Algodão colorido é um dos destaques do São João 

Campina Grande, 28 de junho de 2023

Entenda como esse produto tornou-se uma esperança de sustentabilidade para o mundo


Reportagem especial: Elissandra Souza, Matteus Alves e Raquel Franklin



Produtos do algodão colorido

O cantor Ton Oliveira traz em sua música o algodão colorido como algo exuberante e que representa a alegria do povo nordestino e a riqueza  das nossas terras, porém, o consumo dele no Nordeste ainda é baixo. Essa realidade muda durante o período junino já que  o movimento de turistas na região faz a procura de mercadorias feitas a partir do algodão colorido crescer e os artesãos da região aumentam o ritmo de produção para atender a demanda. Essa prática ajuda a proteger o meio ambiente.

De acordo com a Global Fashion Agenda, uma empresa sem fins lucrativos que promove a colaboração da indústria em sustentabilidade na moda, as indústrias têxteis são consideradas a segunda mais poluidora do mundo, ficando atrás apenas das indústrias petrolíferas. Essa pesquisa aponta que foram descartadas mais de 90 milhões de toneladas de sobras têxteis, por ano, e mostra uma projeção de mais de 140 milhões de toneladas até 2030. Esse crescimento se tornou frequente por causa do modelo de produtos Fast Fashion, que tem o objetivo de fabricar roupas de forma rápida, mas que possuem pouca qualidade e são descartadas após um curto período de tempo.

Agda Aquino é professora da Universidade Estadual da Paraíba e jornalista de moda, e comenta sobre a sustentabilidade que o algodão colorido impacta: “O que começou essa questão da sustentabilidade é porque ele não precisa tingir, o tingimento é uma das coisas que mais prejudica o meio ambiente no mundo da moda. Essa parte de tintura não precisa do algodão colorido, e que se encaixa nesse plantio sustentável porque podia ser um plantio violento com a natureza ou trabalho escravo, mas tá afinado a todas as tendências mundiais para ser um produto sustentável para as pessoas, meio ambiente e de estilo.” 

O algodão colorido entra como uma solução para o Slow Fashion, que preza pela consciência socioambiental, além de uma produção de qualidade. Agda nos fala que a sustentabilidade está crescendo cada vez mais no mundo da moda, diz: “A sustentabilidade está em alta no mundo, nos últimos anos vimos um movimento crescente [..] eu acredito muito nesse processo e é um único caminho viável para que o mundo se sustente no quesito de produção de roupas, ou a gente vai para esse caminho de sustentabilidade ou vai se autodestruir enquanto planeta, não tem outra opção.”


Camisa feita para a venda da BioCaatinga. Foto: Matteus Alves 

Primeiras pesquisas

O Algodão colorido é muito antigo. Já foram encontrados em escavações feitas no Peru e Paquistão. Em 1990, os pesquisadores possuindo uma visão de mercado e percebendo que aquilo era promissor, iniciaram as pesquisas a partir de matrizes de algodão arbóreo (algodão comum no Nordeste, plantado no solo seco e em regiões quentes) colorido, que foram coletados de Milagres (CE) e de Acari (RN), fazendo então os primeiros cruzamentos. Através de diversos testes e cruzamentos, hoje já é possível cultivar algodão colorido das cores: marrom, verde, rubi, safira e topázio.

Entrevistamos Felipe Guimarães, analista de Transferência de Tecnologia da Embrapa Algodão. Atualmente a conscientização da sociedade em relação a sustentabilidade fez com que a procura pelo algodão colorido aumentasse, além de ser uma alternativa mais econômica.

“Justamente por esses motivos, tanto ambiental, econômico, viu-se que poderia ser uma alternativa interessante ter algodão colorido, já que ele já existe na natureza e não precisa de tingimento.”

Porém, os primeiros exemplos coletados não tinham os requisitos que o algodão oferecia, como comprimento adequado, resistência da fibra e elasticidade. A Embrapa precisou fazer um intercâmbio com outras instituições de pesquisa de algodão para a troca de materiais para começar o processo de melhoramento genético, que é lento e exige muita paciência e cruzamentos até chegar em um resultado adequado e ele detalha esse processo.

“Começa a fazer um melhoramento, começa a cruzar esses materiais coloridos com esses materiais brancos que já existem no mercado e tem as características de fibra que você quer, é um processo lento porque você tem que juntar as duas plantas e quando elas se desenvolvem, pra você ter uma ideia, o algodão demora em médias 150 dias, aí quando eles florescerem, você vai fazer a polarização desses materiais do cruzamento.” 

Felipe Guimarães continua explicando como o processo segue: “Aí depois que nascer esses materiais, depois de fecundados as flores, desenvolve cúpula, semente a gente pode analisar e tudo mais, aí você colhe, e aí vai analisar o comprimento da fibra, analisa as cores que vem através deste cruzamento, aí vai fazendo cruzamentos, cruzamentos, na verdade é uma infinidade de cruzamentos, a partir da décima produção aí você vai ver o que está se adequando, o que deram certo e começa a reavaliar, ou seja, para desenvolver um material desse, é em média 10 a 15 anos, para chegar a cultivar.”

A primeira planta a ser colhida desse processo foi no ano 2000, ou seja, só 10 anos após o início do experimento. Mas a produção ainda é muito inferior se comparada a produção do algodão branco, que chega de 4.500kg a 5.000kg por hectare, enquanto o colorido chega a metade disso, 2.500kg. Isso tem relação com as dificuldades encontradas pelos agricultores de cultivar o algodão, já que em sua maioria precisa de assistências públicas, além de que o tempo é muito importante para o cultivo.

A mão de obra também é um fator que dificulta o aumento da produção. A imigração de pessoas do campo para a cidade está cada vez mais em alta, e os que ficam no campo cobram cada vez mais caro. Mas segundo Felipe, esse cenário está perto de mudar, pois a procura pelo algodão colorido está cada vez maior, e os agricultores estão cada vez mais investindo nesse segmento do mercado. 



 O sucesso do algodão colorido fora do Nordeste

O algodão colorido é uma das matérias primas mais procuradas pelo mundo por produtores ou empresas que visam o conceito de sustentabilidade e do movimento contrário ao Fast Fashion.

A Rede Borborema de Agroecologia (RBA) é uma associação criada em 2013 pelos agricultores dos Assentamentos Queimadas (Remígio), Assentamento Margarida Maria Alves (Juarez Távora), em parceria com a Embrapa Algodão, Prefeitura Municipal de Remígio e a ONG Arribaçã. O que motivou os agricultores a criarem o RBA foi a geração autônoma de certificação, causando o fortalecimento da agricultura familiar agroecológica e dessa forma, trazendo renda para as mesmas. Ainda gerando segurança alimentar para as famílias da associação, produzindo alimentos saudáveis para seus consumidores.

Atualmente os produtores da RBA comercializam a pluma de algodão para duas empresas: a Vert, conhecida pelo mundo como Veja, e a estilista Flávia Aranha.

Um dos produtos da empresa Veja é o Vert Shoes, tênis de design francês com matéria prima advindas de agricultores familiares e seringueiros brasileiros. Eles vendem o conceito de serem contra o trabalho análogo à escravidão e valorizam a fabricação além dos os seus fabricadores. Com isso, eles têm mais de mil famílias no Nordeste, atuando em 7 estados, e que ajudam o desenvolvimento local dessas famílias. Já a Flávia Aranha, é uma estilista de São Paulo que compra algodão de pequenos produtores. Ela visa produzir roupas totalmente naturais.

Suzana Aguiar, 28, é secretária executiva da Rede Borborema de Agroecologia e sua família produz algodão agroecológico certificado desde 2006.

“Mas a minha família produz algodão desde os anos 80. Ou antes disso. Mas a minha bisavó e o meu bisavô já produziam o Algodão, mas na época era o algodão mocó (é o algodão branco que melhor se adapta aos sertões e são mais resistentes às secas). Então a cultura do algodão tá na minha família desde os meus antepassados, praticamente“.

Ela nos conta que a região Nordeste sempre foi um polo na produção de algodão que chegou uma época em que Campina Grande só perdia para Liverpool, na Inglaterra.

“Então é um polo muito conhecido, então o algodão sempre foi uma base econômica. Não só de poder econômico, mas também social“.

Mas hoje em dia não parece diferente, Suzana defende que o produtor pode plantar pois tem quem compre. “O mercado tá gritando por algodão agroecológico. É um crescente. “.

Suzana nos diz que as famílias sempre falam que o algodão é o décimo terceiro, pois é a última cultura que vai sair do roçado. “A gente começa o plantio lá em fevereiro nas primeiras chuvas. Planta o feijão macassar, planta milho… começa o preparo da terra, mas a última cultura que vai sair do campo é o algodão. “

Então ele será a última fonte de renda depois de todas as culturas já saírem do roçado. Ele é plantado em sequeiro, onde não se usa irrigação e depende totalmente da chuva. Ela completa:

“E o algodão em si tá voltando muito forte aqui na região da Borborema justamente por conta dessas mudanças climáticas. Somos a única cultura que está se adaptando bem. Então por mais que tenham as mudanças do clima, com poucas chuvas, o algodão tá sempre resistindo.


 Pequenas ações

         Por conta das pesquisas e das cores disponíveis hoje no mercado, o cultivo de algodão colorido gerou emprego e renda na agricultura familiar do Semiárido. Um desses exemplos é a BioCaatinga, um projeto que visa a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente através do algodão colorido. O projeto teve o seu início no final de 2021 pelo casal criador Rejane Silva Santos e Ivan dos Santos Junior. Viviam uma vida de muito estresse na cidade grande, e decidiram viver de uma forma minimalista e buscando uma melhor qualidade de vida. Com isso, decidiram criar a BioCaatinga, tanto para o sustento quanto com o intuito de valorização. Ivan diz: “E pensar em o que realmente representa nossa cidade, que tem  representatividade e que eu faça de uma forma que para mim seja natural, e foi aí que entrou o algodão orgânico, além dele ser muito conhecido na Europa e muitos lugares. Apesar que o nosso povo não conhecer muito ou não valoriza […} Não queríamos pensar em trabalhar com algodão orgânico por causa do turismo, pensamos na questão ecológica, na sustentabilidade. Ele por si só se sustenta.”


Criadores do projeto BioCaatinga, Rejane e Ivan. Foto: Matteus Alves 

Atualmente, as camisas feitas de algodão são o principal produto da loja deles, mas buscam mostrar cada vez mais o bioma caatinga. Inclusive um dos planos futuros é a criação de uma tinta totalmente orgânica para ser 100% natural. Mesmo o algodão sendo uma alternativa de ter um mercado mais sustentável, essa preocupação ainda é mais de fora da nossa região, sendo os principais consumidores, pessoas do Sudeste: “Hoje em dia o nosso público é o de fora, porque o nosso povo não valoriza. Já vendemos para Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Minas Gerais. Mas o nosso público da Paraíba ainda é restrito, que poucos conhecem.” 


Para diminuir essa cultura do Fast Fashion e da poluição no meio ambiente, o algodão colorido é  uma alternativa que está sendo adotada cada vez mais pelas marcas, que procuram uma forma de diminuir os estragos causados nos últimos anos pelas indústrias têxteis. Além de serem sustentáveis e hipoalergênicos, são de um estilo que traz conforto, elegância e durabilidade, recursos que o meio ambiente precisa urgentemente para termos um mundo um pouco mais livre de tanta contaminação.


Sacos de algodão. Foto: Matteus Alves 

Algodão em refrigeração na Embrapa Algodão. Foto: Matteus Alves 

Algodão colorido de perto. Foto: Matteus Alves 

Sementes de algodão na cor diamante. Foto: Matteus Alves 

Sementes de algodão na cor Jade. Foto: Matteus Alves 

Sementes de algodão na cor Verde. Foto: Matteus Alves

Sementes de algodão na cor Rubi. Foto: Matteus Alves 

Bobina de fios de algodão colorido. Foto: Raquel Franklin

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