Entenda como esse produto tornou-se uma esperança de sustentabilidade para o mundo
Reportagem especial: Elissandra Souza, Matteus Alves e Raquel Franklin

O cantor Ton Oliveira traz em sua música o algodão colorido como algo exuberante e que representa a alegria do povo nordestino e a riqueza das nossas terras, porém, o consumo dele no Nordeste ainda é baixo. Essa realidade muda durante o período junino já que o movimento de turistas na região faz a procura de mercadorias feitas a partir do algodão colorido crescer e os artesãos da região aumentam o ritmo de produção para atender a demanda. Essa prática ajuda a proteger o meio ambiente.
De acordo com a Global Fashion Agenda, uma empresa sem fins lucrativos que promove a colaboração da indústria em sustentabilidade na moda, as indústrias têxteis são consideradas a segunda mais poluidora do mundo, ficando atrás apenas das indústrias petrolíferas. Essa pesquisa aponta que foram descartadas mais de 90 milhões de toneladas de sobras têxteis, por ano, e mostra uma projeção de mais de 140 milhões de toneladas até 2030. Esse crescimento se tornou frequente por causa do modelo de produtos Fast Fashion, que tem o objetivo de fabricar roupas de forma rápida, mas que possuem pouca qualidade e são descartadas após um curto período de tempo.
Agda Aquino é professora da Universidade Estadual da Paraíba e jornalista de moda, e comenta sobre a sustentabilidade que o algodão colorido impacta: “O que começou essa questão da sustentabilidade é porque ele não precisa tingir, o tingimento é uma das coisas que mais prejudica o meio ambiente no mundo da moda. Essa parte de tintura não precisa do algodão colorido, e que se encaixa nesse plantio sustentável porque podia ser um plantio violento com a natureza ou trabalho escravo, mas tá afinado a todas as tendências mundiais para ser um produto sustentável para as pessoas, meio ambiente e de estilo.”
O algodão colorido entra como uma solução para o Slow Fashion, que preza pela consciência socioambiental, além de uma produção de qualidade. Agda nos fala que a sustentabilidade está crescendo cada vez mais no mundo da moda, diz: “A sustentabilidade está em alta no mundo, nos últimos anos vimos um movimento crescente [..] eu acredito muito nesse processo e é um único caminho viável para que o mundo se sustente no quesito de produção de roupas, ou a gente vai para esse caminho de sustentabilidade ou vai se autodestruir enquanto planeta, não tem outra opção.”

Primeiras pesquisas
O Algodão colorido é muito antigo. Já foram encontrados em escavações feitas no Peru e Paquistão. Em 1990, os pesquisadores possuindo uma visão de mercado e percebendo que aquilo era promissor, iniciaram as pesquisas a partir de matrizes de algodão arbóreo (algodão comum no Nordeste, plantado no solo seco e em regiões quentes) colorido, que foram coletados de Milagres (CE) e de Acari (RN), fazendo então os primeiros cruzamentos. Através de diversos testes e cruzamentos, hoje já é possível cultivar algodão colorido das cores: marrom, verde, rubi, safira e topázio.
Entrevistamos Felipe Guimarães, analista de Transferência de Tecnologia da Embrapa Algodão. Atualmente a conscientização da sociedade em relação a sustentabilidade fez com que a procura pelo algodão colorido aumentasse, além de ser uma alternativa mais econômica.
“Justamente por esses motivos, tanto ambiental, econômico, viu-se que poderia ser uma alternativa interessante ter algodão colorido, já que ele já existe na natureza e não precisa de tingimento.”
Porém, os primeiros exemplos coletados não tinham os requisitos que o algodão oferecia, como comprimento adequado, resistência da fibra e elasticidade. A Embrapa precisou fazer um intercâmbio com outras instituições de pesquisa de algodão para a troca de materiais para começar o processo de melhoramento genético, que é lento e exige muita paciência e cruzamentos até chegar em um resultado adequado e ele detalha esse processo.
“Começa a fazer um melhoramento, começa a cruzar esses materiais coloridos com esses materiais brancos que já existem no mercado e tem as características de fibra que você quer, é um processo lento porque você tem que juntar as duas plantas e quando elas se desenvolvem, pra você ter uma ideia, o algodão demora em médias 150 dias, aí quando eles florescerem, você vai fazer a polarização desses materiais do cruzamento.”
Felipe Guimarães continua explicando como o processo segue: “Aí depois que nascer esses materiais, depois de fecundados as flores, desenvolve cúpula, semente a gente pode analisar e tudo mais, aí você colhe, e aí vai analisar o comprimento da fibra, analisa as cores que vem através deste cruzamento, aí vai fazendo cruzamentos, cruzamentos, na verdade é uma infinidade de cruzamentos, a partir da décima produção aí você vai ver o que está se adequando, o que deram certo e começa a reavaliar, ou seja, para desenvolver um material desse, é em média 10 a 15 anos, para chegar a cultivar.”
A primeira planta a ser colhida desse processo foi no ano 2000, ou seja, só 10 anos após o início do experimento. Mas a produção ainda é muito inferior se comparada a produção do algodão branco, que chega de 4.500kg a 5.000kg por hectare, enquanto o colorido chega a metade disso, 2.500kg. Isso tem relação com as dificuldades encontradas pelos agricultores de cultivar o algodão, já que em sua maioria precisa de assistências públicas, além de que o tempo é muito importante para o cultivo.
A mão de obra também é um fator que dificulta o aumento da produção. A imigração de pessoas do campo para a cidade está cada vez mais em alta, e os que ficam no campo cobram cada vez mais caro. Mas segundo Felipe, esse cenário está perto de mudar, pois a procura pelo algodão colorido está cada vez maior, e os agricultores estão cada vez mais investindo nesse segmento do mercado.
O sucesso do algodão colorido fora do Nordeste
O algodão colorido é uma das matérias primas mais procuradas pelo mundo por produtores ou empresas que visam o conceito de sustentabilidade e do movimento contrário ao Fast Fashion.
A Rede Borborema de Agroecologia (RBA) é uma associação criada em 2013 pelos agricultores dos Assentamentos Queimadas (Remígio), Assentamento Margarida Maria Alves (Juarez Távora), em parceria com a Embrapa Algodão, Prefeitura Municipal de Remígio e a ONG Arribaçã. O que motivou os agricultores a criarem o RBA foi a geração autônoma de certificação, causando o fortalecimento da agricultura familiar agroecológica e dessa forma, trazendo renda para as mesmas. Ainda gerando segurança alimentar para as famílias da associação, produzindo alimentos saudáveis para seus consumidores.
Atualmente os produtores da RBA comercializam a pluma de algodão para duas empresas: a Vert, conhecida pelo mundo como Veja, e a estilista Flávia Aranha.
Um dos produtos da empresa Veja é o Vert Shoes, tênis de design francês com matéria prima advindas de agricultores familiares e seringueiros brasileiros. Eles vendem o conceito de serem contra o trabalho análogo à escravidão e valorizam a fabricação além dos os seus fabricadores. Com isso, eles têm mais de mil famílias no Nordeste, atuando em 7 estados, e que ajudam o desenvolvimento local dessas famílias. Já a Flávia Aranha, é uma estilista de São Paulo que compra algodão de pequenos produtores. Ela visa produzir roupas totalmente naturais.
Suzana Aguiar, 28, é secretária executiva da Rede Borborema de Agroecologia e sua família produz algodão agroecológico certificado desde 2006.
“Mas a minha família produz algodão desde os anos 80. Ou antes disso. Mas a minha bisavó e o meu bisavô já produziam o Algodão, mas na época era o algodão mocó (é o algodão branco que melhor se adapta aos sertões e são mais resistentes às secas). Então a cultura do algodão tá na minha família desde os meus antepassados, praticamente“.
Ela nos conta que a região Nordeste sempre foi um polo na produção de algodão que chegou uma época em que Campina Grande só perdia para Liverpool, na Inglaterra.
“Então é um polo muito conhecido, então o algodão sempre foi uma base econômica. Não só de poder econômico, mas também social“.
Mas hoje em dia não parece diferente, Suzana defende que o produtor pode plantar pois tem quem compre. “O mercado tá gritando por algodão agroecológico. É um crescente. “.
Suzana nos diz que as famílias sempre falam que o algodão é o décimo terceiro, pois é a última cultura que vai sair do roçado. “A gente começa o plantio lá em fevereiro nas primeiras chuvas. Planta o feijão macassar, planta milho… começa o preparo da terra, mas a última cultura que vai sair do campo é o algodão. “
Então ele será a última fonte de renda depois de todas as culturas já saírem do roçado. Ele é plantado em sequeiro, onde não se usa irrigação e depende totalmente da chuva. Ela completa:
“E o algodão em si tá voltando muito forte aqui na região da Borborema justamente por conta dessas mudanças climáticas. Somos a única cultura que está se adaptando bem. Então por mais que tenham as mudanças do clima, com poucas chuvas, o algodão tá sempre resistindo.”
Pequenas ações
Por conta das pesquisas e das cores disponíveis hoje no mercado, o cultivo de algodão colorido gerou emprego e renda na agricultura familiar do Semiárido. Um desses exemplos é a BioCaatinga, um projeto que visa a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente através do algodão colorido. O projeto teve o seu início no final de 2021 pelo casal criador Rejane Silva Santos e Ivan dos Santos Junior. Viviam uma vida de muito estresse na cidade grande, e decidiram viver de uma forma minimalista e buscando uma melhor qualidade de vida. Com isso, decidiram criar a BioCaatinga, tanto para o sustento quanto com o intuito de valorização. Ivan diz: “E pensar em o que realmente representa nossa cidade, que tem representatividade e que eu faça de uma forma que para mim seja natural, e foi aí que entrou o algodão orgânico, além dele ser muito conhecido na Europa e muitos lugares. Apesar que o nosso povo não conhecer muito ou não valoriza […} Não queríamos pensar em trabalhar com algodão orgânico por causa do turismo, pensamos na questão ecológica, na sustentabilidade. Ele por si só se sustenta.”

Atualmente, as camisas feitas de algodão são o principal produto da loja deles, mas buscam mostrar cada vez mais o bioma caatinga. Inclusive um dos planos futuros é a criação de uma tinta totalmente orgânica para ser 100% natural. Mesmo o algodão sendo uma alternativa de ter um mercado mais sustentável, essa preocupação ainda é mais de fora da nossa região, sendo os principais consumidores, pessoas do Sudeste: “Hoje em dia o nosso público é o de fora, porque o nosso povo não valoriza. Já vendemos para Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Minas Gerais. Mas o nosso público da Paraíba ainda é restrito, que poucos conhecem.”
Para diminuir essa cultura do Fast Fashion e da poluição no meio ambiente, o algodão colorido é uma alternativa que está sendo adotada cada vez mais pelas marcas, que procuram uma forma de diminuir os estragos causados nos últimos anos pelas indústrias têxteis. Além de serem sustentáveis e hipoalergênicos, são de um estilo que traz conforto, elegância e durabilidade, recursos que o meio ambiente precisa urgentemente para termos um mundo um pouco mais livre de tanta contaminação.







