É por isso que, pra mim, Caruaru é e vai sempre ser a Capital do Forró.”
Dido Montenegro (37): “Prefiro dizer que Caruaru é a Capital do São João, porque se você vier a Caruaru em outro mês do ano que não seja junho, não vai encontrar forró para dançar. Também devo dizer que o São João de Caruaru não é mais aquele São João autêntico. Temos hoje uma festa descaracterizada, invadida por ritmos que não fazem parte da cultura nordestina. Também sinto falta de outros elementos que eram grandes atrativos, como o nosso trem do forró e também o festival de fogueteiros. Embora Caruaru seja um celeiro de grandes artistas, como Azulão, Onildo Almeida, entre tantos, não valorizamos estes artistas o ano inteiro, somente em junho. Por isso, vou dizer: Caruaru não é a Capital do Forró, é a capital do São João. E descaracterizado.”
Edmilson Souza (62): “Cada cidade tem a sua maneira de comemorar os festejos juninos. O caruaruense respira forró. É nato. Antes de termos este São João organizado pela prefeitura, o povo é quem fazia o São João. E isso veio passando de geração em geração, está na alma, no sangue do caruaruense. Considero Caruaru como a Capital do Forró porque o nosso São João ainda tem na ruas, nos bairros, nas residências, as pessoas comemorando entre si, com seus amigos e familiares. Os nossos artistas cantam forró o tempo todo. Basta sairmos na ruas, que em cada casa tem alguém ouvindo forró; nos nossos programas de rádio, o ouvinte pede forró. É por isso que Caruaru é a Capital do Forró.”
Elaine Dias (34): “Caruaru é a Capital do Forró porque ela tem uma energia diferente. É uma cidade que respira arte, respira cultura, respira música também. E o forró, sendo um ritmo nordestino que traz esse calor humano, é como se a cidade estivesse inserida num lugar mágico. O São João da nossa cidade começou pelo povo e as pessoas foram se chegando, aumentando, até acontecer da forma que acontece agora. E Caruaru é um celeiro de artistas – muitos compositores, muitos músicos, os pifeiros, os percussionistas, os forrozeiros de uma forma geral; Caruaru abraça esses artistas, não apenas os que nasceram aqui, mas de outras cidades. O artista forrozeiro é acolhido aqui, na Caruaru Capital do Forró.”
Luan Luiz (22): “Caruaru é a Capital do Forró porque reúne grandes talentos da música nordestina, como Azulão, Onildo Almeida, Petrúcio Amorim e tantos outros. A magia de ver o olhar das pessoas arrumando seu terraço com balões, bandeirinhas, ornamentando as ruas, isso tudo é o resgate da cultura nordestina. A valorização do forró, na época junina é de arrepiar. Além do principal polo, no Pátio de Eventos, você tem inúmeras opções, em diversos lugares da cidade, para curtir como bem quiser o São João. É por isso que Caruaru é a Capital do Forró.”
Ricardo Lima (34): “Caruaru é citada em diversos hits de forró. É endeusada na própria cidade, no próprio Pernambuco. Esta cidade do interior pernambucano ficou conhecida em todo o Brasil e mesmo lá fora como a Capital do Forró, numa alusão aos seus festejos juninos. O São João está sendo idealizado com muito forró, não só no Pátio de Eventos, mas em outros polos também, principalmente no Alto do Moura. Caruaru é cantada por ícones da música nordestina, é um dos símbolos do Nordeste.”
Rony Filho (49): “O São João de Caruaru, para mim, é o maior e melhor porque é um São João tradicional, que vem de muitos e muitos anos, dos nossos avós, dos nossos pais, aquele São João de rua, nas principais artérias da cidade, enfeitadas com bandeirolas, com palhoças, aquele São João tradicional, com forró de pé-de-serra, as festas animadas, a família em redor da fogueira, aproveitando o clima junino. Quando o nosso São João mudou, quando começou a se modernizar, nós mantivemos esta tradição, em alguns polos de animação. O nosso São João continua sendo o maior porque são muitos e muitos anos de estrada, de investimento, em que a imprensa, o comércio, os moradores, todo mundo se une para que a gente possa fazer essa festa maravilhosa.”