Por: Antonio Carlos, Gleydice Santos e Morgana Soares
Com mais de 2.800 peças, o Memorial do homem nordestino, mais conhecido como Sítio São João, é um verdadeiro celeiro de cultura ao ar livre. O Sítio São João tem muito mais do que aspectos físicos da colonização, ao apresentar os costumes, as raízes e a essência de um período histórico em que a bodega, o mercado, e a capela serviam de cenário para a construção do Brasil. Inspirado por Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Gilberto Freire, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Ariano Suassuna, a quem o teatrólogo e idealizador do projeto João Dantas, os chama de “meus mestres”. O sítio nasceu da inspiração de se preservar a história do homem nordestino através de detalhes: “Aqui você vai encontrar alguns caquinhos, como: utensílios, ferramentas, mobílias, e fragmentos arquitetônicos que contemplam as gerações passadas, a começar dos índios até os dias atuais”, ressaltou João Dantas, idealizador.
Criado há 17 anos, o Sítio São João evidencia parte da historia do Brasil, desde o primeiro momento da chegada dos colonizadores. Nesse período, a cultura indigna já fazia parte do Pindorama, nome atribuído ao Brasil pelos índios, antes da colonização portuguesa. As tribos indígenas já cultivavam a mandioca para produção manual do beiju, farinha, mingau, entre outros. Os portugueses industrializaram a mandioca, devido à necessidade de se atender a demanda da mão-de-obra que estava se formando com o aumento da população. O que causou a necessidade de explorar algum tipo de riqueza que fosse mais lucrativa. Sem encontrar ouro por aqui, a administração portuguesa optou pelo início da formação de lavouras de cana-de-açúcar na região do litoral brasileiro. A mandioca e a cana-de-açúcar tornaram-se respectivamente os maiores engenhos no Período Colonial, os quais estão sendo mostrados no museu. Toda a cenografia do sítio foi desenvolvida manualmente, no intuito, de retratar com fidelidade o contexto sociocultural da época.
A bodega é o lugar mais visitado do sítio, a riqueza de produtos naturais, como a espoleta, a pólvora, a pedra hume e a cera de carnaúba. Assim como as curiosidades da vida do homem do campo, entre elas destacamos a conservação dos alimentos unicamente pelo intermédio do sal; levam os visitantes ao reencontro de outro Brasil, escondido na mente e no coração do povo nordestino.
Aspectos religiosos
O sentimento de religiosidade também está presente no Sítio São João, através da capelinha. Geralmente construídas pelos donos de engenho, fazendas ou sítios, como forma de pagar uma promessa ao seu santo de devoção, as “capelinhas” acolhiam os padres jesuítas na tentativa de catequizar os índios e na vivencia de suas práticas religiosas junto à comunidade. Tido como um projeto itinerante, por seu idealizador, João Dantas, o sítio permanecerá no Catolé por três anos, e depois será reconstruído de forma definitiva e com outras peculiaridades, ainda não expostas devido à logística.
Em Campina Grande, o museu já foi montado quatro vezes e sempre atraí milhares de pessoas. A exemplo do Parque Anhembi, na cidade de São Paulo, onde o sítio foi exposto para mais de 1 milhão de pessoas. Preocupado em manter a cultura nordestina preservada e acessível às futuras gerações, João Dantas torce pelo surgimento de novas iniciativas culturais: “Eu quero que o Sítio São João se multiplique e que seja copiado com qualidade e pesquisa”. Ao visitar o museu o visitante pode se deparar com apresentações culturais, tipicamente nordestinas, como: Banda de Pífanos, embolador de coco, violeiro repentista, poeta de bancada, entre outros.
Segundo João, na programação do sítio só há espaço para atrações culturais musicais que tenham o fole dos oito baixos, como principal instrumento. O sítio não comporta, nem recebe atrações que fujam a essência nordestina, cantada em prosa pelos grandes violeiros e repentistas. O espaço recebe diariamente centenas de pessoas das mais diversas faixas etárias, classe social e etnias. Além de ser um referencial de inclusão social pela cultura, ao receber com apreço os grupos da melhor idade, as entidades filantrópicas, creches, escolas, pessoas com dificuldades de locomoção ou com problemas mentais. O Sítio São João é uma viagem ao passado e uma reflexão sobre as perspectivas de futuro.
Slideshow do Memorial Sítio São João. Confira!
As bodegas de antigamente
Quem visitar as instalações do Sítio São João fará, inevitavelmente, uma viagem na cultura e no tempo. Tempo este em que os caderninhos de anotações, o famoso fiado, ainda eram sinônimos de nome limpo na praça e que gozava de certa credibilidade com o bodegueiro. As Bodegas, estas pequenas mercearias, se espalhavam em todas as esquinas, ruas, becos e vielas das cidadezinhas. Vendiam de tudo: fumo de rolo, charques, brinquedos, chupetas, pingas, mel de engenho, farinhas, balas, pirulitos e por aí vai. A lista é grande e não caberia neste espaço. Cada uma levava, em geral, o nome de seu proprietário: “Bodega de Seu José”, “D. Maria”, de Seu Pedro, de “Dona Maricota”, “Seu Ciço”.
E quase ninguém, nesta época, se preocupava tanto em ir ao supermercado, já que a bodega, além de ofertar tais gêneros alimentícios, ainda tinha um serviço mais personalizado: contava com a simpatia e amizade do dono. Em geral, as antigas bodegas – hoje quase extintas ou remodeladas pelo tempo – carregavam os mesmos formatos de apresentação: um balcão de madeira e vidro embaixo para mostrar os demais gêneros alimentícios, como pães, bolos e queijos; uma balança Filizola, estante de madeira ao fundo, sacos de açúcar, feijão, arroz, rolos de carne de charque, e até banha de porco se encontrava ali para atender a freguesia.
Destinados à população de baixa renda, estas bodegas se tornaram pequenos comércios populares regionais que foram fundamentais em várias localidades e diversas regiões. Eram também espaços para encontros, bate-papos, de prosear com os amigos e conhecidos sobre os assuntos diversos: futebol, política e vida cotidiana. Eram espaços aconchegantes da vida calma de outrora, de fazer amizades com a vizinhança ou estreitar os laços, entre uma compra e outra, ou um gole de Crush ou pinga e pão doce. O surgimento dos grandes supermercados e fusão de multinacionais, deixou um passado saudosista, principalmente para os frequentadores mais assíduos e proprietários.
Na vida moderna, marcada pela praticidade e velocidade do dia-a-dia, quase não há bodegas pelas cidades. Estas, em grande parte, se transformaram em mini-mercearias ou supermercados, aumentaram o número de funcionários, já não há mais o fiado: A maquineta do cartão de crédito ocupou o lugar do caderno do fiado. O dinheiro virou eletrônico e o simpático dono que vivia atrás do balcão, agora ganhou uma sala própria, com direito à agendar as visitas.Em tempos modernos, as bodegas de antigamente ganharam novos reissignificados, vivenciadas pela população: os espaços de consumo adquiriram nova dinâmica de apropriação. Os Hiper-mercados e Shoppings reposicionaram o lugar de compras, enfraquecendo os antigos comércios, sendo o resultado da sociedade urbana pós-industrial que se reconfiguram a partir da espacialidade geográfica econômica vigente. Ainda assim, não dá para esquecer estes pequenos pólos de comércio da nossa cultura e tradição.
Como deixar o tempo apagar com este tipo de estabelecimento tão rico de memórias? Entrar em uma bodega é recordar de um passado não tão distante, e que habita o nosso imaginário e lembranças de uma época marcada pela vida sossegada.
(Por Adriana Alves Rodrigues)
Vale a pena ouvir a poesia criativa de Jessier Quirino, “Parafuso de Cabo de Serrote”, na qual retrata e descreve as bodegas de antigamente.
EQUIPE REPORTAGEM ESPECIAL
Coordenação da Reportagem: profa. Adriana Alves Rodrigues
Texto: Gleydice Santos, Antonio Claudio e Morgana Soares
Fotos: Antonio Cláudio, Morgana Soares e Gleydice Santos
Slideshow: Adriana Alves Rodrigues