34° Salão do Artesanato Paraibano: a cultura regional através dos bordados que contam histórias 

Campina Grande, 29 de junho de 2022

O evento marca o retorno das exposições dos artesãos em Campina Grande após dois anos de pandemia

Produção e reportagem: Angélica Araújo, Eva Leite e Eric Matheus Araújo.

Texto: Angélica Araújo e Eva Leite.

Fotografia: Eric Matheus Araújo

Supervisão: Agda Aquino e Anna Carolina Araújo

34º Salão do Artesanato Paraibano no Museu Assis Chateaubriand. Crédito da foto: Eric Matheus.

O bordado tem caráter ancestral, como forma de expressão, com linha e agulha é possível contar histórias. O bordado é sinônimo de cultura, identidade, paixão e estilo. É arte. E foi escolhido como tema da 34º edição do Salão de Artesanato Paraibano, que acontece no Museu Assis Chateaubriand, em Campina Grande. De 8 de junho a 3 de julho deste ano, o evento homenageia bordadeiras e bordadeiros de todo o estado da Paraíba. 

Mateus borda no 34º Salão de Artesanato Paraibano. Crédito da foto: Eric Matheus.

Histórias como a de Mateus Teodósio estão sendo contadas nesta edição. Aos 23 anos, o jovem natural de Alagoa Nova participa pela primeira vez, com entusiasmo. Em apenas três meses de prática com o trabalho manual, consegue em um simples pedaço de TNT,  bordar em estilo livre e formar traços de uma foto a partir de vários pontos com a linha. Mateus conta que o ponto atrás é o seu tipo de bordado preferido e que, segundo ele, essa paixão é fruto de uma iniciativa muito maior, que começou há mais de vinte anos atrás com uma cooperativa de bordadeiras da sua cidade, a Cooban, que participa do salão de artesanato há 15 anos. 

“A história da Cooban é muito bonita, começou há mais de 20 anos, depois de um curso de bordado disponibilizado pela prefeitura de Alagoa Nova. Cerca de um ano de curso depois, com mais de 90 tipos de bordados aprendidos, as bordadeiras tiveram a iniciativa de se organizar e começar a fazer esse tipo de artesanato para além do curso, porque o bordado é tão apaixonante que assim que você começa a fazer, não quer parar mais.”

O trabalho da cooperativa pode ser observado nas prateleiras e araras repletas de peças contendo de itens de decoração à roupas. Almofadas, bolsas, camisetas e jaquetas jeans são alguns dos produtos que somam traços delicados, cores vibrantes e estilo. Cuidado e bom gosto impressos em cada bordado.

Bordado da cooperativa Cooban na exposição. Crédito da foto: Eric Matheus.

Pelos corredores do museu, há sempre uma nova exposição de encher os olhos de encanto. A cada estande, uma nova descoberta: artistas de todos os estilos e talentos, que tiram do trabalho das mãos o seu sustento. É o caso da artesã Quitéria. Rendeira há cinquenta anos, aprendeu a profissão com suas tias e avós, uma cultura passada de geração em geração e que, hoje, isso a preocupa um pouco, pois teme pelo futuro da renda renascença: “O trabalho é árduo, o processo é demorado e pouco valorizado, por isso os jovens não se interessam em aprender”. 

Quitéria Pereira Mariano, 66 anos, é do município de Camalaú, no Cariri paraibano, local reconhecido como um dos polos principais de produção de renda renascença no estado. A artista também faz parte do Crença (Centro de Referência da Renda Renascença e do Artesanato), grupo de artesãos e artesãs paraibanas, que se esmeram na produção que marca presença até em Dubai, através de marcas que revendem suas peças. 

Vestido da coleção #SomosTODOSParaíba, feito pela rendeira Quitéria. Crédito da foto: Eric Matheus
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Um dos vestidos em exposição no salão fez parte da coleção #SomosTODOSParaíba, do estilista mineiro Ronaldo Fraga, na programação do 31° Salão de Artesanato Paraibano, em João Pessoa. Quitéria afirma que os desenhos da peça são ilustrações do artista plástico paraibano Flávio Tavares, representando o cheiro e sabor do caju, traduzidos em cada ponto na renda que forma o vestido. Para chegar a esse resultado, a rendeira detalha o processo de criação, que mesmo contando com o trabalho de até cinco rendeiras, pode levar meses para fazer uma única peça. Essa execução tão meticulosa e rica em detalhes começa tirando o molde da peça, que pode ser uma blusa ou vestido, por exemplo, como conta Quitéria. O molde é em seguida passado para o papel fino, e só então o desenho pode ser feito.

“Os desenhos não existem em canto nenhum, somos nós (rendeiras) que criamos. São originais.”

Ainda assim, um mesmo desenho pode servir para construir diversas peças. Em seguida, é hora de costurar o lacê (fita de algodão onde as tramas são unidas utilizando a agulha) à mão para o preencher com renda. A peça é feita muitas das vezes com o auxílio de uma almofada ao colo e, dessa maneira, as artesãs vão tecendo.

“Desmanchando novelos, tecendo sonhos”, diz Quitéria sobre a arte de trabalhar com renda renascença. Crédito da foto: Eric Matheus. 

É assim também com o trabalho em crochê. Bianca Martins, 45, conta que adora ver as peças tomando forma: “É gratificante, gostoso, além da paz que dá. É uma terapia”. Ela faz de tudo, de bonecos à vestidos, e são peças que podem levar até semanas para serem concluídas, já que sua produção é independente. Do crochê, ao macramê e algodão colorido: Maria José de Medeiros Bendito, 76, também é artesã autônoma, participa do Salão de Artesanato há 20 anos e tem o algodão colorido como a sua paixão, produz variados tipos de roupas, desde vestidos, saias e blusas até conjuntos de peças e moda infantil. A resiliência é característica de artesãos como Maria José que, durante a pandemia, mantiveram a esperança de voltar a produzir e a mente aberta para novas saídas.

“Fabriquei máscaras faciais para manter a renda e também como uma forma de distrair a mente. Temos que aprender de tudo, quando uma coisa não dá certo, tentamos outra”.

A pandemia também afetou os negócios da família de Lizandra, 32. Na fábrica Fio e Arte, na qual seu pai e o irmão mais velho trabalham diretamente com a tecelagem artesanal, eles enfrentaram problemas para manter a renda durante o período em que não houve muita demanda, e por isso correram o risco de fechar. Com persistência, a situação foi melhorando, e a produção compôs o estande da fábrica no Salão de Artesanato pelo trigésimo quarto ano seguido. O carro-chefe do negócio são as redes, produzidas numa variedade de cores, fios e tranças: “Produzimos também tapetes, jogo americano, manta, xale, capa de almofada, tudo que você imaginar que faça na tecelagem, a gente produz. É muito trabalho, a nossa maior dificuldade com a produção é a falta de mão de obra especializada”.

Lizandra representa a Fio e Arte no 34º Salão de Artesanato Paraibano. Crédito da foto: Eric Matheus.

Roberval, 61, mais conhecido como Seu Caroca, expõe no Salão de Artesanato há 15 anos. No seu estande, ele exibe uma produção com mais de 150 peças únicas. Entre cintos, bolsas, carteiras e sandálias trabalhadas no couro, ele conta com orgulho que fabrica tudo individualmente com o manuseio que aprendeu através do pai e do avô: “Termino um salão, já começo a produzir novas peças, e quando não tem salão para expor, eu as vendo em Olinda”. Em época de São João, os artesãos do couro esperam ansiosos por um aquecimento nas vendas. 

Seu Caroca posa com uma das bolsas de couro que produz. Crédito da foto: Eric Matheus.

E é somando as cores da natureza nordestina com as do festejo junino que, Creuza, 61, exibe seus acessórios na 34º edição do Salão de Artesanato Paraibano. Potiguara de Baía da Traição, ela aprendeu tudo sozinha com apenas 12 anos de idade: “Faço colares, pulseiras, tiaras, cocás, maracás.” Creuza afirma vender mais para fora do que no próprio estado. 

 Creuza mostra sua arte no estande de artesanato indígena. Crédito da foto: Eric Matheus.

Arte, cultura e preservação

Para além das vendas e visibilidade alcançadas, os artesãos encontram no Salão de Artesanato oportunidade para promover a preservação e valorização da cultura regional. Chico Ferreira, 64, reforça a importância dessa iniciativa e a adaptação à transformação natural do tempo: “As coisas não se repetem, o artesão tem que buscar alternativas para transformar sua realidade”. 

“A única forma de transformar é quando se busca outros meios. E sou feliz, graças a Deus!”, afirma Chico sobre trabalhar com artes plásticas. Crédito da foto: Eric Matheus.

Natural de Catolé do Rocha, Chico encontrou, nas suas origens, a habilidade para as artes plásticas: “Na zona rural tudo era feito pelo morador, tinha que ter habilidade para consertar uma cancela, fazer um cocho para porcos, uma gamela, e eu tinha uma tia-avó que supria as necessidades com a cerâmica, que na época chamava-se louça”. Além de produzir os objetos, tanto decorativos quanto utilitários, ele também é pintor, e participa do Salão de Artesanato desde a primeira edição, assim como a artesã Maria das Neves, que é vizinha do estande de Chico.

Maria das Neves, 67, é de Itabaiana, e conta que o salão é como uma vitrine do seu trabalho. Seus utensílios de barro contam uma história de amor e parceria, que teve início no seu casamento, há 43 anos. Através do seu esposo, que é ceramista, ela descobriu o dom e, juntos, trabalham com o barro. O carro-chefe do casal é a queima preta, que surgiu de um “erro” na produção da queima tradicional, e daí em diante foi só sucesso: “Vendemos peças utilitárias para vários restaurantes, locais e estrangeiros”. 

E diferente de tantos outros profissionais, Maria afirma que durante dois anos de pandemia não faltou serviço: “Eu até perguntava a meu marido: como é que os restaurantes estão fechados e os pedidos não param de chegar?”. Por motivos de segurança o casal se resguardou e deixou de participar de alguns salões, como o de Fenearte, em setembro, e o de João Pessoa, em janeiro.

Maria das Neves conta que o erro virou um acerto e hoje trabalha principalmente com a queima preta do barro. Crédito da foto: Eric Matheus.

Num universo inteiro de tecidos, linhas, pontos, técnicas, cores, cheiros e sabores, o Salão de Artesanato Paraibano exibe ainda as belezas do Cariri através das telas expostas por Nara Macedo. Jornalista de formação e apaixonada pela paisagem caririzeira, ela retrata toda essa beleza em 3 tipos de impressão: direto no papel fotográfico, no MDF e em canvas, tecido próprio para a função. Com Os Retratos do Cariri, a fotógrafa desconstrói a imagem árida e seca que muitos têm sobre o nordeste e mostra a exuberância além do solo rachado. A cultura nordestina também é desenhada no crochê das amigas Lúcia e Olga que fabricam bonecas de todo estilo, inclusive o casal mais famoso do sertão: Lampião e Maria Bonita.

Bonecos de pano que representam símbolos do cangaço brasileiro. Crédito da foto: Eric Matheus.

A explosão de cores nas roupas das bonecas de panos ou os diversos tipos de brinquedos de madeira e fantoches chamam a atenção não só das crianças. Os carrinhos feitos também de côco, pelas mãos habilidosas do artesão Luciano Ferreira, 68, são um verdadeiro retrato da sua infância, época em que aprendeu a fazê-los. Os fantoches de Ana Regina Pinto, 67, fazem sucesso entre as crianças, e ela conta que alguns dos objetivos do trabalho são o desenvolvimento pedagógico infantil, além de promover um resgate histórico dos brinquedos culturais na Paraíba, construindo um imaginário lúdico e despertando um gostinho de infância também nos visitantes da exposição.

Seu Luciano faz brinquedos como carrinhos e aviões de madeira e coco. Crédito da foto: Eric Matheus.

Após uma verdadeira imersão na arte regional, é possível ainda sair da exposição com uma caricatura própria, feita pelas mãos do artista e cantor cearense Sócrates Gonçalves. Ele conta que começou no Salão de Artesanato em 2010, e para esse ano, compartilha do mesmo desejo de todos os artesãos no evento: que o movimento aumente, cada vez mais pessoas descubram a riqueza do artesanato paraibano e façam parte desta história.

O Salão do Artesanato Paraibano segue com as exposições até o dia 3 de julho, no Museu Assis Chateaubriand, todos os dias, de 15h às 22h. Informações e programação completa podem ser encontradas no site e redes sociais do Programa de Artesanato Paraibano.

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