Domingo, dia 02 de junho de 2019. Iniciando o período junino, tão aclamado na Rainha da Borborema, a Vila Sítio São João inaugurava os preparativos deste ano e trazia como uma das principais atrações, Batista Lima e Limão com Mel. Com um repertório focado especialmente em músicas antigas e de estrondoso sucesso, às 18h, a banda começava uma noite de alegria e descontração em um dos pontos turísticos mais visitados da cidade no mês de junho. O show corria animado, até que foram surpreendidos por um fã, um tanto quanto inusitado.
Esse era Betânio Batista, ou, como passou a ser chamado, The Flash do Forró. Com o símbolo do super herói da DC Comics se destacando em seu traje todo preto e seus passos únicos e rápidos, o apelido, que antes era brincadeira, viralizou. O vocalista impressionado, chamou-o ao palco e deixou-o sozinho embalado pelos acordes da orquestra em um momento quase que feito exclusivamente para ele. E, de fato, deu um show. Celulares foram erguidos por visitantes curiosos que, ao mesmo tempo que gravavam vídeos e admiravam seu “molejo”, questionavam-se: “quem, afinal, era aquele homem?”.
Esse relato foi dado pelo próprio The Flash, sentado em um dos bancos do salão onde trabalha, o Cassiano Cabeleireiros, perto do colégio das Damas, no centro de Campina Grande. Situações como a descrita, garantem os espectadores, não são aleatórios. Pelo contrário, há outros registros de, por duas vezes, o cantor Mano Walter chamá-lo para o palco, assim como o vocalista da antiga Capim Cubano. E, para quem o viu dançar, sabe que não é para menos.
Impressionada desde o ano passado por um homem diferente, que esbanjava simpatia e autenticidade no Parque do Povo, esta repórter não poderia passar esta edição do Repórter Junino sem entrevistá-lo e saber um pouco mais do homem por trás daquele personagem. Na realidade, ele foi o real motivo de toda esta série inicial de perfis do São João que o site está produzindo.
Desde o dia 07 de junho, a busca por seu contato foi grande. Colegas em comum falaram sobre a possibilidade de uma entrevista, que foi prontamente aceita e marcada para uma quinta-feira após o almoço. Era por volta de 14h30 quando a equipe de reportagem chegou ao estabelecimento para o bate-papo, “um bom horário, já que durante o São João o meu expediente é mudado para tarde e noite”, confidenciou brincalhão depois de uma rodada de perguntas.
A curiosidade era grande. Da mesma forma que os visitantes na Vila Sítio São João ficaram ao vê-lo em ação, esta repórter também se permitiu fazer uma lista extensa de perguntas para saber quem na realidade era Betânio, mas não foi necessário. Depois de “quebrar o gelo” com algumas questões de praxe, risadas foram substituindo a tensão e um tímido barbeiro foi abaixando a guarda para contar sua história à equipe..
A primeira surpresa foi saber que, em todos os anos que frequentava o Quartel General do Forró, ninguém da organização ou da imprensa o havia abordado para saber sua opinião sobre a festa. “Nunca alguém fez como você, quis saber da minha vida, o que o Parque do Povo e o São João significam pra mim, mesmo após 36 anos presentes no evento, e, sinceramente, nem eu vou atrás. Gosto de pensar que sou mais um na multidão, que posso dançar como quiser que ninguém vai notar, mas, às vezes, como você é um exemplo, notam”, expressou enquanto, a todo tempo, uma das funcionárias gravava a conversa, como se aquele fosse um momento para, no futuro, virar mais uma boa memória a ser relembrada por todos do salão.
Cercados por um ambiente cheio de personalidade, com paredes repletas de quadros e um frigobar recheado de guloseimas e bebidas, a mensagem “seja bem-vindo” era tácita por onde olhasse. Apresentações feitas, decidiram-se por sentar nos bancos de espera à frente do salão. Segundo Betânio, seria o local mais adequado pela distância das máquinas de barbear e secadores, sendo, portanto, o local onde possivelmente haveria menos barulho do recinto.
Ao redor, o próprio Cassiano, proprietário do salão, observava o desenrolar da entrevista. Logo de início, mostrou um vídeo antigo no Youtube onde Betânio aparecia ainda novo como garoto propaganda da Pirâmide do Parque do Povo, em 1987. Sorrindo, o dançarino confirma dando um pontapé cômico à conversa: “Faz 36 anos que frequento o Parque do Povo e nunca nada me aconteceu lá. Brinco falando que se um dia eu morrer, quero que o velório seja na Pirâmide!”, brincou.
Aos 54 anos de idade, Betânio em si já é um personagem exótico na cidade. Morador de Campina Grande desde o nascimento, tem toda sua família em São Paulo, mas afirma que, apesar dos apelos, não sente vontade nenhuma de abandonar a Paraíba pela simples e genuína empatia com o povo campinense. Desde cedo, trabalhou como barbeiro, nunca desejando deixar a profissão. “Eu amo ser barbeiro. Muitos já passaram por minhas mãos. Os pais traziam quando crianças e agora, adultos, continuam a vir. Poucos talvez liguem o agora The Flash, mas antes eu era conhecido como BBD: Betânio, barbeiro e dançarino”, descreveu, indicando as letras com os dedos das mãos.
Segundo ele, nenhum de seus filhos puxaram o seu amor pela música, mas achou acolhimento em sua outra família de coração, os companheiros de trabalho. “Meus filhos são mais preservados. Só eu mesmo sou assim, sabe? Mas esses aqui que você está vendo são também uma família. Estamos juntos há muito tempo e eles me conhecem, sabem quem eu sou”, contou olhando carinhosamente seus amigos que, mesmo trabalhando, prestavam atenção em suas palavras.
Ao ser questionado sobre o significado das festas juninas, Betânio explicou seu amor pela data e como, religiosamente, participa do evento todas as semanas. “São João é tudo de bom! É a coisa que mais amo! Descanso na segunda e na terça para ter fôlego e aproveitar de quarta a domingo, não importa o ritmo da noite”, falou sem nem ele próprio saber explicar como consegue repetir esse feito durante todo o mês de junho.
E, de fato, não é difícil localizá-lo no Quartel General do Forró. Sempre vestido com seu chapéu de vaqueiro, ora bege, ora vermelho, ora preto, e usando suas gravatas fora do comum, um observador um pouco mais atencioso notaria a presença constante de um dançarino, curtindo sozinho os shows do lado esquerdo do palco principal. “É o lado que gosto de ficar porque me identifico com a simplicidade e humildade das pessoas que ficam naquela área. Sou igual a eles e, devido aos longos anos no Parque do Povo, ninguém mexe comigo. Falo de policial aos “mofis” que passam por lá”, disse.
Entre os casos inusitados que viveu durante do Maior São João do Mundo, Betânio conta que no ano passado foi um casal de Maceió que passou a noite vendo-o dançar e, perto de finalizar a última banda, além de pedir uma fotografia, perguntou se ele não poderia ficar perto e ensinar uns passos a eles. Ainda, no primeiro dia de festa, dia 07 de junho, uma mulher se aproximou de onde estava com dois filhos e pediu uma foto, já que o menino era fã dele. No fim, ele não fez o registro apenas com um, mas com a família toda e ainda houve postagem nas suas redes sociais. “Às vezes, as pessoas não gostam de chegar junto porque acham que estão atrapalhando, mas eu adoro o contato com pessoas diferentes”, contou.
Da mesma forma que seu carisma é contagiante, fez-se o questionamento se valia a pena ser do jeito que era, quando tanto poderia angariar admiradores, quanto ser chamado de coisas piores, apenas pelo seu jeito de se vestir ou dançar. “O segredo é ser você mesmo, achar seu estilo e ir ao Parque do Povo sem medo. Pessoas sempre vão te julgar, mas quando estou lá, apenas sinto a música. Faça o seu estilo, se sinta bem e vá brincar”, aconselhou, ignorando aqueles que, na verdade, eram superficiais o bastante para dar rótulos ao desconhecido, sem sequer pensar duas vezes.
E para aqueles que, assim como esta repórter, ficaram curiosos para conhecer o The Flash do Forró, saibam: ele não está apenas nos 30 dias de festa de São João. “Eu curto tudo. Do rock ao forró, sendo música, é a coisa que mais amo. Então, quase todo final de semana estou em um bar, uma casa de shows ou de dança, ou um restaurante aqui da cidade, dançando da mesma forma que faço no Parque do Povo: sendo eu mesmo”, concluiu, arrumando a bandana que passou a usar desde que o salão havia se repaginado a atual decoração.
Com clientes chegando para aproveitar o horário que o ‘BBD’ estava na ativa, a equipe precisou concluir uma entrevista que, caso deixassem, duraria a tarde inteira, e não tinha dúvida que outros exemplos da participação de Betânio em eventos seriam lembrados, mas, daquela vez, não seria possível.
Despedindo-se, Betânio deu um último conselho a quem não gosta de ir ao Parque do Povo, com medo de ser julgado, ou por não estar vestido na moda mais atual, ou, ainda, pelo medo do local: “Digo a todos que vivam! A vida é tão curta e nada é melhor do que passar cada momento fazendo o que gosta. Eu amo música. Adoro encontrar todo mundo no São João e receber um abraço, um aperto de mão. Não tem coisa melhor ou dinheiro que pague. Seja humilde, tenha respeito e caráter. Se tiver isso, para mim vale tudo”. E, terminando o bate-papo em um abraço, retomou sua rotina, enquanto a equipe não via a hora de vê-lo, novamente, em seu passatempo oficial: ser um dos personagens mais interessantes e complexos do Maior São João do Mundo.