ESPECIAL: Vila do Artesão – Um lugar cheio de vida(s)

Campina Grande, 12 de junho de 2016  ·  Escrito por Denize Albuquerque, Djane Assunção, Luiz Felipe Bolis e Monalisa Araújo  ·  Editado por Anthony Souza  ·  Fotos de Denize Albuquerque e Monalisa Araújo
Vila do Artesão, localizada à Rua Almeida Barreto, no bairro do São José, próximo ao corpo de bombeiros (Foto: Monalisa Araújo)

Vila do Artesão, localizada à Rua Almeida Barreto, no bairro do São José, próximo ao corpo de bombeiros (Foto: Monalisa Araújo)

 

O São João de Campina Grande é conhecido por ser o maior do mundo, porque oferece uma imensidão de atrativos e festas em diversas localidades da cidade. Uma dessas atrações, e um dos lugares mais conhecidos e enriquecido pela cultura nordestina, é a Vila do Artesão, localizada à Rua Almeida Barreto, no bairro do São José, próximo ao corpo de bombeiros.

 

O ambiente

 

A Vila foi criada em dezembro de 2010, um espaço cultural que reúne aproximadamente 300 artesãos de Campina Grande, divididos em um único local, contendo 77 lojas, uma praça de alimentação, escola de dança, um local com máquinas de costuras, uma pequena cidade cenográfica e um auditório com capacidade para 100 pessoas para apresentações. Suas ruas levam os nomes dos santos mais conhecidos aqui no Nordeste: Santo Antônio, São João, São Pedro, São Sebastião e São José.

Segundo o assessor de imprensa da Vila, Geovanni Ferreira, a Vila foi criada com intuito de acolher os artesãos que não tinham onde comercializar os produtos de suas respectivas lojas, cada uma contendo entre três e quatro artesãos que se revezam durante a semana. As lojas são divididas por tipologias, como couro, fio e os mais diversificados, todas  recebendo supervisão e administração da Agência Municipal de Desenvolvimento – AMDE, da cidade de Campina Grande.

Lojas da Vila do Artesão - Tipo Madeira (Foto: Denize Albuquerque)

Lojas da Vila do Artesão – Tipo Madeira (Foto: Denize Albuquerque)

O local está aberto ao público não somente no período junino,  mas durante todo o ano. No entanto, são mudados os horários de funcionamento, visto que o horário de funcionamento durante o ano é de segunda à sábado das 10h às 18h, enquanto que no período de São João, fica aberta de domingo à domingo das 9h às 19h.

A vila oferece junto aos seus produtos e seu enriquecimento cultural a possibilidade de especializar artesãos ou interessados com cursos de corte e costura e também de dança.  Os cursos são oferecidos a cada seis meses e ministrados por profissionais habilitados, preferencialmente destinado aos artesãos.

 

O papel da Vila na vida do artesão campinense

 

Durante o São João, Campina Grande foca todas as suas atenções para as festas juninas, atraindo a visitação de turistas das mais diversas partes do Brasil e também de outros países, mas não é assim durante os outros meses do ano. Isso sem contar que muitos dos visitantes do período junino limitam-se ao Parque do Povo (PP) e acabam esquecendo que a cidade oferece outras tantas atrações.

Nesse aspecto, uma das principais necessidades para a Vila do Artesão é a divulgação do trabalho realizado no local. Segundo a artesã Maria Roseli, 46, que trabalha com embalagens decorativas, material de tecidos e embalagens com papel especial Kraft, um tipo de papel rústico. “Seja em qualquer mês do ano, o trabalho do artesão campinense é bem aceito na Vila do Artesão. As pessoas que passam aqui se encantam com os espaços e as galerias que se mostram um espaço muito organizado”, frisou a artesã.

Ainda segundo Maria Roseli, todos os artesãos que ali estão procuram se organizar entre si para que o espaço da Vila melhore a cada ano, citando, como exemplo, que a decoração feita no período de São João foi realizada e custeada pelos artesãos. Maria também destacou que outra grande dificuldade para visitação do local é a ausência de transporte público. “Esse fator é uma reivindicação nossa de muito tempo, ou seja, linhas de transporte coletivo mais frequentes para cá, mas até hoje a gente não conseguiu direito”, concluiu.

A maioria dos artesãos que integra a vila faz parte da mesma desde a sua fundação e afirma que em nenhum circunstâncias pretende deixá-la. “A experiência é muito boa. Desde criança sempre gostei de arte e antes eu fazia o trabalho e deixava em casa, aqui eu tenho como expor, deixar de vitrina para o povo poder ver”, relatou Flávio Motta, músico e artesão,  ele e sua esposa trabalham no local desde sua fundação.

Show de Cores em meio à Vila do Artesão (Foto: Monalisa Araújo)

Show de Cores em meio à Vila do Artesão (Foto: Monalisa Araújo)

 

CRÔNICAS REAIS DA VILA: O encanto da arte

 

Ao entrar na Vila, voltamos no tempo, sentimos que deveríamos ter vivido a atmosfera dos anos passados, sentimos isso logo na entrada ao ver as composições das cores que animam o ambiente. Não sei se você, leitor, já viveu isso: quando algum dos nossos familiares nos convida para passar férias na casa dele, em lugares com aquelas belas casas no interior, com a cultura popular bem firmada e onde encontramos a tranquilidade de vagar pelas ruas; as fogueiras dos vizinhos; podemos assar o milho e viver o entusiasmo de comprar o máximo de  bombinhas, beijos de moça, chuveirinhos, mijões, na bodega de um senhorzinho. Uma tradição refletida nas brincadeiras das crianças, quando tem em seu auge a prática de juntar a turma para competir com os chuveirinhos alheios, soltar as bombinhas nos pés dos outros, os beijos de moça para estourar debaixo de latas de leite em pó, apenas para se divertir com os amigos, esses costumes que resistem ao tempo e que até hoje podemos encontrar nas localidades do interior nordestino.

Decoração dos espaços na Vila do Artesão (Foto: Monalisa Araújo)

Decoração dos espaços na Vila do Artesão (Foto: Monalisa Araújo)

A Vila conquista os visitantes e turistas de tal maneira que pedem “bis”. Por incrível que pareça, há campinenses que nunca passaram pelo local. Vamos lá, gente, visitar a Vila. Tão linda é, conta muito de nossas terras, prestigiem a arte, vale muito a pena. A Vila nos revela a beleza do antigo sertão, a história do nordestino, a garra de ser reconhecido pelo seu trabalho.

Por mais que as gerações mudem, a Vila e seus artesãos não ficaram no passado, organizam os enfeites para que os visitantes sintam intensamente o local, alteram as estratégias de comercialização dos produtos, em prol do agrado dos clientes, se desdobram para satisfazer o público que os apreciam. No encanto de suas mãos criam o artesanato, traduzem os seus pensamentos e toda criatividade na sua arte, lutam muito para mostrar a alegria de fazer com seu esforço os seus produtos.

Em contrapartida, os turistas que vão à Vila do Artesão explorar a cultura ficam maravilhados com tanta beleza e habilidade dos artistas, que, se pudessem, levariam todos os produtos para seus locais de origem. Se deliciam em deparar a história do Nordeste transmitidos nas inúmeras invenções de arte dos habilidosos homens e mulheres lutadores.

 

Segundo o grande Luiz Gonzaga, em sua canção Vida de Viajante, de 1981, podemos traduzir bastante sobre o que é ser turista e artesão nesse ambiente:

 

Ah hei…

Minha vida é andar, por este país

Pra ver se um dia, descanso feliz

guardando a recordação, das terras onde passei

Andando pelos sertões, dos amigos que lá deixei

Chuva e sol, poeira e carvão

Longe de casa, sigo o roteiro mais uma estação

E a alegria no coração

 

Ah hei…

Minha vida é andar, por este país

Pra ver se um dia, descanso feliz

guardando recordação, das terras onde passei

Andando pelos sertões, dos amigos que lá deixei

Mar e terra, inverno e verão

Mostro um sorriso, mostro alegria mas eu mesmo não

E a saudade no coração

 

Ah hei…

 

Passeio pela Vila: conhecendo as mãos talentosas

 

Olá, sejam bem-vindos à Vila do Artesão, um lugar onde a arte e a cultura nordestinas nos transportam para um mundo belo, em que o colorido do moderno e do tradicional tornam a vida mais agradável. Vamos agora fazer um passeio por essa vila repleta de artesanatos e de histórias. Iremos conhecer os artesãos, verdadeiros artistas. Prepare a sua “chinela” e os seus pés, porque agora nós vamos caminhar pela Vila do Artesão.

Acompanhem-nos, pois logo mais ali na frente há uma pessoa que desejamos lhes apresentar.

Esta é Carleuza, uma mulher muito bem-humorada que nos mostra o quão valoroso é ser um filho deste Nordeste.

Dona Carleuza posando com uma das bolsas que confeccionou recentemente (Foto: Monalisa Araújo)

Dona Carleuza posando com uma das bolsas que confeccionou recentemente (Foto: Monalisa Araújo)

De nome Carleuza Rodrigues de Souza, ela vai completar seis anos que trabalhando na Vila do Artesão, mas a sua história com o artesanato dura mais de vinte anos. Esta artesã demonstra todo o seu talento nas bolsas de tecido que produz, como vocês podem perceber acima, além das outras peças de artesanato que suas mãos criam para serem comercializadas num chalé da Vila do Artesão. Esse, por sinal, que divide com mais uma colega artesã, situação essa que acontece comumente na Vila, no qual os mais de setenta chalés são divididos entre as centenas de artesãos e artesãs locais.

Dona Carleuza, que nasceu no município de Areia-PB e mora em Campina Grande há quarenta e cinco anos, conta-nos um pouco mais da sua trajetória como artesã:

– Por volta de duas décadas atrás, eu e uma colega fomos convidadas a expor os nossos artesanatos lá no Parque do Povo, na Vila Nova da Rainha, no primeiro ano desta rua temática em homenagem a uma das ruas mais antigas de Campina Grande. Foi o melhor ano de nossas vidas. No ano seguinte, novamente estávamos como artesãs no Parque do Povo, e dali em diante a gente não parou mais. Porém, a partir de 2003, nós percebemos a necessidade que estava surgindo de termos um local fixo para trabalharmos e foi quando começamos a pedir por um espaço. Um projeto foi feito e, em 2010, nós recebemos a Vila do Artesão, o nosso artesanato tornou-se mais valorizado e estamos aqui até os dias de hoje.

A Dona Carleuza ainda revelou amar o período junino, enfatizando a alegria e a vinda dos turistas. Além disso, elogiou as ruas com seus enfeites, lembrando que celebrava, na infância, o festejo era comemorado em família, pois seus pais preferiam assim, maneira essa que ela respeita até hoje.

 

Vejam só quantas belas pinturas estão expostas naquele outro chalé. É possível vermos os rostos de Luiz Gonzaga e de Jackson do Pandeiro feitos em alto relevo; e miniaturas das casinhas regionais do Nordeste.

Pessoal, a senhora que está em frente ao estabelecimento de um colorido impressionante é a artesã Socorro, que possui mais de vinte e cinco anos de experiência com a produção manual de diademas, bonecas, chaveirinhos, arranjos de crochê, panos decorativos e outros tipos de artesanato que, em sua maioria, são feitos a partir do algodão colorido.

Dona Socorro em meio aos seus artesanatos (Foto: Monalisa Araújo)

Dona Socorro em meio aos seus artesanatos (Foto: Monalisa Araújo)

– Sejam bem vindos ao meu chalé. Me chamo Socorro e o São João representa tudo para mim, não é apenas por conta das vendas, apesar de ser a época do ano em que eu e os outros artesãos vendemos mais, mas porque é um tempo muito especial, que eu gosto bastante. Aqui na lojinha, eu tenho elefantes e os deixo dentro de um plástico para não pegarem poeira. Olhem só a minha boneca junina: os turistas amam. Estes são meus palhacinhos, minhas tulipas, minhas flores de crochê. Essas bolsas quem produz não sou eu, são da minha amiga.

Perguntada sobre o que esperado do São João, Dona Socorro respondeu querer alegria e paz vinda de Deus, por ser católica. Também afirmou que iria assistir todas as missas dos santos do mês de junholá na minha Paróquia Sagrada Família, no Rocha Cavalcante. Essa minha amiga artesã é a Solange, ela pode conversar com vocês mais um pouquinho sobre a Vila do Artesão e sobre o São João”, disse a sorridente senhora antes que falássemos com a moça que se aproximava.

Perguntamos à Solange sobre suas lembranças antigas do São João, então ela comentou sobre a época em que ficava na calçada de sua casa, rodeada pela família e amigos, dando detalhes do ambiente, como uma fogueira em que se esquentavam, algo que, segundo ela, hoje não se faz mais por conta do asfalto presente no chão das ruas. Ela ainda contou que as vendas não foram da forma como esperavam no ano passado, especialmente por conta da crise, mas que acredita em 2016 com um período junino mais rentável.

 

Vamos caminhar um pouco mais nesse momento, pois mais na frente há outra artesã que nos aguarda. Desde já a apresento para vocês: seu nome é Suely, e ela confecciona bonecas tanto para serem vendidas em seu chalé, onde temos a impressão de estarmos em uma casa de bonecas, como para comercializar a revendedores das cidades de João Pessoa e Recife.

Com toda a sua educação, ela nos convida para adentrar em sua loja e conhecer um pouco mais do seu trabalho, o qual ela narra com orgulho e brilho nos olhos:

Dona Suely, artesã de bonecas (Foto: Monalisa Araújo)

Dona Suely, artesã de bonecas (Foto: Monalisa Araújo)

– As bonecas que vocês veem representam a minha profissão, de onde eu tiro o meu sustento há vinte anos, e eu aprendi a confeccioná-las quando ainda era criança, com a minha mãe. Decidi entrar no mundo das bonecas como uma forma de poder trabalhar em casa e de cuidar mais do lar e dos “meninos pequenos”, mas agora os meus “guris” já cresceram, então eu já posso trabalhar fora de casa. Minhas bonecas são o meu cotidiano, a minha vida e a minha diversão também, um trabalho ao qual eu me dedico muito: saio daqui levando costuras para casa, chegando aqui, vou logo confeccionar as bonecas na máquina, e assim vai. Eu não sou costureira, pois não tenho ainda a habilidade de costurar roupas, as únicas coisas que costuro são as bonecas.

Pedimos para que Dona Suely nos contasse um pouco mais de sua história ela narrou que, em 2014, mostrou seu trabalho no Parque do Povo, mas que não deu certo e resolveu vir à Vila do Artesão desde então. Para mim, o São João representa uma renda extra, pois o fluxo de turistas aumenta e nós ganhamos mais”, comentou Dona Suely, ainda sobre a rentabilidade do período para a economia dos artesãos.

 

Um pouco mais a frente, tem um senhor muito conhecido na Vila do Artesão que pretendemos apresentar. Biagio Grisi é um verdadeiro artista, que se caracteriza de Lampião com o seu chapéu, que em muito se assemelha ao do cangaceiro mais famoso do Brasil. Ele produz arte em couro desde 1999, mas na Vila o seu trabalho vem sendo realizado desde o dia 22 de dezembro de 2010, quando ela foi inaugurada. Este senhor, percebendo as oportunidades que o mundo contemporâneo nos oferece, lançou na internet o seu próprio site de vendas e, desde então, vem recebendo encomendas das mais diversas regiões do Brasil e do mundo. Seu Biagio, como é conhecido, é apaixonado pela cultura do Nordeste.

Seu Biagio ao lado de sua esposa (Foto: Monalisa Araújo)

Seu Biagio ao lado de sua esposa (Foto: Monalisa Araújo)

– A tipologia do meu artesanato é o couro. Produzo desde portas-moeda, chicotes do Indiana Jones e chaveiros até chapéus de Lampião. Por mais que eu queira, aqui na loja, ser Biagio Grisi, as pessoas terminam me confundindo com Lampião, por conta do meu chapéu.

O artesão falou das quadrilhas juninas pela sua importância na cultura nordestina, criticando as quadrilhas estilizadas que, segundo ele, estão acabando com essa cultura. Seu Biagio argumentou que as quadrilhas típicas tinham características únicas, como os adereços simples e rústicos que se perderam com o tempo, porém, no fim, respeita as estilizadas pela divulgação que fazem. Em seguida, pedimos que Seu Biagio contasse mais sobre seu trabalho com o couro:

– Até 1998, eu trabalhava em uma empresa de crédito e cobrança, mas ela fechou. Então eu disse para mim mesmo que não iria mais trabalhar para ninguém, foi quando eu instalei um fiteiro na antiga Faculdade de Comunicação da UEPB e lá eu vendia chocolates, bombons, pipocas, etc. Porém, eu percebi que eu gostava mesmo era de produzir e recebi um convite para confeccionar cestarias. Em seguida tive a oportunidade de conhecer o artesão Carlos Pascoal, que é referência em no Brasil e no mundo como a pessoa que deu o pontapé inicial para se produzir réplicas dos lares regionais, tais como as casas de taipa e as cozinhas nordestinas. Assim, de 2000 a 2009, trabalhei com a madeira; o couro entrou em minha vida logo em seguida, com as miniaturas que eu comecei a fazer na Vila do Artesão e a minha loja vem sendo bem visitada, principalmente na época de São João.

Seu Biagio ainda falou da sua visão acerca da festividade junina, que contou ser uma festa em que se mistura o sagrado com o profano, que toma uma proporção maior quando é feita em Campina Grande durante os trinta dias, atraindo mais turistas de todos os lugares para conhecer tanto a festa como o seu artesanato.

 

Eita, como foi bom esse nosso passeio pela Vila do Artesão! Vamos nos despedindo aqui. Esperamos que todos vocês tenham gostado e que aproveitem para conhecer este espaço repleto de cor, de alegria e de histórias, e que, neste ano, conta ainda com as réplicas de uma capela, de uma casa de taipa e de uma bodega, construções que nos remontam para um tempo de muita confraternização e amor. Até a próxima!

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