ESPECIAL| Chuva, lágrimas e suor: o caririzeiro recupera o espírito junino

Campina Grande, 25 de junho de 2018  ·  Escrito por Mateus B. Araújo  ·  Editado por Emanuelle Carvalho  ·  Fotos de Mateus B. Araújo
Em 2018, o caririzeiro tem muito o que agradecer a São João

Em 2018, o caririzeiro tem muito o que agradecer a São João. Foto: Mateus B. Araújo

O solo do Sítio Poço Verde no município de Boa Vista, que até pouco tempo encontrava-se ressecado, hoje faz brotar vida como há tempos não se via no Cariri paraibano. A terra recebeu nos últimos meses, o tão esperado líquido sagrado vindo dos céus, como se fosse um presente divino para um povo que esperava lavar a alma. Nesse banho, as tristezas foram retiradas. As plantas da caatinga se revestiram de verde servindo de cenário para os mais diversos animais que, finalmente, saíram de seus esconderijos para apreciar o que de melhor a natureza tem para oferecer.

Os reservatórios voltaram a encher, alguns até transbordaram. Transborda também a esperança. E o homem do campo, após sete longo anos de estiagem, voltou a sentir a chuva molhando sua pele queimada pelo sol tirano que castiga sem dó e sem piedade. O homem do campo voltou a sorrir.

A terra molhada do roçado fica ideal para o plantio. Os agricultores contam, cuidadosamente, a quantidade ideal de sementes, em seguida lançam-as na pequena cova aberta no solo e finalizam cobrindo-a empurrando um punhado de terra com os pés. Os pés sujos de barro é uma característica marcante do ritual da fertilidade, que há muito tempo não era realizado, e que volta a acontecer para a alegria do nordestino. Dias depois, os olhos dos agricultores tem o privilégio de ver a vida brotar do chão, como se um oásis surgisse no meio do deserto.

“Nos últimos anos foi muito ruim pra gente. Não teve lavoura, nem água. Esse ano foi bem melhor porque nós lucramos, não foi muita coisa, mas lucramos. Hoje, pelo menos, o feijão nós temos”, fala o agricultor, José Roberto Alves, 51 anos.

a família

José e sua família se preparando para acender a fogueira em homenagem a São João. Foto: Mateus B. Araújo

O sorriso ficou mais fácil ultimamente. No entanto, as lembranças da grande seca continuam fortes na memória de José. A escassez de comida e água fez com que rebanhos de animais morressem na dura missão de atravessar a longa e violenta seca que transformou a caatinga num ambiente propício para a morte fazer morada e ceifar vidas sofridas que penavam por água  no sol do meio-dia.

“Eu via meus bichinhos morrendo de sede e de fome na minha frente e não podia fazer nada. Eu arrancava xique xique e macambira para queimar e dá de comer aos animais na tentativa de fazê-los escaparem”, relata José Roberto com os olhos ameaçando a derramarem as lágrimas que se esforça em não deixar fluírem, e completa: “No dia que a chuva voltou eu chorei, gritei e pulei muito. Pensei nos bichos e na minha família que também sofria com a falta d’água”, conta ele.

Seu José Roberto e sua família não tiveram muito o que comemorar nos festejos juninos passados. Foram quase sete anos sem poder desfrutar do lucro da plantação. A fé precisou ser multiplicada para superar as aflições. As Ave Maria rezadas em tom de súplica à Virgem Santíssima pareciam não surtir o efeito esperado. Suor e lágrimas mesclavam-se embaixo do sol escaldante.

O lucro

O lucro do feijão alegra os agricultores. Foto: Mateus B. Araújo

Hoje, as lágrimas são de felicidade, e o suor é resultado do peso causado pelos sacos cheios de feijão, milho, jerimum e maxixe. Cheios de alegria. Até o regional fruto umbu, que há tempos não dava a cara pela região, resolveu aparecer para aumentar a felicidade. Apesar de não ser como em tempos áureos do lucro nas plantações, o que foi colhido é suficiente para ser considerado um banquete.

Enquanto os aromas apetitosos surgem na cozinha, onde o fogão de lenha aquece os caldeirões com pamonha e canjica, coloca-se água no feijão com a chegada inesperada de mais um compadre, mais tamboretes são trazidos para todos se acomodarem, e a simplicidade cativa como prato principal.

Neste ano, a festa em homenagem a São João tem um sentimento diferente. A gratidão é percebida em cada detalhe visto no Sítio Poço Verde. A gratidão está nos sorrisos encabulados, na chamas da enorme fogueira que parecem dançar alegremente para o vento da noite, no gosto mais apurado do milho e do feijão verde, no papo animado das mulheres que, sentadas na calçada da casa antiga comentam os causos contados pelos mais velhos, e nas crianças que brincam e soltam bombinhas, sem preocupações, pelos terreiros.

A chegada da tão cobiçada água fez o caririzeiro voltar a celebrar o mês de junho, permitindo-se festejar a vida, as bênçãos da terra, e reforçar sua fé, que mesmo diante de infinitas dificuldades, permanece firme como um escudo para os males dessa vida. É essa força inexplicável e intrínseca ao nordestino que o faz resistir, como se previsse que o tempo da bonança, cedo ou tarde, vai chegar para fazer todos os esforços valerem a pena.

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