“E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou”

Campina Grande, 1 de julho de 2020

O relato de um São João/aniversário não convencional.

Texto: André Bojim

Fotos: Arquivo Pessoal

Edição: Sarah Cristinne Firmino

Na ladeira da rua Dom Pedro II, logo após o posto de saúde da Bela Vista, tem uma casa especial. Aparentemente, parece ser uma casa como qualquer outra: um portão grande na frente, varanda no primeiro andar e pessoas que sobem e descem a ladeira o tempo todo para chegarem até ela. No meio do entra e sai de pessoas, apenas uma delas fica, é Celânia da Guia da Silva Paulino (58), – a dona da casa -. 

       1,53 cm de altura, sinais por todo rosto, cabelo rabo de cavalo, na pele uma cor que não é negra e nem é branca, e com ela, claro, sempre estão sua dupla inseparável: cigarro aceso e caneca com “a minha cervejinha” como ela mesmo chama, principalmente se já passa das 20h. Essa é Celânia! Timidez não é sua amiga, e não há visita que saia de sua casa sem tomar, no mínimo, uma boa xícara de café. Ser calada não faz o seu tipo. As maiores histórias de uma vida se escuta estando ao lado dela, e quando o assunto é o cantor Fagner…eita! Pode pegar uma cadeira porque a conversa vai render. 

Todos os dias a casa de Celânia recebe uma grande movimentação de pessoas. A senhora divide seu lar com mais cinco universitários que são de outras cidades e, fora eles, o local recebe a constante visita de parentes nos horários das refeições e de ex-estudantes que já moraram com ela. Aos finais de semana, a casa se transforma numa grande festa misturada de irmãos, sobrinhos, amigos, cerveja, risos e muita conversa. Quem chega nessa casa tem logo vontade de morar, quem vai embora não demora muito para voltar e segundo a dona casa, “sempre cabe mais um. Gosto da minha casa cheia”.

Celânia ao lado de seus irmãos durante a comemoração do seu aniversário do ano passado.

Há 17 anos – tempo da moradora em Campina Grande -, a casa de Celânia tem sido  sinônimo de felicidade e muita festa ao lado de pessoas queridas, principalmente quando chega o mês mais aguardado do ano: junho, mês do São João e, coincidentemente, mês do seu aniversário. Esse ano tudo mudou. A pandemia causada pelo Coronavírus fez com que a casa especial deixasse de receber as constantes visitas. 

Quase quatro meses já se passaram desde o início do isolamento social. A casa não é pequena, mas agora parece que aumentou dez vezes mais. Apenas dois dos cinco universitários permaneceram na casa, e, para não dar espaço a solidão ou tristeza, a senhora permanece cumprindo sua rotina. Acorda às 6h, faz uma garrafa de café enquanto fuma seu cigarro, coloca comida para seus gatos e volta para cama. Às 8h já está limpando a casa e preparando um feijão que quem está na rua consegue sentir o cheiro. Almoça às 12h30min e às 14h se deita na rede da sala, acende seu cigarro e descansa. O jantar fica pronto às 18h e depois disso é um olho na novela e outro olho no celular, acompanhada da sua caneca com cerveja e seu cigarro. Assim ela vai até a hora de dormir.

O mês de junho chegou, e com ele a adaptação à nova rotina da casa e a saudade de um São João que não se foi possível viver como costumeiramente em outros anos. Os encontros dos finais de semana que, antes eram repletos de contatos físicos, agora se transformaram em constantes ligações por vídeo chamada. E a sensação mais próxima que se teve das visitas ao Quartel General do Forró, foram nos dias que houveram as lives juninas. Assim, o mês que durava anos para terminar voou diante dos nossos olhos e pousou no dia mais atípico deste isolamento: 30 de junho, dia do aniversário de Celânia. 

Em anos anteriores, a casa já estava lotada a partir do horário de almoço. A decoração sempre ficava por conta de uma das sobrinhas e a comida dava para alimentar os convidados por um ano. A medida que as horas se passavam, mais familiares e amigos ocupavam os cômodos da casa. E o que interrompia toda a alegria e comemoração, eram os compromissos que começavam a pesar na consciência dos convidados que trabalhavam no dia seguinte, ou que estavam acompanhados de crianças. Esse era o momento perfeito para Celânia e o restante dos convidados levarem a comemoração para o Parque do Povo.

Celânia ao lado de amigos e familiares no Parque do Povo em 2019.

Se comparado às três festas que tiveram no ano passado e as grandes comemorações de anos anteriores, o 30 de junho deste ano foi completamente fora do comum. Não houveram convidados, não houve festa e a única música ouvida era “Adoro Amar Você”, do cantor Daniel, que sempre toca a cada 30min quando alguém liga desejando parabéns para a aniversariante. Em uma das ligações ela diz:

“Mandei trazer dois bolinhos e encomendei uns docinhos só para não passar em branco, homi.”

E realmente não está passando em branco. A data não foi esquecida, mas sim impossibilitada de ser comemorada. A prova está no telefone que não para de tocar. Celânia é muito querida.

Esse 30 de junho, assim como todos os dias deste mês, passou voando. Os bolos encomendados chegaram, os doces também. Com gritos de “Eiiiii, homi da pamonha!”, Celânia comprou três pamonhas e disse que era para fazer parte da mesa de aniversário dela, já que ainda estamos em época de São João. Marcamos de cantar parabéns às 20h e quando menos esperávamos apareceram algumas pessoas. Eram duas irmãs, dois sobrinhos, entre outros. Todos de máscara e com até 2m de distância. “Temos que ficar distantes um do outro”, afirmou a aniversariante com os olhos brilhando de felicidade. Antes de me despedir da anfitriã perguntei:

“Dessa vez não vai ter Parque do Povo para encerrar as comemorações, né Celânia?”

E ela sorrindo encerrou:

“Não tem, mas hoje já foi muito bom e o importante é que todos estão bem! Tudo isso vai passar e no ano que vem vai ser uma festa ainda maior.”

Voltei ao meu quarto feliz por ter contribuído com uma parte da felicidade de mais um 30 de junho vivido por Celânia. Mesmo com uma comemoração simples ela conseguiu por si só ser a própria festa sem se deixar abater pelo distanciamento social. Espero comemorar os próximos aniversários dela ao lado de muitas outras pessoas queridas e com bastante aglomeração, mas sem medo de nada, é claro. Seguimos com fé pelos dias melhores e acreditando que “isso tudo vai passar” como Celânia mesmo disse.

Celânia durante seu aniversário deste ano.
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