ESPECIAL: Viva São João! Viva Xangô!

Campina Grande, 23 de junho de 2017  ·  Escrito por Ana Flávia Nóbrega e Tamyres Dysa  ·  Editado por Aldair Rodrigues

Cidade de Alagoa Grande, brejo Paraibano, 17 de junho de 2017 

 

Durante os festejos Juninos estamos acostumados a ver São João sendo exaltado. Que tal conhecermos outros personagens que também são homenageados por outras Religiões nesta época. Vamos viajar juntos nesta reportagem?

 

Viva São João! Viva Xangô!

Fogueira queimando em homenagem a Xongô no terreiro de pai Gel. (Foto: Haniel Lucena)

Fogueira queimando em homenagem a Xangô no terreiro de pai Gel. (Foto: Haniel Lucena)

A fogueira anuncia a noite de festa regada a uma imensa variedade de comidas advindas do milho e cores que enfeitam o espaço. É o prenúncio das festividades em homenagem ao nascimento de São João Batista. Anualmente as comemorações ao santo do carneirinho são diversificadas em todo o Brasil, desde o forró até encontros religiosos.

Quando trata-se de religião, é notável que, os holofotes se voltam aos costumes tradicionais, ligados ao catolicismo que comumente nos ensina mais a respeito das práticas católicas e todas as festividades juninas que se adequam a elas, principalmente no Brasil, país com maior número de católicos no mundo. Segundo o levantamento feito pelo Anuário Pontifício 2015/2017, cerca de 172,2 milhões de brasileiros seguem a religião, representando 26,4% do total de católicos no continente americano.

Estamos acostumados a associar as festas de junho aos santos da igreja católica, mas você já parou para pensar se outras religiões também comemoram esse período? Para quem e como eles prestam as devidas homenagens juninas? E qual a relação com o Santo do Carneirinho que tanto conhecemos? O Repórter Junino decidiu viver essa festa dentro do terreiro de Umbanda do Babalorixá José George, na cidade de Alagoa Grande.

Localizada no Brejo paraibano, Alagoa Grande é conhecida por ser uma cidade berço de cultura popular. É a terra do saudoso Jackson

Balões com temáticas juninas enfeitam o terreiro de pai Gel (Foto: Aldair Rodrigues)

Balões com temáticas juninas enfeitam o terreiro de pai Gel (Foto: Aldair Rodrigues)

do Pandeiro e onde ocorre anualmente a famosa corrida de Jegue, o cômico pau de sebo, os religiosos terços caseiros e muito forró pelos arredores. Além disso, é onde a nossa equipe buscou retratar com mais profundidade a festa de Xangô.

Nunca na história do município fora realizado algum registro jornalístico sobre as comemorações Umbandistas na época junina, o que contribui com a geração de inúmeros preconceitos referentes a tais práticas religiosas. A fogueira acessa por volta das 19:30h anunciou o início da festa que ocorreu no último sábado (17) e estendeu-se pela madrugada do domingo (18). O terreiro é aberto a todos os públicos que vierem em paz, não há restrição de vestes e não é cobrado nenhum tipo de taxa financeira aos visitantes.

 

Umbanda

Umbandistas reunidos no festejo a Xangô (Foto: Ana Flávia)

Umbandistas reunidos no festejo a Xangô (Foto: Ana Flávia)

A Umbanda é formada a partir da união de crenças e rituais africanos, indígenas e espíritas, fundada na década de 30 no Rio de Janeiro, é considerada uma religião 100% brasileira. Acreditando que o Universo é povoado de entidades espirituais, os chamados guias, que entram em contato com os homens através de um ‘iniciado’ (médium), que os incorpora. A missão de praticar a caridade no sentido do amor fraterno a qualquer pessoa independente da cor, raça, credo ou posição social foi tida como característica principal do culto.

Muitos confundem a Umbanda com o Candomblé, apesar das mais variadas distinções, podemos resumidamente elencar algumas das principais diferenças. O Candomblé é uma religião originária da África e chegou ao Brasil por meio dos escravos, seus seguidores cultuam os Orixás, deuses das nações africanas dotados de sentimentos humanos. Os Orixás representam elementos da natureza, são entidades com virtudes e defeitos, conhecem o destino de cada um dos mortais e possuem suas vontades reveladas através dos búzios, que somente a mãe ou o pai de santo podem jogar. Já a Umbanda considera os Orixás como espíritos ancestrais, além de também adotarem na sua religiosidade figuras indígenas, caboclos, pretos velhos e pombas giras. Possui crença na reencarnação espírita.

 

Xangô

Xangô é considerado o Deus da Justiça e do trovão, tanto para Umbanda quanto para o Candomblé. É também o senhor das pedreiras, representa a força, o raio e tem o fogo como seu elemento marcante. O seu símbolo principal é o “Oxê”, um machado de lâmina dupla que está relacionado à sua capacidade de fazer justiça analisando os dois lados. Representado pela cor vermelha e branca, ele é associado a dois santos da igreja católica: São Jerônimo e São João. A associação se dá desde o período colonial brasileiro quando os primeiros africanos de origem iorubá (povos que ocupavam a região onde ficam a Nigéria, Benin e Togo), chegaram ao país para servir como escravos. Sua religião era o candomblé, mas eles eram proibidos de cultuar seus deuses livremente, a saída foi associar os seus 16 Orixás aos numerosos santos católicos exercendo sua fé disfarçadamente, podendo assim cultuar suas divindades sem sofrer represálias. Por isso, algumas divindades estão relacionadas a mais de um santo.

Pai gel e fulano representando Xangô (Foto: Aldair Rodrigues)

Pai Gel e Jefferson Oliveira, que representou Xangô durante a festa. (Foto: Aldair Rodrigues)

O povo iorubá buscava as características dos santos que mais se assemelhasse com as de seus deuses, João Batista era encarregado de purificar os homens por meio do batismo, um valoroso pregador, amigo fiel da justiça e da verdade, bem como Xangô. No nascimento de João, sua mãe, Isabel, acendeu uma fogueira para avisar a Maria (mãe de Jesus) a chegada de seu menino. Na festa de Xangô a fogueira também é acessa com a finalidade de avisar aos demais do festejo e para queimar e destruir tudo de ruim, transformando as mazelas em  boas energias.

Semelhante ás comemorações do nascimento de São João, a data da festa de Xangô é comemorada no dia 23 de junho. Entretanto, o babalorixá José George, decide comemorar sempre no segundo sábado do mês por ser uma data mais confortável aos demais membros de seu terreiro. Durante o ritual, Pai Gel (Como é conhecido), inicia realizando a oração do Pai Nosso e da Ave Maria. A comemoração é uma verdadeira festa onde outras divindades também descem ao terreiro para abençoar aos seus filhos e visitantes. Ogum, Oxum, Iansã, Iemanjá e por fim Xangô, estiveram presentes através dos filhos e filhas de santo (médiuns), com danças, cores, cânticos, batuques e muita alegria para saldar cada um deles nas chamadas giras.

Pamonha e canjica sendo servida aos participantes das festa de Xangô (Foto: Aldair Rodrigues)

Pamonha e canjica sendo servida aos participantes das festa de Xangô (Foto: Aldair Rodrigues)

Assim como toda comemoração, não se pode faltar comida para os participantes, e na festa de Xangô não seria diferente. Pamonha, milho, angú e cerveja foram oferecidos a todos, mas a comida especial e diferenciada chamada Amalá era exclusiva do homenageado da festa. O amalá para Xangô é uma das receitas que podem ser oferecidas para a entidade, é uma oferenda feita com carne de boi, legumes e principalmente o quiabo, ingrediente muito apreciado pelo orixá.

Realizar oferendas para orixás significa um ato de agradecimentos por graças alcançadas, e por essa razão, de acordo com sua crença, Pai Geo explicou resumidamente sobre quem foram esses orixás cultuados até hoje, “Os orixás foram pessoas físicas como a gente de carne e osso que tinham gosto, vontade e prazer, por isso que quando chegam na terra eles querem fazer algumas coisas que já faziam antes, principalmente se deliciar de comidas que já gostavam em vida,” explica George. Xangô era um fiel apreciador do milho e por isso as receitas com esta base não podem faltar na sua festa.

A vida de Xangô

Todos os orixás, assim como os santos do catolicismo, são repletos de contos que são passados de geração em geração, para alguns esses contos são respeitados como histórias reais e para outros são considerados apenas como lendas ou contos populares. A Umbanda entende as suas entidades como seres que já foram humanos, e como todos os humanos eles também estavam suscetíveis a erros.

Ele é um dos orixás mais cultuados e respeitados no Brasil pelas suas origens e atitudes. Xangô era Rei de Oyó e lutou bravamente em guerra, justiceiro a divindade valorizava a verdade e cuidava da administração e do poder. Como qualquer outro humano as relações amorosas também fizeram parte de sua vida e marcam a história de mais de um orixá. Pai Gel contou ao Repórter Junino um pouco sobre a história da vida de Xangô que encanta a tantos umbandistas.

Xangô era um homem justiceiro, de garra, vontade e aparentemente era musculoso, além de muito bonito em sua forma de

Pai Gel, Babalorixá e dono do terreiro (Foto: Tamyres Dysa)

Pai Gel, Babalorixá e dono do terreiro (Foto: Tamyres Dysa)

homem. Iansã, Obá e Oxum tinham um gosto muito grande por ele e aí vinha aquela discussão de mulheres que se dá o nome de yabás… E elas discutiam muito por ele. Oxum se defendia com seu espelho e Iansã com sua espada querendo cortar as orelhas das outras duas que estavam na disputa, inclusive Iansã cortou a orelha de Obá com ciúmes de Xangô. Obedecendo a ordem, primeiro ele ficou com Oxum, depois com Iansã, mas acabou ficando com as três e no final ficou sem nenhuma”, concluiu George.

Devido á visão pejorativa da religião é difícil e delicado realizar matérias jornalísticas que retratem rituais como este. Muitos babalorixás tem medo de abrir suas portas para registros midiáticos, em razão de evitar que as informações sejam mal contadas, e que alguma má impressão seja transmitida, afinal de contas vivemos em um país onde a intolerância religiosa é presente e persistente. As religiões de matrizes africanas são alvos constantes desse problema.

Quando se menciona a presença da intolerância religiosa, muitas vezes o receio de represálias recai sobre alguns membros e pais de santo em identificar-se como umbandistas, José George faz questão de frisar que ele possui orgulho em ser babalorixá e umbandista, “Sei que se disserem que todos os Pais de Santo irão morrer, muitos vão esconder que são e talvez mintam para sobreviver, mas se for pra admitir ser babalorixá, eu não negarei e seria então o primeiro a morrer”, finaliza Pai Gel.

O Repórter Junino traz ao cenário do Maior São João do Mundo uma manifestação da cultura popular que deve ser conhecida e respeitada por todos, assim como todas as religiões, independente de suas origens, práticas e rituais. Afinal, o Brasil é um país multiétnico e deve preservar o direito pela liberdade de pensamento, religiosa e de crença. É um dever do Estado assegurado pela Constituição Federal proteger tais direitos, manifestações culturais e promover a valorização da diversidade étnica.

 

Todos os integrantes que participaram da festa em homenagem a Xongô no terreiro de Pai Gel (Foto: Aldair Rodrigues)

Todos os integrantes que participaram da festa em homenagem a Xongô no terreiro de Pai Gel (Foto: Ana Flávia Nóbrega)

Os que atacam tais religiões mesmo desconhecendo-as, podem ser enquadrados na lei nº 9.459 de 13 de maio de 1997: Art. 1º  – Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional; e Art. 20 – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Estando suscetíveis as penas de reclusão de um a três anos e multa.

Festejar a vida é também comemorar o mês de junho, a diversidade, respeito, a paz e o amor ao próximo. Por isso hoje as nossas homenagens serão para a festa que comemora tudo isso junto. VIVA SÃO JOÃO! VIVA XANGÔ!

 

TEASER – VÍDEO

Direção: Tamyres Dysa Da Luz Ayres
Assistente de Direção: Ana Flávia Nóbrega
Direção de Fotografia: Aldair Rodrigues e Haniel Lucena
Edição: Aldair Rodrigues

 

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