ESPECIAL: A Religiosidade nos Festejos Juninos de Campina

Campina Grande, 23 de junho de 2016
Fogueira, símbolo religioso no Parque do Povo, em Campina Grande (Foto: Anthony Souza)

Fogueira, símbolo religioso no Parque do Povo (Foto: Anthony Souza)

Pula a Fogueira

Pula a fogueira Iaiá,

pula a fogueira Ioiô.

Cuidado para não se queimar.

Olha que a fogueira já queimou o meu amor.

Nesta noite de festança

todos caem na dança

alegrando o coração.

Foguetes, cantos e troca na cidade e na roça

em louvor a São João.

Nesta noite de folguedo

todos brincam sem medo

a soltar seu pistolão.

Morena flor do sertão, quero saber se tu és

dona do meu coração.

(Autor: João B. Filho)

O São João é tradicionalmente conhecido por ser uma festa popular, comemorada em distintos lugares dos estados brasileiros, tendo na região Nordeste do país a sua maior representatividade, como é o caso de Campina Grande na Paraíba. A cidade é conhecida por ofertar a população o denominado “Maior São João do Mundo”, constituído em uma festa que dura trinta dias com diversos tipos de atrações festivas reunidas principalmente no Parque do Povo (PP), conhecido como “O Quartel General do Forró”.

Sendo composta por diversão, caracterizada pelas peculiaridades da cultura nordestina através das músicas, fogueiras, roupas, danças e culinária, Campina Grande recebe todos os anos nos dias de junho ao início de julho, período de comemoração das festas juninas, uma grande quantidade de turistas de todos os lugares do Brasil e até do exterior. Mas, antes de sair dançando forró e saboreando as comidas, é necessário entender o que o São João representa, ou seja, é preciso recapitular a expressividade do período e resgatar os significados que cercam as comemorações dos festejos juninos.

Um pouco de história

A cultura junina surgiu a partir de comemorações pagãs na Europa, mais tarde as tradições foram sendo incorporadas ao cristianismo. Essas festas eram realizadas durante o período do verão para celebrar a chegada da colheita. Com o tempo, a religião cristã foi ficando mais forte e dessa forma revestiu as festas juninas com o manto da Igreja Católica. Embora seja uma festa conhecida por ser uma das mais populares do país, ela foi trazida ao território brasileiro pela corte portuguesa.

Depois que a Igreja Católica encarregou-se das comemorações, os dias das festas passaram a homenagear três santos no mês de junho: Santo Antônio (dia 13), São João (dia 24) e São Pedro (dia 29), conhecidos pela sua trajetória de vida na fé. Mais tarde, novos detalhes foram sendo incorporados, assim as festas juninas passaram a ter significados únicos que chegaram ao país com os europeus e se mantiveram firmes, com destaque dentro da cultura nordestina, mas mesmo diante da evolução das sociedades, as festas juninas não deixaram apenas morrer o significado de fé acolhido pelas homenagens feitas aos três santos.

Presença religiosa em Campina Grande

Ao observar os principais pontos turísticos de Campina Grande na época do São João, seja o morador mais antigo ou o turista, todos são capazes de identificar a presença de símbolos ligados à religião, como é o caso das réplicas de capelas, igrejas e catedrais, encontradas tanto no PP quanto em outros famosos pontos da cidade, como é o caso da Vila do Artesão ou Sítio São João.

Em todos esses locais, é percebida a presença dos traços católicos que vão além das construções arquitetônicas, tais como os casamentos matutos feito nas quadrilhas juninas, que são realizados com a presença de um padre e celebrados com danças dos grupos ou em volta da fogueira, essa que nasceu junto às tradições pagãs e depois juntamente com a festa foi incorporada como um simbolo cristão.

Imagem de São João, símbolo religioso no Parque do Povo (Foto: Djane Assunção)

Imagem de São João, símbolo religioso no Parque do Povo (Foto: Djane Assunção)

Com esses significados criados pela Igreja Católica, tornou-se indispensável a apresentação de atrações religiosas ao longo das comemorações desses festejos. Entendendo essa necessidade e enxergando possibilidades de alcançar grande público, o Maior São João do Mundo trouxe aos seus trinta dias de festa uma programação com a presença de atrações religiosas.

Essas programações religiosas conseguem acolher uma multidão em suas apresentações, as explicações são encontradas quando reconhecemos as pessoas presentes no decorrer desses dias festivos. “A igreja tem que estar aberta a novas experiências. Santo Agostinho diz que a igreja tem que ser nova, ela tem que se inovar a todo tempo. E é importante levar a palavra de Deus num lugar com um público tão grande”, explicou o jovem Eulino Resende (24), da cidade paraibana de Itabaiana, que visitava o PP.

Trazendo ao Parque do Povo crianças, jovens, adultos e idosos, os dias com shows religiosos contaram com a presença de um público diversificado, mas que possui detalhes em comum, como a presença do significado das festas juninas para o contexto religioso.

Caravanas juninas

As pessoas que vieram de cidades vizinhas costumam organizar caravanas nos dias de show religioso no Maior São João do Mundo, vindo em grande número. Com um transporte oferecendo preço acessível e mais seguro, além de ser uma alternativa para reunir toda família no intuito de prestigiar os eventos religiosos, acaba sendo um programa em conta para o lado financeiro daqueles que não moram em Campina Grande, mas que são presença confirmada nos principais shows religiosos, como os shows de evangelização dos padres.

Luís Aprígio (34) e suas amigas, todos de Cuitegi-PB, que vieram de van para ver o Pe. Reginaldo Manzotti (Foto Anthony Souza)

Luís Aprígio (34) e suas amigas, todos de Cuitegi-PB, que vieram de van para ver o Pe. Reginaldo Manzotti (Foto Anthony Souza)

A senhora Maria do Socorro (63), vinda de Lagoa Seca, na Paraíba, comentou sobre a questão financeira na viagem para o show do Padre Reginaldo Manzotti. “Estou presente hoje aqui porque uma turma da igreja da minha comunidade conseguiu um ônibus da prefeitura. Pagamos apenas a gasolina e o motorista, ficando um preço ótimo. É a primeira vez que venho esse ano para o Parque do Povo e talvez seja a última também”, relatou a senhora, que disse gostar do padre, mas que a viagem era cara e perigosa.

Segurança nos shows religiosos

Pessoas que apareceram na programação religiosa pensam da mesma forma que a Senhora Maria, algumas nem mesmo se denominam religiosas, mas aproveitam a oportunidade de ter um transporte e embarcam junto para conhecer as palhoças e desfrutar das atrações dos palcos alternativos oferecidos dentro do espaço do PP. “É muito gratificante, [o Parque do Povo] não tem perigo nenhum. Onde você não só pode participar da festa grandiosa como pode louvar a Deus num momento especial, que é no Maior São João do Mundo”, diz o pai de família Carlos Antônio (35), explicando que a segurança nesses dias mostra-se reforçada.

A busca por um show mais tranquilo, onde o público seja capaz de demostrar suas crenças e resinificar sua fé, é uma das vantagens para quem está presente no Parque do Povo nas noites com atrações religiosas. Na maior parte da apresentação nesses dias, o local chega a ficar lotado, com a presença de uma gama de pessoas de distintas regiões do Nordeste e do país, que geralmente estão reunidos em grupos, sejam da igreja, de amigos ou até mesmo de familiares.

Presença eclesial

Nessas noites é comum até a presença de figuras eclesiásticas entre o público prestigiando a festividade. A exemplo, podemos ver frades em meio à multidão, que dão ensinamentos sobre os festejos juninos. “O São João vem do santo, tanto que até a fogueira tem um significado religioso, então a festa em si começa como uma coisa religiosa, por isso que é importante num evento desse ter um momento religioso para lembrar o início de toda essa história do São João”, falou o Frei Lorrane Clementino (22), atualmente no Convento Ipuarana, localizado em Lagoa Seca, que complementou ressaltando a importância de trazer padres e freiras que cantam para resgatar o que chamou de originalidade.

Em destaque, o Frei Lorrane Clementino (Foto: Thiago Lima)

Em destaque, o Frei Lorrane Clementino (Foto: Thiago Lima)

Além disso, é comum encontrar alguém emocionado com todas as palavras ditas ao longo das evangelizações, palavras de motivação e de reflexão declamadas pelas autoridades eclesiásticas que cativam e despertam no público presente um sentimento de paz e conforto. Igualmente como aconteceu na noite do dia 21, quando o Pe. Reginaldo Manzotti, que se apresentava, chamou ao palco uma fiel que, com um semblante de felicidade, deu um testemunho de vida acerca do significado da fé no seu cotidiano e, ao terminar de explicar sua situação e relatar uma parte da sua história de fé, contagiou o público que a aplaudiu  emocionado com o discurso.

(Matéria: O poder da fé – a crença como instrumento de milagres)

Lucro nas Noites Religiosas

Outro detalhe dessas apresentações anunciadas como evangelização é a existência da comercialização de materiais e produtos ligados à religião, que são apresentados ao público, como é caso de blusas, bonés, canecas, DVD’s e CD’s, entre outros produtos.

Deusa Nunes, comerciante de produtos religiosos (Foto: Anthony Souza)

Deusa Nunes, comerciante de produtos religiosos (Foto: Anthony Souza)

Esses dias são lucrativos não apenas para quem comercializa esse tipo de produto, mas também para os motoristas contratados para organização das caravanas. “A família me contrata, paga o óleo e a gente vem. A gente que sai do interior de onde moramos para aqui não temos condições não. São 85 quilômetros de lá para cá” [SIC], explica João Ribeiro (58), motorista que trouxe um grupo da cidade paraibana de Mari, à respeito de como funciona a contratação pelos seus clientes.

João é um dos que lucram no dia dos eventos religiosos, assim como tantos que conseguem apurar trabalhando da mesma forma, como conta Viviane Crispim (42)  gerente de viagens da empresa Receptiva e Turismo – RV, da capital paraibana: “A empresa promove as viagens, fazemos em pacotes individuais e locações de vans. Geralmente, quem tem grupos, já vem com os grupos montados. E outros, que querem vir com a família, duas ou três pessoas, nós fazemos pacotes individuais de translado até aqui [Campina Grande]”, falou a gerente.

Atrações religiosas e o Projeto Fé e Cultura

Pe. Fábio de Melo (Foto de Eliata Nascimento)

Pe. Fábio de Melo (Foto de Eliata Nascimento)

Além de trazer artistas e entidades religiosas da região ao palco principal do Parque do Povo, as apresentações desse ano do Maior São João do Mundo contaram com a presença de dois padres cantores conhecidos no país: o Pe. Fábio de Melo e o Pe. Reginaldo Manzotti. As noites em que eles estiveram presentes foram as que possuíram maior concentração de pessoas até então, chegando a aproximadamente 100 mil pessoas no show do Pe. Fábio de Melo, segundo os organizadores do evento.

Ademais, o dia 20 de junho, o segundo dos três dias dedicados ao público religioso, contou com os shows da banda Forró Celestial e da cantores da música gospel Débora Almeida e Marcos Freire. Também vale salientar a apresentação do Pe. Nilson Nunes abrindo a Noite Religiosa em 14 de junho.

A programação religiosa no São João de Campina Grande faz parte do Projeto Fé e Cultura, lançado em 2013 com apoio da Diocese de Campina Grande, na qual é ressaltado o lado religioso dos festejos juninos, lembrando à sociedade do verdadeiro significado deles. São noites capazes de reunir um público distinto, nas quais se valoriza o conceito de família, a aproximação das pessoas com sua concepção de Deus, ademais, resgata as raízes culturais da tradição para a cultura do Brasil, em especial ao povo nordestino.

(Matéria: Os impactos do Projeto Fé e Cultura no São João de Campina)

Sobre as Noites Religiosas no Parque do Povo, confira abaixo a cobertura realizada pelo Repórter Junino:

Matéria: Forró Celestial celebra noite Gospel em meio ao Parque do Povo

Matéria: Projeto Fé e Cultura traz Pe. Reginaldo Manzotti à Campina

Matéria: União entre cultura e fé marcam 12ª noite no Maior São João do Mundo (show do Pe. Fábio de Melo)

EQUIPE DE REPORTAGEM

Coordenação da reportagem: Anthony Souza.
Texto: Denize Albuquerque.
Produção: Anthony Souza, Denize Albuquerque, Djane Assunção e Thiago Lima.
Entrevistas: Denize Albuqueque, Djane Assunção e Thiago Lima.
Edição: Djane Assunção e Thiago Lima.
Edição Final: Anthony Souza.
Fotos: Anthony Souza, Eliata Nascimento, Djane Assunção e Thiago Lima.

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