Memorial do São João, a festa dos cinco sentidos

Campina Grande, 26 de junho de 2019  ·  Escrito por Edson Tavares  ·  Editado por Edson Tavares  ·  Fotos de Ubiratan Augusto e Edson Tavares

Segundo Clea Cordeiro Rodrigues, o São João instiga os cinco sentidos do ser humano.

A Profª. Clea Cordeiro recebe simpaticamente cada um dos visitantes do Memorial do Maior São João do Mundo.

O Memorial do Maior São João do Mundo reúne ricos registros da História da festa junina de Campina Grande. A idealizadora do espaço, Clea Cordeiro, busca resgatar os aspectos autênticos da festa e imortalizá-los numa exposição que procura mostrar aos mais jovens a forma como começou o São João da cidade, e fazer os mais velhos recordarem os bons tempos. Funcionando na Vila Junina, no largo da Estação Ferroviária, o Memorial encanta pelo resultado da minuciosa pesquisa da Professora Clea, materializada em fotos, jornais e cartazes, datados desde que a festa se tornou a maior do mundo, em 1983.

Formada em Economia, com doutorado na Espanha, a ex-Professora da UEPB concedeu esclarecedora entrevista ao Repórter Junino, em que relatou o seu envolvimento com este evento: “eu criei o Memorial do Maior São João do Mundo, hoje eu o coordeno e continuo a pesquisa, porque é um trabalho que não termina nunca, já que a história continua acontecendo e muitas coisas precisam ser resgatadas. Boa parte dessa história eu vivi, como jovem, na década de 1980; na década de 1990, fui diretora de marketing da Secretaria de Turismo. Trabalhamos na divulgação, na implantação e na construção da cidade cenográfica.”

Como em qualquer município do Nordeste, o São João sempre foi comemorado em Campina Grande; era realizado pelas famílias, nas ruas e nos clubes da cidade, ou  boa parte da população campinense que gostava de festas juninas, deslocava-se para a cidade de Santa Luzia, onde o festejo era afamado na região, pela sua animação e brilhantismo.

O cartaz de 1983, a primeira edição do Maior São João do Mundo.

É na década de 1980, mais especificamente em 1983, que a Prefeitura Municipal passa a implementar, centralizar e coordenar os festejos juninos; a partir dessa data, começa a se falar no “Maior São João do Mundo”, cuja primeira edição deu-se numa palhoça localizada próximo ao Centro Cultural sendo, pois, o nascedouro dessa festa gigantesca de hoje. Segundo a professora Clea, os principais responsáveis pela formatação do São João centralizado foram os secretários Eraldo César, do Turismo e Desenvolvimento, e Margarida Rocha, de Educação e Cultura.

O Parque do Povo somente seria inaugurado três anos depois, em 1986, pelo então prefeito Ronaldo Cunha Lima, fato que teve uma repercussão tão grande que os próprios clubes sentiram um abalo em suas realizações, no período. Os cartazes da época, expostos no Memorial, demonstram a criatividade e o empenho com que foram concebidos os primeiros anos das festas juninas.

“Forródromo”, um nome que não deu certo

A famosa Pirâmide do Parque do Povo sempre foi o maior ponto de atração do local. Curiosamente, nem tinha esse nome quando foi construída, nem era uma pirâmide; a ideia seria uma fogueira estilizada, que terminou mais parecida com o monumento egípcio; no início, sob a influência do Sambódromo carioca, tentou-se denominar Forródromo, mas o nome não pegou, e ficou sacramentado mesmo como Pirâmide.

Uma viagem fotográfica pelo Parque do Povo, através dos anos.

A Professora Clea explica: “1980 foi a década da implantação, e a de 90 para 2000 foi a década da expansão”. No início dos anos 2000, foi construída a cidade cenográfica, que ainda hoje chama a atenção de turistas e habitantes, composta por réplicas da Catedral, do prédio do Telégrafo, do Casino Eldorado e da Vila Nova da Rainha, esta de pronto sendo ocupada por artesãos, e que, de tanto crescer, terminou gerando a Vila do Artesão, na Avenida Prof. Almeida Barreto, importante polo artesanal da região.

Segundo Clea Cordeiro, o Parque do Povo é o grande foco de atração da festa, mas não o único; “há outros lugares que estão crescendo bastante, como Sítio São João, que começou dentro do Parque do Povo, hoje está num lugar próprio, de forma grande e com muito mais atrativos – uma verdadeira viagem no tempo”, exemplifica Clea, que ressalta, ainda, o surgimento de empreendimentos em outros pontos do município, como em Galante e São José da Mata, comprovando que “um evento histórico-cultural gera frutos, as pessoas se organizam a partir dele”.

O Memorial

O surgimento do Memorial deu-se de forma praticamente espontânea, como conta a coordenadora do lugar: “eu gosto muito de museu e guardo muita coisa para deleite pessoal. Estando na PBtur, me foi concedida uma barraquinha para eu fazer divulgação do Estado, e resolvi colocar uns quadros que eu tinha, relativos ao São João.” As pessoas foram, então, identificando aquele espaço como um memorial e começaram a trazer peças publicitárias, páginas de jornais, fotos e objetos que registravam o período junino de épocas passadas. Hoje, ela se sente “guardiã de todo esse trabalho que foi copilado, ao longo do tempo.”

Clea Cordeiro: uma apaixonada pelo São João.

Em 2011, foi alugada uma casa na Rua Tiradentes, especialmente para colocar todo o acervo, que só cresceu. Até o ano passado, o acervo do Memorial era exposto nesse endereço, não somente na época junina, mas durante todo o ano; em 2019, foi oferecido gratuitamente, pela empresa promotora do São João, o atual espaço, que ainda se viu acrescido com a exposição de objetos de Elba Ramalho e de Marinês; o local é maior e tem mais facilidade de acesso. A princípio, a exposição não será permanente, como antes, pois falta toda uma estrutura para tal, mas existe o pensamento de viabilizar esse projeto.

A equipe responsável pelo Memorial é relativamente pequena, tendo em vista o afluxo de pessoas; além de Clea Cordeiro, há o encarregado de montar a exposição, mais uma auxiliar de atendimento (Gerusa) e Bernadete Cordeiro, também na parte de recepção dos visitantes, na parte da noite, quando a frequência aumenta. A entrada é gratuita, e as pessoas que visitam o local podem se fantasiar e tirar fotos caracterizadas com motivos típicos.

Graça Santos veio visitar o Memorial e estava se sentindo rainha da festa.

Confronto de estilos

Questionada sobre a polêmica que se estabelece por conta dos rumos mais mercadológicos que o São João vai tomando, em contraponto com o São João tradicional que ela faz questão de preservar, Clea Cordeiro se apropria de seu conhecimento em Economia para responder:

“A festa cresceu tanto que nem está sendo mais organizada pela Prefeitura; por mais capacitadas que as pessoas sejam, as dificuldades são muito grandes, é muito mais fácil para uma empresa. Acontece que a festa, hoje, tem um custo muito alto, pelo seu tamanho, e ela precisa se pagar. Quem paga a festa são os empresários, que precisam ter retorno. E quem vai mais para o Parque do Povo, quem mais consome é a juventude, uma parcela da população que tem que ser considerada em seu gosto e preferência musical.

Agora, tem o outro lado, que muitas pessoas deixam de citar. Não perdemos a nossa raiz, quando temos no palco Elba Ramalho, que é nossa rainha, em termos de música, que faz um show maravilhoso; a gente tem Flávio José, tem Os Três do Nordeste, completando cinquenta anos, em pleno sucesso, e tantos outros… E temos também, não podemos esquecer, os trios de forró, que são artistas nossos, que são muito importantes, tocando nas ilhas do Parque do Povo. A gente tem forró em todo canto, por mais de 30 dias. As pessoas se pegam com um sertanejo e perguntam: ‘cadê o meu forró?’ Pois eu estou ouvindo forró em todo canto.”

A professora, citando Belchior, diz que “o novo sempre vem”, não para substituir o tradicional, mas para somar e se adequar. Cita como exemplos, os balões e as fogueiras, hoje ecologicamente inviáveis, mas substituídos por objetos cenográficos, que mantêm a beleza, sem agredir o meio-ambiente.

Festa dos cinco sentidos

O forró saiu da palhoça do sítio, ganhou a cidade e o Nordeste, mas também o Brasil e o exterior, já que no mundo inteiro, atualmente, assiste-se ao arrasta o pé, com maior ou menor traquejo, ao som da sanfona, do triângulo, da zabumba e de mais quantos instrumentos venham se juntar ao trio tradicional. “Eu já ouvi ‘Asa Branca’ cantada por japoneses, em japonês”, exulta Clea.

Encerrando a entrevista, Clea Cordeiro ensina: “o São João é uma festa que mexe com os cinco sentidos do ser humano, por isso ela é tão importante. É a única festa que eu conheço que agrada à visão, tem um visual próprio; tem um cheiro próprio, que é o cheiro da comida, o cheiro da fogueira; tem um paladar próprio, que é a culinária típica; tem uma música própria, com tantos ritmos – forró, xaxado, baião, xote, marchinha; e é a festa do tato, do abraço, de se dançar juntinho. Isso é fantástico! É maravilhoso! Então a gente tem mais é que desfrutar e divulgar esta festa”, conclui.

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