REPORTAGEM ESPECIAL: Casamento coletivo reúne 150 casais no São João

Campina Grande, 19 de junho de 2014
Foto: Maria Clara Monteiro

Foto: Maria Clara Monteiro

 

Por Igrid Bergman e Luan Coroliano

Do olhar enamorado do casal ao oficial “sim”, numa festa repleta de muita comida, bebida e uma decoração pomposa, não percebemos, muitas vezes, que nas entrelinhas de cada história há uma questão pertinente para tal realização: os gastos financeiros para que esse “sim” vire realidade.  A falta de recursos é vista como um dos principais motivos para adiar o sonho do casamento. São gastos para dar entrada nos papéis junto ao cartório civil, pagar taxas, fazer fotocópias, mudar a documentação, fazer a festa… enfim, uma série de despesas que muitos cidadãos não têm condições de custear, gerando um adiamento que parece nunca ter fim.

Há 15 anos, a promoção do Casamento Coletivo criado para os que decidem oficializar a união, realizado na Pirâmide do Parque do Povo durante o “Maior São João do Mundo” de Campina Grande, na Paraíba, no mês de junho, é uma cerimônia digna de príncipes e princesas e que permite a realização do oficial “sim” sem que as limitações financeiras prejudiquem ou cancelem o sonho do casal. Este ano, o evento ocorreu no último dia 13 de junho  e reuniu 150 casais.  Além dos noivos contarem com o direito de figurino (vestido de noiva ou terno), produção visual (maquiagem e cabeleireiro), álbum de fotos e festa, a edição deste ano ainda trouxe a novidade do casamento homoafetivo.

Bem-casados oferecidos aos noivos e convidados que participaram do casamento coletivo

Bem-casados oferecidos aos noivos e convidados que participaram do casamento coletivo. Foto: Agda Aquino

A cada nova edição, o casamento coletivo vem ganhando destaque no cenário dos festejos juninos de Campina Grande. A demanda por inscrições leva as pessoas a procurarem cada vez mais cedo sua vaga na celebração coletiva. É o caso das irmãs Patrícia Avelino da Silva, Maria Luciana de Veras Matias e Maria Fabiana Avelino Matias que dormiram na fila este ano, na noite anterior ao início do período de inscrição, para garantir a vaga no casamento coletivo. Esse fato mostra que a ideia de casamento permanece viva no imaginário social.

Para o juiz de direito de Campina Grande, Kéops Vasconcelos, convidado para realizar a celebração coletiva pela quinta edição consecutiva, o casamento não pode ser considerado de uma maneira tão negativa pelas pessoas. “É verdade que existe muitos divórcios e muitos casamentos que não são bem sucedidos, mas, a meu ver, é simplesmente pela falta de sentimento realmente entre aquele casal, aquelas pessoas. […] É por meio do casamento que normalmente são constituídas as famílias. Então, a família como base da sociedade, toda estrutura de educação dos filhos realmente parte [dela], então não tem como o casamento deixar de existir”, afirmou o juiz.

A concepção e execução do casamento coletivo só ratifica que a ideia de fracasso conjugal não é unânime, sobretudo quando os direitos civis vêm ampliar as possibilidades de união civil e a noção de família como no caso das famílias  homoafetivas. Além de contribuir com a cidadania, o casamento homoafetivo “não quebra realmente a questão da relação familiar porque a própria Constituição Federal já prevê que constitui família qualquer circunstância […] não apenas aquela família tradicional de marido, mulher e filhos. Então, [a nova lei] só fez acrescer a essa relação de possibilidades, de duas pessoas do mesmo sexo, também constituir uma família”, defende Vasconcelos. Assim, a realização do casamento coletivo e a participação de casais homoafetivos inauguram uma nova página na história humana, confirmando a concepção de inovação e grandiosidade que são marcas do São João na cidade.

A festa na arquibancada

Comemoração, sonho e felicidade são algumas das características do casamento coletivo que já virou tradição durante o período junino, levando casais à realização de um momento único, mesmo que coletivamente, e tornando a ocasião num fato pra lá de especial. Sendo consequência do sucesso mundial da festa junina campinense, o casamento mudou juntamente com a festa, passando a ser indispensável no calendário do evento.

Concebido para associar-se a ideia do casamento junino (celebração que tradicionalmente ocorre durante as apresentações das quadrilhas de São João) o evento ganhou visibilidade no calendário dos festejos juninos da cidade.  Tal fato pode ser confirmado pelo número crescente de participantes que são levados pela magia que envolve a festa.  Na primeira edição, por exemplo, o casamento coletivo contava com cerca de 80 casais e esse número permaneceu até o ano de 2006. Devido o aumento da demanda nas inscrições, esse número subiu para 100 e desde 2013, conta com 150 casais que abrilhantam a festa.

A estrutura inicialmente modesta, contava com alguns poucos lugares para convidados e o público ficava de pé para prestigiar a celebração. Hoje, com estrutura moderna na Pirâmide do Parque do Povo, a cerimônia conta com arquibancadas para aproximadamente 300 expectadores e é organizado mais de 600 lugares para convidados, formando assim uma estrutura para mais de 1000 pessoas. A decoração fica por conta das bandeirolas e ornamentos típicos da festa junina, mas as tradicionais flores e arranjos também compõem o ambiente, deixando a Pirâmide ainda mais  típica do casamento com temática junina.
Durante a entrada dos casais, a Banda Filarmônica entoa a marcha nupcial e os noivos são fotografados pelos profissionais contratados pela organização do evento. O juiz então toma a palavra e realiza a celebração, como acontece normalmente nos cartórios de casamento civil, quando finalmente os noivos dizem o tão esperado “sim”.

Papel social e cidadania coletiva
A importância do casamento coletivo se dá pelo papel social que exerce frente a uma administração pública que se responsabiliza pela execução de um direito adquirido pelos cidadãos: o de casar-se legalmente. A promoção do evento vem cumprir com a promoção da cidadania, mas não fica apenas na esfera do direito, uma vez que acaba por agenciar a felicidade de milhares de famílias exatamente na época em que se realiza a maior demonstração de alegria coletiva na cidade: o Maior São João do Mundo. E nesse sentido, não existe casamento mais bem sucedido, em que homens e mulheres, príncipes e princesas fazem de um “sim” o seu “felizes para sempre”.

 

Casamento coletivo une casais junto com a família, amigos e convidados. Foto: Taysom Maytchael

Casamento coletivo une casais junto com a família, amigos e convidados. Foto: Taysom Maytchael

 

 Casamento em Família: três irmãs

Imagine três irmãs resolvendo se casar no mesmo dia e no mesmo evento? Este foi o caso das irmãs Patrícia Avelino da Silva, Maria Luciana de Veras Matias e Maria Fabiana Avelino Matias que resolveram seguir o exemplo da mãe que foi de se casar no civil e em uma cerimônia como a oferecida pelo casamento coletivo, realizado pela Prefeitura Municipal junto à Secretaria de Cultura. As irmãs, que residem no bairro da Ramadinha I, já tentaram no ano passado participar do evento, mas só conseguiram este ano se inscrever e de fato participar. Elas já viviam com seus respectivos companheiros, sendo Patrícia Avelino há 14 anos de união, Maria Luciana há 9 anos e Maria Fabiana há 17 anos. Sobre a expectativa para o evento um delas suspira: “o coração está a mil por hora”, citou.

Entre aqueles que já vivenciavam um relacionamento a dois, mesmo sem terem oficializado a relação, outro caso mostrou-se diferente destes cujos relacionamentos se davam há longas datas, como no caso do casal Carlos Alberto Gomes Ferreira e Ana Glécia Leandro que namorando há um ano e seis meses e com planos para noivarem e logo em seguida se casarem no fim do ano viram no Casamento Coletivo uma oportunidade de firmarem o compromisso. Sobre a organização do evento Carlos Alberto afirma ser “muito bem organizado, uma iniciativa ótima, pois como bem sabemos é caro o aluguel de roupas e de todo o aparato”, disse.

Após 52 aos de casada, dona Arnete da Silva Pereira, 70 anos, se separa do marido, Daniel Gomes Pereira. “Há 2 anos atrás ele me pediu o desquite e eu fui e dei o divórcio e ele foi morar com a filha, aí depois ele voltou para casa. Quando ele voltou eu  disse a ele que teríamos que casar novamente, pois eu não iria ficar com ele em casa divorciada, porque eu faço parte de uma igreja, sou evangélica.  Aí insisti com ele  que só se casaria comigo se fosse no São João no Parque do Povo”, declarou. Dona Arnete já tem 16 filhos com Daniel Gomes e agora reata as alianças com o seu ex e agora atual esposo.

Os preparativos de um dia cheio de emoção, os bastidores e a união de dezenas de casais foram registrados no vídeo que você vê abaixo:

 

Casamento homoafetivo marca a 15a edição do Casamento Coletivo no Parque do Povo

Por  Victor Posse e Edna Farias

 

Um dia que será marcado para sempre na vida de um casal. O dia do casamento é sem sombra de dúvidas mais do que especial, e para os 150 casais envolvidos no casamento coletivo, realizado na Pirâmide do Parque do Povo, com 15 anos de existência, atrai os diversos tipos de casais e, juntamente com eles, as suas histórias de vidas. Estas, em sua maioria, inusitadas e surpreendentes. Este ano, a novidade fica por conta do casamento homoafetivo entre dois casais que também disseram o sim coletivamente.

Os dois casais que participaram do evento foram Mario Fernandes e João Leal e Gheyson Figueiredo Lucena de Paiva e José Lucas Lucena de Paiva. Rompendo barreiras, o casal Gheyson Figueiredo e José Lucas, que vivem juntos a aproximadamente dois anos e três meses demostraram estar satisfeitos com este direito que os homossexuais conquistaram, e que apesar do preconceito existente em nossa sociedade muitos foram os apoios que eles tiveram da família e de amigos. “Eu acho que serve de exemplo para a sociedade em geral para quem sabe ano que vem a gente veja 10, 15 casais porque este ano só foram dois”, contou Gheyson Figueiredo cheio de expectativas. O casal já tinha interesse de se casar no civil, mas aguardavam ordem judicial e ainda estava nos planos do mesmo realizar a união estável, mas como surgiu a oportunidade entre os meses de março e abril e, também, por questões econômicas, optaram pelo casamento coletivo. “Acredito que a questão maior deste evento está em confirmar realmente o que um sente pelo o outro”, declarou Gheyson Figueiredo.

Pela primeira vez, casais homoafetivos dizem sim no casamento coletivo. Foto: Maria Clara Monteiro

Pela primeira vez, casais homoafetivos dizem sim no casamento coletivo. Foto: Maria Clara Monteiro

Sobre a organização do evento José Lucas Lucena de Paiva aponta como positiva. “Tivemos uma reunião onde foram passadas todas as orientações sobre o casamento. A prefeitura está de parabéns.  E a pessoa de Tatiana Monteiro, da Secretaria de Cultura, representa isso muito bem. Ela auxiliou todos os casais e eu me senti muito bem acolhido pela prefeitura através de Tatiana”. Tendo apenas dois casais homossexuais na participação do evento e em decorrência disso haver certo grau de exposição,  o casal Gheyson e José Lucas não demonstraram preocupação quanto a isto. “Nunca tive o interesse de expor a minha vida nem a vida do meu companheiro apesar de a gente já saber que isso poderia acontecer, mas este momento do São João serve para que um tabu seja quebrado”, enfatizou Gheyson.

Desde o ano passado que o casamento homoafetivo, passou a ser legalizado por uma resolução do Conselho Nacional de Justiça. Tal inclusão, segundo o juiz de Direito de Campina Grande, Kéops Vasconcelos, é vista como uma atitude de ampliação da cidadania, uma vez que reconhece, de direito, um tipo de união que acontece de fato e faz parte da realidade social vigente.

Mudança – A cerimônia foi realizada pelo juiz Keops de Vasconcelos, tendo em vista que a união no civil já tenha ocorrido no mês de maio, a cerimônia realizada na Pirâmide do Parque do Povo serviu simbolicamente para oficializar a união dos casais ali envolvidos no evento, tendo direito a tudo quanto um casal necessita para uma cerimônia como esta. Toda a preparação, mais precisamente das noivas, foi realizada no Centro Cultural Lourdes Ramalho que localiza-se as mediações do Parque do Povo.

No local as noivas receberam vários serviços de profissionais como maquiadores e cabeleireiros, e muitas se mostravam ansiosas pelo momento do evento, como é o caso de Josenilda da Silva Araújo que vive já há 16 anos com seu companheiro, José de Assis Gouveia, e que tem uma história de amor inusitada. Conhecendo-se no local onde se casaram, o relacionamento nasceu de uma aposta que José de Assis fez com alguns amigos de conquistar a então esposa. “Para mim está sendo muito emocionante está aqui hoje [dia 13 de junho] porque esperamos tanto, viajamos tanto, voltamos para cá e hoje vai ser realizado. Depois de dançar o mês todo de São João agora essa noite promete”, nos revela Josenilda cheia de expectativas.

 

Confira também a galeria de fotos especiais do Casamento Coletivo do Parque do Povo 2014.

Bastidores e preparativos do casamento coletivo

Os casais que celebraram a união

A cerimônia do casamento coletivo

Veja também:
Casais homoafetivos comemoram união em casamento coletivo

 

EQUIPE REPORTAGEM ESPECIAL
Coordenação de textos: Adriana Alves Rodrigues
Coordenação de fotos e vídeos: Agda Aquino
Galeria de fotos: Agda Aquino, Maria Clara Monteiro e Taysom Maytchael
Vídeo de bastidores do casamento: Eduardo Philippe e Jéssica Oliveira (com apoio da equipe do Pronatec/UFCG)
Edição de vídeo: Gustavo Camelo

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