STEFFANIE ALENCAR
Reportagem
Este ano, em junho, não está ocorrendo a festa tradicional do São João de Campina Grande, na Paraíba, na sua plenitude e grandiosidade de 30 dias, com o Parque do Povo lotado, hotéis com ocupação máxima, bares e restaurantes com turistas e festa em toda a cidade. O Maior São João do Mundo foi adiado para outubro devido à pandemia do coronavírus e a emergência sanitária no país com o distanciamento social. E o projeto Repórter Junino, que este ano completa 15 anos, preparou uma série de documentários denominada de São João: Digitais do Povo Nordestino. Ao todo, são cinco documentários produzidos por alunos do Curso de Jornalismo, que mostram a tradição da festa nos mais variados aspectos. A série do Repórter Junino teve apoio do edital PROEXT 2015 MEC/SESu.
Hoje, Dia de São Pedro e São Paulo, o Repórter Junino estreia a série com o lançamento do primeiro documentário: “São João de Adon – Museu Vivo do Nordeste”, dirigido por Yago Paolo. Durante as duas próximas semanas serão exibidos mais quatro produções, fruto de trabalho da equipe de audiovisual coordenada pelo cineasta e professor Kleyton Canuto. Os vídeos serão disponibilizados no site www.reporterjunino.com.br, no canal do Repórter Junino no Youtube e compartilhados nas demais plataformas digitais do projeto.
Assista ao documentário “São João de Adon: Museu Vivo do Nordeste”
A equipe de audiovisual é formada por 15 alunos, que prepararam roteiros e desbravaram os lugares e contextos para produzir os documentários com as temáticas de São João de bairro, São João na roça tradicional, São João e identidade de gênero nas quadrilhas, São João alternativo e São João na cultura de terreiro (festa de xangô). A riqueza da festa e suas dimensões estão presentes com imagens inéditas das formas de comemorar o evento e como o povo se sente representado.
Os documentários foram gravados em 2019 entre junho e julho, em Campina Grande e na zona rural, abordando a diversidade das manifestações culturais. E agora em 2020, depois do processo de edição, animação e de créditos os vídeos estão sendo disponibilizados para o público. O Repórter Junino decidiu fazer o lançamento da série documental em junho para que todos possam reviver as imagens da festa e conhecer um pouco mais sobre as comidas típicas, dos ritmos e das manifestações genuínas para além do Parque do Povo e também dentro do Parque do Povo.
Temáticas dos documentários: diversidade e representatividade
O cineasta e professor de Jornalismo da UEPB, Kleyton Canuto, que coordenou a equipe, explica como surgiu a ideia para a produção com as temáticas variadas e o processo de construção dos roteiros: “Em 2018 formamos inicialmente a equipe que buscava abordar o São João nas diferentes facetas e fora do contexto espetacular da festa turística […] Então a gente buscou compreender as potencialidades do São João, mas as manifestações mais próximas do povo como a questão religiosa, a questão de identidade, que estão na festa, mas que não são abordadas pela lógica midiática hegemônica”, destacou.
Kleyton Canuto tem ampla experiência com o audiovisual na prática e na teoria. Já participou de diversos filmes e curtas-metragens como ator, diretor ou como integrante de equipes de filmagem com prêmios em alguns dos principais festivais do país. Da prática, também decidiu transformar a experiência em observação científica estudando os festivais de cinema da Paraíba por meio de tese doutoral defendida em 2019 no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN e como professor na área audiovisual no curso de Jornalismo da Universidade Estadual da Paraíba, onde como coordenador de audiovisual do projeto Repórter Junino vem desenvolvendo documentários voltados para a cultura popular.
Uma das alunas integrantes da equipe é Sarah Cristinne, que em 2018 dirigiu o curta “Pelos Olhos do Povo” enfocando os personagens que fazem a festa de São João no Parque do Povo, como os barraqueiros. Agora ela também participou dos documentários e reforça a visão da equipe para esta série. “A oportunidade de vivenciar o São João de formas diferentes: São João nos sítios, nos bairros, São João sobre a visão do Candomblé… Nos tirou totalmente da nossa zona de conforto, ampliando os horizontes numa experiência etnográfica incrível, registrada da melhor forma possível para transmitir o mesmo para o espectador: A saudade que essa festa traz”, entusiasma-se Cristinne, que foi responsável pelo documentário que mostra a perspectiva do São João no Candomblé.
Yago Paolo, diretor do documentário “São João de Adon – Museu Vivo do Nordeste” que está sendo o primeiro documentário da série lançado hoje, reflete sobre como é importante ver a festa através de outra perspectiva. “É de suma importância registrar um São João que preza o resgate histórico do tradicionalismo das festas juninas. O paralelo entre o Maior São João do Mundo e os festejos mais tradicionais é abordado na narrativa pelo professor Adoniran, na intenção de que haja um diálogo entre os dois modelos tão distintos. Nossa digital histórica não deve ser perdida por quaisquer motivos”, enfatiza. Yago Paolo já vem atuando no audiovisual. Em 2019 foi selecionado pelo Canal Futura, parceiro da UEPB, para participar do Geração Futura. É também diretor do filme Galos de Campina, que fala sobre a influência de Jackson do Pandeiro e ganhou as telas em 2019.
Essa experiência de poder mostrar a riqueza, por vezes esquecida, da nossa cultura também fez o aluno Rafael Costa meditar sobre o assunto. Ele participou da equipe responsável por mostrar como se dá o São João nos bairros de São José da Mata. “Participar da equipe me causou uma sentimento de nostalgia e também de reflexão, sobre como, apesar de tentarmos manter a tradição, nossa identidade vem se modificando ao longo dos anos. Cada personagem que entrevistamos, em minha memória passava-se um filme sobre tudo que a gente viveu quando criança. Desde a compra do milho até a arrumação da fogueira, dos fogos de São João que soltamos. Esse processo de significação da cultura popular junina mexe com a gente de uma forma inexplicável, porque a alguns quilômetros dali acontecia o show de Elba Ramalho no palco do Maior São João do Mundo, que indiscutivelmente já deixou de ser algo nosso para ser algo mais comercial”, observa.
Em cada um desses documentários está presente a essência da festa junina nordestina e da identidade tão singular do seu povo. Nos municípios circunvizinhos à Campina Grande, a tradição se preserva com maior facilidade, onde os costumes e a religiosidade ainda são fortes, como relata Inaldete Almeida, diretora do documentário referente ao São João rural. “Foi muito gratificante encontrar uma comunidade onde as antigas tradições das Festas Juninas permanecem vivas e são transmitidas às novas gerações. Deparamo-nos com alguns rituais que estão quase extintos, entre eles a cerimônia de batizar um afilhado em volta da fogueira, as comadres e compadres de fogueira e ainda as simpatias para que a chuva não viesse a atrapalhar a festa de São João”, conta ela.
Processo de edição e bastidores da produção
Na finalização dos documentários, todo o processo de montagem e edição também foi feito com a colaboração dos alunos do projeto Repórter Junino. Através dos roteiros, antecipadamente escritos pelos diretores, o editor pode ter uma noção de qual é a idéia a ser passada. O videomaker, fotógrafo e aluno de jornalismo da UEPB, Gabriel Heitor, foi o responsável pela edição e animação dos teasers e documentários, estando envolvido diretamente nesse procedimento e expressou sua satisfação em poder contribuir. “Realizar a edição dos documentários do Repórter Junino tem sido bem interessante, principalmente por esse processo está acontecendo durante a pandemia.
Vejo como um trabalho muito prazeroso, visto que esses festejos juninos carregam muito das raízes do nosso povo e poder contribuir com a forma como essas histórias vão chegar ao público tem um valor incalculável para um comunicador, sem falar que estar envolvido na edição me dá a chance de matar um pouco da saudade que estou (assim como tantos nordestinos) do São João”, destacou. Heitor já foi premiado no Festival Comunicurtas com suas produções.
[Saiba mais sobre o projeto…
15 anos do Projeto Repórter Junino: laboratório de produção audiovisual e multiplataforma
A série documental São João: Digitais do Povo Nordestino também concretiza a essência do Projeto Repórter Junino, que há 15 anos vem sendo um grande laboratório de experiências para os alunos do Curso de Jornalismo, da UEPB e do Curso de Educomunicação da UFCG, que participa do projeto desde 2012 como parceiro. No projeto, ao longo deste tempo, alunos de várias universidades do Nordeste estagiaram no Repórter Junino por ser modelo de cobertura do São João, além do aspecto de inovação com experimentação de novas tecnologias e formatos como transmissão ao vivo em 360 graus, direto do Parque do Povo a partir da noção de Realidade Virtual e desde 2011 com lives, antecipando-se às atuais que se propagaram com shows, por meio de smartphone, tablets, microfones unidirecionais e conexão 3G e 4G.
O projeto também adotou desde 2011 o conceito de “redação em nuvem” com a descentralização da redação trabalhando de forma remota em plataformas de edição e de fluxo de trabalho com equipes em diferentes lugares com capacidade para produção, edição e publicação por meio de smartphones e computadores desktop. Com uma redação composta por 70 alunos, selecionados anualmente, o projeto vem adotando tecnologias para melhorar o fluxo de trabalho. Em 2018 desenvolveu aplicativo específico de controle de pautas com app multiplataforma a partir do trabalho de bolsista do projeto da área de computação.
A atuação no jornalismo digital envolve fotografia, audiovisual, mídia sonora, conteúdos jornalísticos hipertextuais. O criador e coordenador do projeto Repórter Junino explica a missão do projeto: “O Repórter Junino tem duas missões muito claras: ser um laboratório avançado de práticas jornalísticas em contexto multiplataforma que permita formação dos alunos para o jornalismo digital e outras mídias. Segundo, ao longo dos 15 anos se tornou uma referência de cobertura do São João valorizando a cultura popular, as manifestações de base e a visibilidade dos artistas e comunidades que não têm muito espaço mesmo sendo os baluartes da festa junina. Os documentários produzidos agora são um reflexo da visão que o projeto tem sobre isto e uma contribuição para manter essas tradições em evidência porque, por incrível que pareça, muitos não conhecem esses artistas e realizadores dentro da própria cidade como os trios de forró, os artesãos, os barraqueiros, os vendedores de comidas típicas, as costureiras de roupas juninas, entre outros”, conclui.
Acompanhe a cobertura do São João e da cultura popular nas plataformas do projeto em www.reporterjunino.com.br e nos perfis do Facebook, Instagram, YouTube e Twitter.