Como diria o saudoso Luiz Gonzaga:
“Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha praquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
Foi numa noite, igual a esta
O céu estava, assim em festa
Pois era noite de São João
Havia balões no ar Xote, baião no salão
E no terreiro
O teu olhar, que incendiou meu coração.”
Todos os anos uma mistura de culturas se unem em torno de uma só comemoração: o São João. Essa festa é considerada como um dos maiores festejos realizados em nosso país, perdendo apenas para o Natal e o Carnaval, e embora seja comemorado nos quatro cantos do Brasil, é no Nordeste que ele ganha maior repercussão. Apesar do tempo e das mudanças, os festejos juninos vêm se adaptando com louvor às transformações ocorridas durante os anos, e mantém os seus costumes e tradições ainda aflorados, desde a época das primeiras comemorações juninas, de onde são trazidas os primeiros símbolos da festa, como é o caso das famosas quadrilhas. Esta dança, surgida na França, se tornou uma espécie de lenda para aquelas que fazem parte da festa.
O colorido das quadrilhas é uma marca registrada da cultura nordestina, e atualmente grandes concursos são realizados em níveis estaduais e regionais para eleger o melhor grupo. Entre as principais quadrilhas paraibanas podemos destacar a Moleka 100 Vergonha, Tradição da Serra, Mistura Gostosa e Junina Cambebas, que hoje fazem história em apresentações dentro e fora do estado. Porém, muito antes disso tudo, a quadrilha campinense Virgens da Seca também fazia história e deixava sua marca no calendário cultural da cidade e na memória daqueles que viveram os primeiros anos do Maior São João do Mundo.
ENTRE PAQUERAS E RODAS DE CONVERSA: O COMEÇO
Em plena década de 80 surgia uma quadrilha estilizada e colorida, onde mulher virava homem e homem virava mulher. O tradicional e o moderno em uma mistura que buscava o diferente, mas sem perder a essência do tradicional, é assim que podemos definir a quadrilha “Virgens da Seca”. Fundada no ano de 1984 em Campina Grande – PB, surgiu de maneira versátil e irreverente, não apenas com a intenção de brincar, mas também de chamar atenção para o problema da escassez da água, tão presente na vida dos nordestinos.
Tudo começou em um bate-papo entre amigos na rua Maciel Pinheiro, no centro da cidade, ponto de encontro dos jovens que costumeiramente se reuniam para paquerar e jogar uma boa conversa fora. As quadrilhas da época proporcionavam um ambiente de confraternização entre amigos e um bom lugar para os jovens flertarem, e foi a partir disso que surgiu o interesse daquele grupo de também formar uma quadrilha. E eis que na primeira sexta-feira, pós abertura do Maior São João do Mundo, a “Virgens da Seca” realizou sua primeira apresentação.
Ficando famosa no circuito paraibano pela originalidade e versatilidade dos figurinos, a ideia de se destacar entre as demais trazia este nome justamente para exemplificar a relação enfrentada entre o povo nordestino e a seca. Há quem pense que a forma travestida da quadrilha se apresentar era também uma forma de lutar por igualdade entre os gêneros, porém, naquela época esta pauta não constava nos ideais do grupo.
Seu primeiro ano a quadrilha foi composta por 60 casais, a seleção era feita através de fichas cadastrais preenchidas pelos interessados, quando o número determinado de participantes fosse alcançado as inscrições eram finalizadas. Em anos posteriores o número de participantes dobrou, fazendo com que a “Virgens” ficasse conhecida como uma das mais importantes quadrilhas campinenses.
Outra característica inusitada e que chamava a atenção naquela época eram as músicas utilizadas nas apresentações, como Chiclete com Banana, Os Três do Nordeste, Assisão, entre outros. Músicas tocadas com mais “pique”, comuns nas quadrilhas da atualidade, mas que eram consideradas ousadas naquele tempo, já que as demais se apresentavam com as marchinhas de quadrilhas tradicionais.
Com esse jeito irreverente, a quadrilha dava a liberdade para que os seus participantes criassem personagens ousados e divertidos, que iam desde ‘As Paquitas’ até ‘Genival Lacerda’, mas sem perder a essência dos passos tradicionais, como “alavantu”, “anarriê”, a “grande roda”, “passeio dos namorados”, entre outros. Falando em namorados, muitos casais foram formados na quadrilha, alguns casaram e estão juntos até hoje. Como forma de custear as viagens e apresentações os jovens iam às ruas, paravam os carros e sempre criavam formas de conseguir recursos suficientes.
UM BRILHO QUE SE APAGOU: AS VIRGENS QUE DEIXARAM SAUDADES
Mas como tudo no São João foi se modificando e se modernizando, o Parque do Povo tornou-se o principal foco da cidade nos festejos juninos. Fechar uma rua no centro da cidade para uma apresentação hoje é muito mais difícil, a mobilidade urbana atual não permite que esse tipo de coisa seja fácil de executar, sem contar que o sentido real das quadrilhas foi se modificando com o tempo e a “Virgens” não se encaixaria no padrão que vem sendo feito sem que fosse preciso uma renovação. É difícil datar o ano exato em que as apresentações foram encerradas, mas, por volta de 1999 a quadrilha foi aos poucos deixando o São João.
As Virgens da Seca fizeram tanto sucesso nas décadas de 80 e 90 que participaram da inauguração de dois grandes empreendimentos em Campina Grande, em 1984 o Ginásio do Clube Campestre e depois a Vila Forró. Para Olavo Rodrigues, ex-participante da quadrilha “seria muito bom que tivesse o Museu do Maior São João do Mundo, não só das grandes quadrilhas, mas de todas que participaram para o engrandecimento desta festa, com filmagens, fotos, depoimentos e assim fazendo a história de uma grande festa”.
CONSTRUÇÃO E RESGATE DA MEMÓRIA CULTURAL CAMPINENSE
É preciso que haja um resgate dessa cultura, para mostrar a esse público atual que a simplicidade do passado também tinha seu glamour, e se hoje Campina Grande possui essa história de sucesso e é intitulada de “Maior São João do Mundo” é porque no passado isso foi sendo construído antes mesmo do Parque do Povo existir.
Para Saulo Ricardo Florindo, fundador da “Virgens da Seca”, um dos primeiros integrantes e também puxador da quadrilha “essa entrevista não deixa de ser um resgate, um interesse pelo o que aconteceu há 20/25 anos atrás, isso é bom deixa a gente feliz e eu falo por um leque de pessoas que não estão aqui”. Mesmo depois de sua passagem pela “Virgens”, Saulo ainda se envolveu com outros projetos ligados a cultura, um deles foi a Micarande, onde foi o pioneiro no ‘Bloco do Amor’ e em 2013 participou da organização do São João de Galante.
Mesmo depois de quase 200 anos do seu surgimento, as quadrilhas juninas no Brasil continuam sendo um dos elementos primordiais na composição do São João, independente de serem tradicionais ou estilizadas, fizeram e continuam fazendo a festa, espalhando cor e alegria, divulgando e, principalmente, incentivando aquilo que temos de melhor: nossa cultura!
E como diria nosso eterno Dominguinhos, na sua composição Tudo é São João “dançar quadrilha, xaxado, xote, forró e baião, alegria, alegria tudo isso é São João!”.