As festas juninas na contemporaneidade

Campina Grande, 23 de junho de 2009

O homem comemora, há centenas de anos, os seus ritos de passagem, relembra as suas datas festivas, sagradas e profanas, aos deuses pagãos. Essas evoluções e evocações chegam até os dias atuais, estão incorporadas aos nossos calendários de tradição religiosa e festiva do catolicismo popular no Brasil e especialmente no Nordeste.

     Ao longo do tempo essas práticas sempre fizeram parte dos processos das transformações culturais e religiosas da sociedade humana, das suas relações simbólicas entre a realidade, a ficção e o lúdico, dando origem aos diversos protagonistas e suas performances nos festejos populares. São essas práticas do passado que chegam ao presente, com as suas diversidades de significados, de referências e de desdobramentos em processos culturais de apropriações, de objetivação, de incorporação, de conversão dos valores simbólicos do catolicismo popular e, na contemporaneidade, de valores simbólicos da sociedade midiática.

     As festas populares tradicionais são acontecimentos identificadores dos fatos locais, são celebrações das diversas relações sociais vivenciadas por uma comunidade nos territórios sagrados e profanos. As festas populares brasileiras são muitas mas, as dos ciclos do Natal, do Carnaval, da Quaresma e do São João, vinculadas às antigas tradições de celebração dos ritos de passagem das estações do ano nos hemisférios norte e sul, continuam determinando o antes e o depois dos afazeres cotidianos da sociedade contemporânea. O ser humano é um realizador de festas, portanto, a festa é parte essencial para as relações sociais, é através das festas que se organizam e divulgam as suas culturas e as suas memórias. É nas observações e nas interpretações das festas populares que se descobre os códigos, as regras e os estatutos construtores do ensinar e aprender as diversidades da cultura brasileira, conseqüentemente, o desenvolvimento da identidade de um povo. As festas populares rurais e urbanas passaram e continuam passando por importantes transformações culturais nos diferentes momentos da história da sociedade, num passado mais remoto, com a instituição da quaresma, depois com as navegações e os grandes descobrimentos de novas terras e na contemporaneidade com a globalização cultural.


     O mundo está em constante criação e reinvenção de novos significados culturais. Assim foi com a invenção da imprensa móvel, com a revolução industrial, com o surgimento das novas tecnologias de transportes e telecomunicações e, conseqüentemente, a redução das distâncias e dos tempos de produção, veiculação, vinculação e de uso e consumo de bens culturais tradicionais e modernos. Tradição e modernidade são categorias importantes de representações da vida cotidiana da sociedade humana, são conflitantes, dialéticas, estão em constates tensões, mas sempre andam juntas.

     Sem dúvida as festas juninas não poderiam ficar fora desse novo contexto de produção e consumo de bens culturais locais e globais da sociedade contemporânea. As manifestações culturais tradicionais do São João, entre tantas outras festas populares, são “afetadas” cada vez mais pelos interesses da globalização cultural.

     São festas que se inserem, cada vez mais, no contexto da sociedade midiática por serem polissêmicas, multicoloridas, alegóricas e por reunirem grandes números de pessoas de diferentes segmentos sociais. Portanto, são uma manifestação cultural diferenciada, perfeita para os padrões midiáticos, mas mesmo assim, continuam mantendo fortes características tradicionais nas suas estruturas e nos seus conteúdos.

     Não se pode negar que as festas juninas estão agregando valores culturais da sociedade midiática, assim como a sociedade midiática agrega valores culturais tradicionais do São João nas suas programações. É nesse novo campo hibrido entre o tradicional e moderno que emerge uma cultura de base local vinculada à cultura global em fluxos contínuos de apropriação e incorporação de novos significados. É quase impossível na atualidade organizar e realizar festas populares fora do contexto da sociedade midiática, até por que os seus produtores e os seus brincantes estão inseridos nos contextos desses campos híbridos culturais de convivências e de conveniências entre as culturas do local e do global.

       A sociedade humana tece a sua cultura através dos mundos de experiências vividas em momentos históricos diferentes e de natureza paradoxal, justamente porque nada é igual no tempo e no espaço, nem mesmo com a globalização as festas juninas serão extintas conforme as profecias catastróficas de uns poucos. Com a globalização o que assistimos é o ressurgimento de culturas com bases locais ao invés da tão propagada padronização cultural. É evidente que as manifestações culturais tradicionais dos festejos juninos, para atender as demandas de consumo da sociedade contemporânea, agregam cada vez mais valores culturais midiáticos para se inserirem nos negócios de interesses do turismo e das redes de televisão.  Os exemplos clássicos desses novos campos híbridos são as apresentações das quadrilhas juninas nos festivais organizados pelo poder público e empresas privadas, principalmente por redes de televisão.

 

Osvaldo Meira Trigueiro
Professor e pesquisador do DECOMTur/PPGC/UFPB
Membro da Comissão Paraibana de Folclore
Pesquisador da Rede Folkcom 

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