A cultura do pé-de-serra em meio às batidas eletrônicas
Apesar de enfrentar desvalorização no mercado, os trios de forró se mantém como uma das principais atrações da festa de São João.
Por: Amanda Lopes, Bruna Duarte, Felipe Valentim e Klauber Canuto.
Contribuição: Anny Karenine e Anthony Souza.
“O candeeiro se apagou. O sanfoneiro cochilou.
A sanfona não parou. E o forró continuou”.
(Forró no Escuro)
Assim como nos versos da canção de Luiz Gonzaga, a cidade de Campina Grande, terra do xaxado e do baião, respira uma atmosfera de muita festa a cada ano em que é realizado o evento denominado de “O Maior São João do Mundo”. O evento festivo tem como cenário principal, o Parque do Povo, (PP), também considerado o Quartel General do forró, que se torna pequeno diante da quantidade de turistas e campinenses que frequentam o espaço, em busca de aproveitarem ao máximo esta que já foi considerada a segunda maior festa popular do Brasil, perdendo apenas para o Carnaval. O festejo é embalado ao som do forró, ritmo caraterístico da autêntica cultura popular nordestina cuja melodia e harmonia musical nasceu da junção dos três instrumentos musicais: triângulo, sanfona e zabumba.
Trata-se aqui de um ritmo que, assim como aconteceu com os demais outros estilos musicais em voga no país, vem passando por mudanças no contexto da modernidade fruto das novas tecnologias empregadas no cenário artístico-cultural. Por essa razão, hoje se fala numa diversidade de estilos diferentes de forró, dentre os quais se destacam o forró eletrônico e o forró universitário, os quais se caracterizam pelo uso de instrumentos eletrônicos e um ritmo diferenciado. Mas, apesar das novas derivações de estilos em torno deste gênero tipicamente nordestino, ainda há espaço para o forró tradicional, também conhecido como forró pé-de-serra que tem nos trios de forró, sua principal referência.
Há décadas, é a música produzida pelos trios de forró que dita o compasso da grande festa junina que começou em chão de terra batida e hoje ganhou dimensões mundiais e status de superprodução. Apesar de terem perdido espaço para as bandas musicais, os trios de forró continuam sendo uma das grandes atrações das festas juninas em todo o Nordeste. Assim tem sido, por exemplo, na festa em Campina Grande, onde o tradicional som da sanfona, triângulo e zabumba anima todas as noites os milhares de turistas que visitam o Quartel General do Forró. Só este ano, a festa conta com a apresentação de aproximadamente 300 trios de forró, os quais se revezam entre os 30 dias de festa. A maioria se apresenta nas chamadas “Ilhas de Forró” que são palhoças, espaços em forma de cabanas octogonais, espalhados pelo Parque do Povo destinados aos que admiram e gostam de dançar o autêntico forró pé-de-serra.
Segundo a assessora de imprensa da Coordenaria de Turismo (CODEMTUR) da Prefeitura Municipal de Campina Grande, Skarllet Fernandes, os grupos são escolhidos ao longo do ano, com base num cadastro existente na Coordenaria. Os interessados vão até a Secretaria de Desenvolvimento e realizam o cadastro. A partir daí, é feita uma seleção levando em consideração o valor cobrado por cada trio, assim como a disponibilidade. Se o trio toca há muitos anos, consequentemente será chamado outras vezes, e os demais aguardam em uma lista de espera pela oportunidade.
Dificuldades dos Trios de Forró
Apesar de permanecerem com espaço garantido em festas como o grande evento realizado em Campina Grande, nos quais muitos chegaram a ser a atração principal nas noites do evento, os trios de forró atualmente enfrentam muitas dificuldades para continuar levando a diante o seu trabalho e perpetuando o tradicional ritmo entre as novas gerações. O desafio maior tem sido a forte concorrência frente as chamadas bandas de forró eletrônico, que passaram a ocupar com destaque a programação das grandes festas juninas.
Aos poucos, o som manual da sanfona, triângulo e zabumba foi substituído por um estilo com uma nova roupagem, tido por uma nova cadência marcada por batidas de bateria. Basta analisar a programação principal do Parque do Povo durante os trinta dias de festa, totalmente preenchidos com bandas que trazem um forró eletrizado e cheio de swing.
Essa perda de prestígio causou descontentamento, como era de se esperar, entre os profissionais que vivem do autêntico forró, que criticam duramente o trabalho realizado pela geração de bandas eletrônicas de forró. Mas, para além destes, essa alteração também vem sendo criticada por muitos turistas que afirmam se decepcionar ao virem para o Nordeste e não ouvirem o forró pé-de-serra como almejam.
“Campina Grande tem só o nome ‘Maior São João do Mundo’, pois quando vamos tocar no sudeste, todo mundo reclama que vem para aqui escutar forró e encontra só as bandas”, critica Carlos de Albuquerque Melo, conhecido como Parafuso, zabumbeiro do trio de forró Os 3 do Nordeste, grupo criado em 1972 na Paraíba. “As bandas dizem que tocam forró, mas aquilo não é. Pra quem entende, jamais vai achar que aquilo é forró”, enfatiza o músico, o único membro do trio desde a formação inicial.
Outra grande dificuldade que os trios de forró enfrentam é o baixo cachê pago a estes. “As bandas mais simples não são valorizadas pelo governo. Eles preferem pagar caro por bandas famosas”, destaca a vocalista do grupo “Forró do Bom” Cícera Aline, também conhecida como “Chineizinha”. “Nós recebemos pouco pelo trabalho e ainda com muito atraso”, pontuou.
Atrelando tradição à modernidade
Apesar da pouca valorização por parte dos órgãos realizadores dos eventos juninos, algumas poucas bandas do forró tradicional conseguem manter-se em sucesso no concorrido mercado musical. Os 3 do Nordeste é uma destas. O grupo se destaca como um dos poucos trios de forró que ainda está entre as atrações principais na programação do “Maior São João do Mundo”. O trio revela que tem agenda lotada durante todo o ano, realizando shows pelo Brasil.
“Nós passamos por cima da lambada, do rock, do iê iê iê, do samba pagode”, comenta Parafuso ao ser questionado sobre como o grupo se mantêm atual, mesmo após tantos anos de carreira. “Os 3 do Nordeste procurou não ficar para trás. Nós estamos andando conforme a música, como diz o ditado”, ressalta.
Atualmente, além do conjunto ter sanfona, triângulo e zabumba, o trio conta com uma banda (guitarra, baixo, bateria e conjunto de metais) em suas apresentações. “Nós nos modernizamos, mas não perdemos a nossa essência que é o forró”, destaca Parafuso.
“Nosso repertório é o que todo mundo conhece. Tem muita música antiga, que a gente passa a tocar ela hoje e as pessoas pensam que é música nova, porque a gente faz uma roupagem diferente e canta a mesma música de 20, 30 anos atrás”, revela o músico.
O zabumbeiro acredita que muitos trios de forró não conseguem se manter no sucesso por não estarem “afinados” com a evolução do meio musical. “Muitos trios de forró sofrem por não acompanharem essa evolução musical”, salienta. “Tem muito trio bom por aí, mas precisa estar atento a essa evolução que é necessária”, enfatiza Parafuso.
A banda campinense “Forró do Bom” é outra das atrações do legítimo forró pé-de-serra que há anos vem animando as noites de festa no Parque do Povo. Composta por um trio de forró acompanhado por uma vocalista, o grupo tenta se manter em meio ao cenário musical tocando o autêntico forró-pé-de-serra. Com 15 anos de carreira, o grupo revela que, apesar disto, encontra dificuldades para continuar no concorrido mercado.
O trio continua a fazer apresentações em eventos diversos, mas seus integrantes precisam ter outros empregos para garantir uma renda. “Tudo isso porque não nos pagam o valor que o trabalho merece”, conta a integrante Chinezinha que é vendedora. Esta dificuldade em fazer o forró, além do período junino, aqui na cidade também foi pontuada por Parafuso, do trio Os 3 do Nordeste. “Durante uma de nossas idas a São Paulo me perguntaram de onde eu era, respondi que sou de Campina Grande. E aí me disseram: ‘ah, de Campina Grande, a terra do forró que não se toca forró!’”, contou o zabumbeiro. Ele ainda disse que enquanto em Campina só de procura pelo forró no São João, lá eles ouvem forró o ano inteiro, o que para ele foi apontado como sua maior decepção.
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Família Medeiros: árvore Genealógica do Forró
Por: Amanda Lopes e Felipe Valentim.
Contribuição: Anny Karenine e Klauber Canuto.
Do cantinho de fotos, na entrada da casa, à estante da sala preenchida de troféus conquistados com muita dedicação e melodia. A morada da família Medeiros respira música em cada canto. Neste lar moram nada mais do que três trios de forró pé-de-serra e uma banda de forró estilizado. Pessoas que não estão apenas ligadas pelo laço de sangue, mas também pelo amor à música e ao forró.
Severino Medeiros, hoje com 71 anos de idade, é o chefe da casa. Nascido no município de Esperança, no Agreste paraibano, deu seus primeiros passos na música ainda quando adolescente. Aos 18 anos de idade ele já tocava sanfona de 48 baixos. Mas o jovem sanfoneiro foi obrigado a sair de sua cidade natal, por não ter encontrado chances de mostrar seu talento. “Eu quero ser enterrado aqui em Campina, que foi a terra que me deu oportunidade”, enfatiza. Ele ainda brinca: “lá no Cemitério de Bodocongó já tenho oito gavetas”.
Perguntado sobre como a música surgiu na sua vida, ele é enfático. “Ora surgiu, isso é um dom que Deus me deu!”. Além de sanfoneiro, Severino é compositor e já tem em seu histórico mais de 70 músicas autorais. Ele já gravou com artistas como Capilé, Tom Oliveira e Amazan e ainda com ícones como Marinês e Dominguinhos. “Só quem gravou com Dominguinhos aqui fui eu. Ele gostava muito de mim”, destaca.
Severino, que fez sua primeira apresentação em um “cabaré”, soube aproveitar bem cada oportunidade e incentivo à sua carreira de sanfoneiro e compositor. Do seu trabalho, sustentou sua família com o que ganhava acompanhado de sua inseparável companheira: a sanfona, e foi assim que esse vitorioso homem criou seus cinco filhos.
Seguindo os passos
Como diz o ditado, quem sai aos seus não degenera, os filhos de Severino aprenderam a tocar os instrumentos do forró pé-de-serra sozinhos, imitando os artistas que escutavam nos discos do pai e, sobretudo, durante os ensaios do sanfoneiro. “Só fiz uma escala para ele começar a tocar no baixo e o danado não parou mais. Hoje ele ainda sabe tocar sanfona, teclado, violão, cavaquinho. Toca, bem dizer, uns dez instrumentos”, relata Severino cheio de orgulho sobre o filho mais velho, que atualmente administra um estúdio de gravação na casa da família.
No total, são cinco sanfoneiros e três zabumbeiros. Todos tocam triângulo. Eles se distribuem nos trios Amados do Forró, Os Três de Campina, Herdeiros do Forró e, na banda estilizada, Forró dos Primos.
Delsinho Medeiros, um dos filhos de Severino, desde criança teve contato com a música. Atualmente ele compõe o trio Os Três de Campina e também realiza shows da carreira solo, ambos os projetos focados no forró pé-de-serra. Suas principais influências são Os Três do Nordeste, O Trio Nordestino, o cantor Flávio José e Luiz Gonzaga. “Forrozeiro que não tocar Gonzagão não é forrozeiro de verdade, isso eu digo em todo canto”, ressalta.
O músico também destaca as dificuldades de se viver apenas do forró. Durante o ano ele trabalha como pintor. A partir do mês de maio, Delsinho deixa o ofício de lado para se dedicar aos ensaios e apresentações, e só em julho volta à rotina de pinturas. Seu irmão Ananias Medeiros também segue a mesma rotina, sendo que este, fora dos palcos, é pedreiro.
Severino e seus filhos compartilham a opinião de que o forró pé-de-serra, apesar de ser tradição da cultura nordestina, não recebe a valorização devida. “Os menino são ‘tudo’ bom, num é porque seja filho meu não. Mas eles ensaiam, se dedicam pra receber a mesma coisa que um sanfoneiro velho que com ‘dois tom’ acompanha todo mundo”, comenta o sanfoneiro sobre o valor pago aos trios que se apresentam nas palhoças do Parque do Povo.
Com algumas apresentações marcadas, sendo duas delas para o PP, Severino hoje vê seus filhos com agenda lotada e se orgulha. “Quando eu procuro eles, já tá ‘tudim’ no meio do mundo”.
Mais um aprendiz
Já aposentado, o senhor Severino hoje se dedica a passar o seu conhecimento sobre a sanfona para os mais jovens. O seu mais novo aprendiz é o garoto Lucas dos Santos, de 16 anos de idade. Nascido também no município de Esperança, Lucas foi incentivado pelo tio a se mudar para Campina Grande há um e meio para ter aulas com o experiente sanfoneiro.
O jovem, que começou a tocar sanfona aos nove anos de idade, revela que desde muito pequeno já gostava de forró pé-de-serra, através do incentivo de sua família. Lucas não economiza ao fazer elogios ao seu professor. “É o grande mestre aqui de Campina Grande, me sinto honrado em ter aulas com ele”, revelou. Detentor de uma invejável humildade e conhecimento, Seu Severino fica meio envergonhado e emocionado com as palavras de Lucas ao descrevê-lo.
Perguntado sobre o coeficiente do aluno, Severino é direto: “ele é nota 100. O melhor que tem por aqui”, enfatiza. Atualmente Lucas é o sanfoneiro do trio “Os Três de Campina”.
A entrevista da família para a equipe do Repórter Junino não poderia terminar de outra forma, se não com música, como você confere no vídeo abaixo.
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Terezinha do Acordeom: a figura feminina no Forró
Por: Bruna Duarte.
A desigualdade de gêneros ainda é vista no mercado de trabalho em todo o país, sobretudo em atividades tidas como “masculinas”. Tocar sanfona, zabumba e instrumentos ligados ao forró, por exemplo, é uma delas. É neste contexto que surge, na década de 1980, a primeira sanfoneira do Nordeste, Terezinha do Acordeom.
Admiradora do grande Luiz Gonzaga, Terezinha decidiu aos sete anos seguir seus passos. Aos 13, ganhou a primeira sanfona e formou um trio de forró com dois irmãos. “Passei a tocar em festinhas do colégio, ganhando cachê, pode?”, brinca a cantora, que afirma ter sido aceita da melhor maneira possível no meio artístico, que escolheu para si, ao qual chamava de “Clube do Bolinha”. “O preconceito que sofri foi em relação ao meu físico, as pessoas não acreditavam que eu aguentaria tocar duas, três horas (risos). Eu superei os desafios mostrando que mulher é capaz de não só tocar, mas de competir de igual pra igual com os homens em várias coisas”, conta.
Apesar do forró ter recebido influências de outros gêneros musicais com o passar do tempo e ter acrescentado instrumentos eletrônicos em sua composição, Terezinha acredita que o trio de forró continua a desempenhar um papel essencial na cultura nordestina. “Eu acho que não tem forró sem sanfona, zabumba e triângulo. Esses instrumentos são a base, você pode até botar uma guitarra, um baixo ou bateria como complemento, mas o trio é fundamental pra nossa música de raiz”, explica.
A cantora, natural do município de Salgueiro, em Pernambuco, gravou em 1984 o primeiro disco, o LP “Terezinha do Acordeom – Alegria do Sertão”; o segundo veio em 1995, “Terezinha do Acordeom” e em 1997, lançou o primeiro CD, “Sina de Cigarra”. Recentemente, Terezinha, que, além de cantar e tocar sanfona, é compositora e instrumentista, fez o show de lançamento de seu segundo CD, “Um Amor Assim”, em Campina Grande.
EQUIPE DE REPORTAGEM
Cooredenação da reportagem: Prof. Rosildo Brito
Texto: Amanda Lopes, Bruna Duarte, Felipe Valentim e Klauber Canuto
Contribuição: Anny Karenine e Anthony Souza
Edição: Anthony Souza
Fotos: Felipe Valentim, José Maurício e Rayane Brito
Vídeo: Felipe Valentim
Edição de vídeo: Felipe Valentim