Ai que saudades d’ocê: Tradições juninas permanecem vivas mesmo com o distanciamento social

Campina Grande, 24 de junho de 2020
A produção de pamonha é uma das principais tradições juninas.

MATEUS ARAÚJO
Reportagem e fotografia

STEFFANIE ALENCAR
Edição

O inverno por essas bandas foi muito bom, graças a Deus. Há tempos não chovia tão bem assim. A ida para o roçado fica ainda mais prazerosa. Na companhia do magricela cachorro encarnado, e da sinfonia do canto dos bem-te-vis, o agricultor segue o caminho da labuta, sussurrando agradecimentos e dizeres de felicidade.

Em meados de março, mês de São José, uma preocupação já rodeava o agricultor batizado com o mesmo nome do Santo carpinteiro. Uma pandemia, vinda de muito longe, já ameaçava, entre tantas outras coisas, a realização dos festejos juninos.

No entanto, a comemoração não é nada parecida com as tradicionais festas do Parque do Povo, ou com os eventos gigantescos realizados pelas grandes casas de shows. Para Seu José, o mês de junho é sinônimo de reunião familiar, de abraços, muita fartura e confraternização.

Seu José Araújo, pouco letrado e teimoso como ele só, no início ainda duvidava de toda essa repercussão causada pela pandemia. Foi na base de muitos conselhos dos familiares, e observando o mundo parar ao seu redor, que finalmente colocou na cabeça que esse ano o São João tinha que ser diferente.

“Primeiramente, agradeço a Deus por tudo. Está sendo um ano muito bom pra gente. Trabalhei dia e noite na minha plantação para ter meu milho e meu feijão. A minha alegria é ver meu roçado bonito, verdinho, com o milho bonecando e o feijão canivetando”, disse José com um sorriso de canto a canto.

Dessa vez, a família não pôde vir para o sítio. Desde o início do período chuvoso, ele já sonhava com a chegada dos seus familiares no seu sítio para aproveitarem a noite junina. Enquanto fala dos seus contentamentos, ele observa suas riquezas da terra guardadas no velho casebre. Os paióis de milho e feijão verde são a concretização dos esforços de muito trabalho duro,  desempenhado por meses a fio.

Dona Maria do Carmo, mãe de José, no auge dos seus 84 anos, acostumada a passar as festas de junho juntos aos filhos na zona rural, dessa vez, teve que ficar em casa, na cidade grande.

Numa manhã fria, na véspera de São João, ela recebeu a encomenda vinda do Cariri. Cismada com o danado do vírus, foi logo higienizando tudo, preocupada com sua saúde. Um verdadeiro banquete composto por espigas de milho, feijão verde, jerimum, maxixe, umbuzada e queijo de coalho.

As lágrimas de saudades inundaram os olhos de Maria, que se apressou para preparar as comidas típicas. Tirou a palha, descabelou o milho, pegou o ralador e os grãos foram virando uma massa amarela. Nesse processo, até o dedo da senhora foi ralado, mas por pouco o desastre foi evitado. Até porque todo bônus tem seu ônus.

Dona Maria prepara as comidas típicas juninas.

“Nasci e me criei no sítio. Desde a época dos meus falecidos pais que eu costumo ir pra lá no São João. São poucos os anos que fico aqui na cidade. Dá uma tristeza não poder estar perto de quem a gente gosta. O coração aperta, mas me apego com minha Nossa Senhora e tenho fé, que esses dias difíceis vão passar”, conta Dona Maria enquanto aperta seu santo terço com dedos enrugados.

Voltando ao Cariri, Seu José na companhia da sua esposa, decidiram fazer uma fogueira. Como moram isolados, longe da zona urbana, ficam mais sossegados por saber que a fumaça não ia prejudicar ninguém. Enquanto a fogueira soltava faíscas que dançavam no ritmo do frio do vento da noite, o casal prova do milho, fruto de tanto trabalho.

Este ano a fogueira é privilégio de poucos.

Na cidade, Dona Maria saboreia suas comidas feitas do milho, que veio do Cariri. Enquanto a manteiga derrete na pamonha, ela corta mais um pedaço de queijo e esquenta a boca com um gole de café. Entre garfadas, se pega olhando o relógio, como se a viajar no tempo. A comida tem gosto é de saudades. O “feliz São João”, esse ano, foi dito por meio de ligação telefônica.

No sítio, o agricultor, enquanto observa as chamas da fogueira, agradece por tudo. Mesmo em tempos difíceis, há muito o que se agradecer. “Estamos vivos, saudáveis, lucramos no roçado, minha família está bem, é o que importa. O ruim é só essa saudade que aperta”, disse José.

O terreiro está quase vazio. Mas, no coração, as crianças estão brincando a correr por essa terra a soltar bombinhas, enquanto os familiares relembram tempos de outrora sentados na calçada da velha casa. No rádio antigo, mas resistente igual ao caririzeiro, ecoa a voz do Velho Lua que canta as dores e alegrias desse povo aguerrido. Mesmo diante de tantas limitações e cuidados, o nosso São João segue vivo, e as fogueiras acesas dentro do coração de cada um.

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