ESPECIAL: Beco da Pororoca – Um recorte do sesquicentenário da Rainha da Borborema

Campina Grande, 10 de julho de 2014  ·  Escrito por Renata FabrÍcio  ·  Editado por Glêbson Rodrigues
(Foto: George Silva)

O famoso Beco da Pororoca (Foto: George Silva)

A poucos dias do término do “Maior São João do Mundo”, a festa já coleciona mais de 1,5 milhão de pessoas que passaram por todos os equipamentos que compõem o evento. Todo o complexo do São João mais conhecido do Brasil conta com o Memorial do Maior São João do Mundo, Sítio São João, Vila do Artesão, Salão do Artesanato, o novo Circuito do Forró, a Locomotiva Forrozeira e, claro, o Parque do Povo, quartel general do ritmo mais quente do período

 

Somente no Parque do Povo são 48 mil metros quadrados de chão que segura o arrasta pé dos forrozeiros. Este ano um dos cenários que está fazendo sucesso é a representação do antigo Beco da Pororoca, uma rua tradicional do centro de Campina Grande. A Vila da Pororoca fica ao lado da réplica da Igreja Matriz, a Catedral, que está dentro da Vila da Imprensa.

 

O novo cenário pode ser considerado uma homenagem aos 150 anos de Campina Grande, já que existe há quase metade do tempo em que a Vila Nova da Rainha se tornou a Rainha da Borborema.

 

As importâncias histórica e econômica do que foi o Beco da Pororoca se confundem e fazem parte de um recorte que conta a transformação e o desenvolvimento da cidade. O teatrólogo, Walter Tavares, conta que o Beco da Pororoca foi uma vila formada essencialmente por operários que trabalharam no ciclo do algodão de Campina Grande. A importância histórica do cenário, é ainda maior, pois foi ao redor da Vila da Pororoca, da estação Ferroviária Great Western, do Açude Velho e da Catedral de Campina Grande, que a cidade cresceu. “A Pororoca foi essencialmente uma vila operaria que surgiu entre os anos de 1930 e 1950. Por isso a fileira de casas do mesmo estilo, quando a cidade estava no auge do ciclo do algodão. Eram operários que participaram da construção da vida e da civilização econômica que o algodão trouxe à Campina. É tão importante o ciclo do algodão para Campina, como a borracha para Amazônia”, contou o teatrólogo.

 

Além de importância histórica, a Vila da Pororoca também foi o ponto de encontro da juventude dos anos 90, e constitui o que o teatrólogo chama de “folclore boêmio” de Campina Grande. “Essa Vila também faz parte do folclore boêmio. Ficou célebre após o marco da personagem Maria Garrafada, a dama da noite (prostituta) mais célebre e sedutora de Campina Grande, uma das principais atrações do Cassino Eldorado, que encantou as noites de um dos cassinos mais luxuosos do Brasil. Ela foi a grande mulher que apaixonava os homens, e ficou lá até o fim dos anos 80. Foi a última morada de Maria Garrafada. Ela se aposentou e passou a fazer garrafada para doenças venéreas. Quando Jorge Amado esteve em Campina Grande, no inicio de 80, ele fez questão de buscá-la para conversar e saber sobre suas historias. Ela foi personagem de músicas de forró, e morreu no beco da Pororoca, que sempre esteve inserido no contexto operário”, lembrou Walter Tavares.

 

O folclore boêmio

 

Quem lembra bem da época boêmia do Beco da Pororoca é o cientista social Noaldo Ribeiro. Ele conta como o lugar foi, aos poucos, virando o point da juventude da época. “ Foi por volta dos anos 80 e 90. Lá havia uma fileira de casas, todas iguais. Em 80, um artista montou um bar, e a partir deste bar, todos queríamos torná-la uma vila boêmia, com vida artística. Mas as coisas pertenciam a particulares, e por mais que a gente conversasse com os donos, eles somente alugavam para bares. Tornaria-se o grande ponto de encontro da juventude campinense”, relembrou Noaldo.

 

Memória viva

 

A moradora viva mais antiga da atual Vila da Pororoca é a aposentada Maria Ferreira da Silva, a dona Didi, de 78 anos. Da cidade de Cabaceiras, no Cariri paraibano, dona Didi mora na mesma rua desde 1958, e viu as várias transformações na vila que surgiu como apenas mais uma rua desconhecida e se tornou parte da memória da cidade. “Eu vim de Cabaceiras. Quando chegamos aqui, a rua era no chão batido, no barro. Tudo na rua era casinha de taipa. Era tudo muito humilde, e com o tempo a rua foi tomando forma. Lembro que o pai de Rômulo Gouveia comprou um terreno aqui. Sempre foi uma rua simples. Essa rua ganhou esse nome porque em um terreno da esquina tinha um pé enorme da Pororoca. A planta acabou identificando a entrada da rua”, conta dona Didi.

 

Maria Garrafada: A dama da noite mais ilustre da cidade

 

Por ser a matriarca da rua, Maria Ferreira (dona Didi) conheceu pessoalmente outra Maria muito famosa, a Maria “Garrafa”, ou “Garrafada”, ou Maria “Pororoca”. Didi conta que conheceu Maria ainda novinha, e apesar de ser prostituta sempre foi muito respeitosa com os vizinhos. “A Maria era filha de Sebastiana Garrafada. Sebastiana vendia a famosa Garrafada na Rua João Pessoa. Naquela época era tudo muito difícil, e a medicina ainda não era tão avançada, os remédios não eram tão acessíveis, e a garrafada sempre foi uma opção para o pessoal que tinha essas doenças venéreas. Depois que Sebastiana morreu, Maria passou a morar com umas meninas, que trabalhavam com ela, no beco. Elas se arrumavam todas e saíam pela noite. Nem sempre encontrávamos com elas, mas quando elas passavam que os vizinhos estavam pelas calçadas, elas passavam caladas de cabeça baixa. Nunca desrespeitaram ninguém. Chegavam antes das cinco horas da manhã, para que ninguém as visse. Ela terminou a vida muito doente. Morreu não faz muito tempo. Ela foi muito famosa, mas sempre teve muito respeito”, contou dona Didi.

 

Maria Garrafada, que tem sua história sempre ligada ao Beco da Pororoca, ficou imortalizada na memória de alguns artistas ilustres, como o cordelista Manoel Monteiro, no cordel “Maria Garrafada, Mestra do Amor, Pecadora e Santa”. No cordel, Manoel fala sobre a história da menina que se tornou mulher, e sobre os prazeres e os desastres de viver da vida que Maria viveu.

 

“MARIA dava de graça,

Por muito, ou pouco dinheiro,

Seu negócio era manter

Os fregueses do puteiro

Onde era Mestra e Doutora,

Dona, serva e criadora

Do comércio pioneiro”, (Septilha 19)

 

Maria também esteve nos versos do nobre Jackson do Pandeiro, através da música “Forró em Campina”.

 

“Cantando meu forró vem à lembrança

O meu tempo de criança que me faz chorar.

 

Ó linda flor, linda morena

Campina Grande, minha Borborema.

 

Me lembro de Maria Pororoca

De Josefa Triburtino, e de Carminha Vilar.

 

Bodocongó, Alto Branco e Zé Pinheiro

Aprendi tocar pandeiro nos forrós de lá”, cantou o compositor.

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