ESPECIAL| Só o santo ajuda: devotos celebram São Pedro no Brejo paraibano

Campina Grande, 2 de julho de 2018  ·  Escrito por Mateus Araújo  ·  Editado por Emanuelle Carvalho  ·  Fotos de Mateus Araújo

“[..]que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.” (Mateus 16:18-19)

 

Devotos expressam sua fé

Devotos expressam sua fé na procissão. Foto: Mateus Araújo

O povo de Deus em marcha

Os terços são segurados firmemente nas mãos enrugadas, como se a forte pressão colocada no amuleto fosse uma forma de alcançar a determinada graça com mais rapidez. Os chapéus dos homens do campo são, respeitosamente, retirados da cabeça para saudar as autoridades divinas. Os incontáveis fios de cabelo branco narram, silenciosamente, histórias de uma vida sofrida. Mas os brejeiros, agradecidos, lembram-se das graças que só foram alcançadas com a ajuda do santo.

“Ó São Pedro pedra forte, rocha firme do Senhor, intercede pela gente, a Jesus nosso Senhor.”(Hino ao padroeiro São Pedro)

O galo canta no sítio Riacho Fundo. O bicho, que sinalizou as negações do discípulo pescador, serve de alarme. Dona Edileuza pega água na cisterna do terreiro e banha o rosto, despertando para um dia que promete ser exaustivo. Na cidade, o barulho dos veículos automotivos, iniciando os trabalhos na rua que aos poucos começa a se movimentar, faz a vez da ave que não encontra-se no espaço urbano. Muita coisa precisa ser agilizada desde cedo para os preparativos do encerramento da tradicional festa em homenagem a São Pedro. A cada gole dado no café uma olhada no relógio que aparenta pressa.

As motocicletas seguem apressadas para a zona rural do município de Esperança, uma delas ameaça ficar sem combustível antes mesmo do meio do percurso. As estradas de terra branca pintam o cenário composto pelo verde deslumbrante característico do Brejo Paraibano.

Ao longe, enormes e imponentes árvores de eucalipto são avistadas. Os pés de eucaliptos foram plantados, há anos, pelo então Bispo Dom Manuel Palmeira da Rocha, conhecido por sua personalidade forte e marcante, que faleceu em Pesqueira em terras pernambucanas.

Trabalho duro em nome da fé. Foto: Mateus Araújo

Trabalho árduo em nome da fé. Foto: Mateus Araújo

O Riacho Fundo, antes nomeado de Sítio Cruzeta, devido a uma grande encruzilhada presente no local, conta com aproximadamente 150 famílias, apresenta casas antigas de calçadas altas, onde os agricultores aproveitam o sol que se exibe no céu azul, para secar os feijões que representam a fartura das plantações no local. A antiga igreja de São Pedro, com mais de meio século de sua fundação, estampa em sua fachada as chaves que simbolizam a missão do seu padroeiro.

Os senhores passam lentamente na estrada em frente a igreja arrastando suas chinelas roídas pelo tempo, seguido por um vira-latas magricela que segue seu dono como de costume.  Uma mocinha, encabulada, observa o movimento que começa na frente de sua casa, e adentra sua residência, apressadamente, quando nota que está sendo observada. A trilha sonora fica por conta dos pássaros que fazem uma festa à parte celebrando a natureza.

A comunidade se mobilizou para arrecadar as doações em prol dos festejos. As mulheres iam de casa em casa, também em comunidades vizinhas, buscando algum tipo de apoio, seja financeiro, algum alimento para a quermesse, roupa para o brechó ou itens para as demais necessidades. Respostas negativas foram recebidas em grande número, mas a força e empenho das pessoas fez com que mais uma festa fosse realizada.

Na parte interna da igreja, os preparativos para a hora da festa acontecem com rapidez.  O andor é decorado com delicadeza para a procissão de logo mais. Todo o espaço é limpo e perfumado cuidadosamente para receber os visitantes. Enquanto isso, contratempos acontecem. Falta uma coisa aqui, outra coisa dá errado acolá. Um princípio de estresse e desespero recai entre os organizadores, mas sem mais dores de cabeça. Não há tempo para dar atenção a fome que faz o estômago resmungar. Bem antes da procissão, duas idosas chegam na igreja para rezar para o santo. Uma delas, aparentemente a mais velha, chora silenciosamente prostrada aos pés da imagem, levantando-se com muita dificuldade.

“Zela pela tua Igreja, ó São Pedro protetor, vem ensinar a essa gente a viver no amor.” (Hino ao padroeiro São Pedro)

Três horas da tarde. Hora da misericórdia. O sol resolveu se aproximar mais do Riacho Fundo. Os fiéis se dirigem para a residência de seu Domingos Capim, um antigo morador do sítio que, infelizmente, encontra-se acamado e não pode participar das homenagens. Na humilde residência é rezada uma novena ao redor do andor. Fogos estridentes anunciam o início da procissão. O barulho inesperado faz um gato rajado pular do muro em disparada para dentro do mato, e uma criança cair no choro, sendo consolada de imediato por sua mãe.

A comunic

A fé move os peregrinos na procissão de São Pedro. Foto: Mateus Araújo

Segue o povo de Deus em marcha. Entre os caminhos estreitos que levam até a capela, hinos católicos são ecoados em um só coro. Preces são realizadas em silêncio pelos peregrinos. Os quatro homens que carregam o andor, se esforçam para aguentar o peso da estrutura. Os calos que marcam as mãos de um desses agricultores chega a sangrar. Mas sem reclamações. A caminhada penitencial finda com a chegada na igreja. Mais fogos de artifício avisam que a Santa Missa vai começar.

Crianças, adolescentes e idosos comparecem ao local. A assembleia silencia totalmente fixando os olhos no padre que encontra-se no centro do altar. O sacerdote narra a história do apóstolo Pedro.

“Ensina o povo a caminhar, sendo a pedra angular, para servir aos Irmãos e a Jesus poder amar.” (Hino ao padroeiro São Pedro)

A vida, a missão, e o chamado de Pedro

Pedro nasceu, com o nome Simão, em Betsaida, na Galileia. Era filho de Jonas e irmão de André, também apóstolo. Homem humilde, teve como profissão a pescaria. Jesus exigia, de forma amorosa, que esse homem dedicasse sua vida totalmente às obras do Reino de Deus. A partir disso, Pedro largou as redes de peixes, e passou a ter como missão a pescaria de homens através da pregação da Palavra de Deus.

Tornou-se um dos principais discípulos de Cristo estando sempre à frente de reuniões e missões. A sua história é marcada, também, pelas negações feitas a Jesus, neste episódio Pedro chorou amargamente arrependido. Quando Jesus ressuscitou dirigiu-se a Pedro questionando se ele o amava. O pescador respondeu três vezes que sim, desse modo, sendo perdoado pelas negações feitas anteriormente.

São Pedro, o portador das chaves do céu. Foto: Mateus Araújo.

São Pedro, o portador das chaves do céu. Foto: Mateus Araújo.

Por pregar o evangelho destemidamente, Pedro foi duramente perseguido e condenado à morte na cruz por ser um seguidor de Cristo. Quando soube que seria crucificado, pediu para que seu corpo fosse colocado de cabeça para baixo, por julgar não ser digno de morrer do mesmo modo de Jesus. Seus restos mortais estão no altar da Igreja de São Pedro em Roma.

Simão Pedro tem sua ação à frente da Igreja comprovada e atestada por diversos documentos. Sendo considerado o primeiro papa, seus sucessores dão continuidade a missão dada a Pedro pelo próprio Cristo.

Padre João Paulo, pároco do município de Esperança no Brejo Paraibano, fala sobre as tradições populares em relação ao santo: “A devoção popular associa São Pedro as chaves do céu, por isso é visto como aquele que tem o poder de fertilizar a terra”, comenta. “Para a tradição eclesiástica, para a Igreja, São Pedro tem a responsabilidade de coordenar os apóstolos, por receber essa missão de Cristo”, diz o responsável pela Paróquia do Bom Conselho. A festa de São Pedro é celebrada no dia 29 de junho.

São Pedro rogai por nós

Fé

Os fiéis realizam suas preces a São Pedro. Foto: Mateus Araújo

O padre dá a bênção final. Os devotos espalham-se dentro da igreja dando a paz de Cristo. Já alimentados espiritualmente, a comunidade segue para o terreiro para saborear as comidas vendidas por valores acessíveis na quermesse. Cachorro quente, pastel, coxinha, pipoca doce e salgada, macaxeira com frango guisado e, como não poderia faltar, canjica de milho verde, formam o cardápio.

Risadas se espalham pelo ambiente, expressando, da melhor forma, a alegria do momento. Caixas de som são ligadas animando os habitantes do Riacho Fundo. O mais animado é um homem, que após exagerar nas doses de cachaça, cantarola numa língua indecifrável, e dança descompassado todas as músicas, convidando os demais para entrarem no embalo musical.

Mesmo com a música alta, as histórias contadas pelo povo marcam a quem tem o privilégio de ouvir. Um grupo de senhoras conta que lamentam a ausência de Antônio Capim nas festividades. O homem, que era pescador assim como São Pedro, nasceu no dia de Santo Antônio, e era um dos moradores mais ativos nas atividades religiosas do sítio. Seu Antônio, conhecido na região por sua alegria e disposição ao trabalho, faleceu no ano anterior, aos 79 anos, uma semana após a sua última pescaria, deixando saudades em todos que tiveram o privilégio de o conhecer.

As mulheres organizadoras da festa aproveitam a empolgação de todos e vendem cartelas em prol do bingo que será realizado dentro de instantes. Elas insistem, brincam e entretem um por um com o intuito de conseguir arrecadar o máximo de dinheiro com as vendas. O silêncio agora é o que predomina no local. As pedras da sorte são chamadas uma a uma, prendendo a atenção do público que anseia pelos prêmios. O narrador avisa que é preciso ficar muito atento para a vitória não passar batida. Burburinhos… Quando o trinta, de rombo, é anunciado, surge um vencedor que grita em comemoração após ter o resultado confirmado. Como premiação, foram doados para o bingo um casal de perus bem cevados, e uma ovelha prestes a dar cria. O momento de sorte chega ao fim, voltando a abrir espaço para o forró que faz a poeira do terreiro subir com os casais que dançam entusiasmados.

O dia chega ao fim. Betânia Diniz, organizadora da Festa de São Pedro do Riacho Fundo, define a experiência vivida por mais um ano: “É um trabalho muito exaustivo. É uma semana toda de festividade. A festa não acontece de maneira fácil, são muitos os contratempos”, diz sem conseguir disfarçar o enfado. “É gratificante sentir nos gestos das pessoas, na fala, no abraço, o afeto e o agradecimento pelo trabalho desenvolvido. Isso faz com que todo o cansaço seja superado. A comunidade se une nesse período. Você levar Deus para essas pessoas e elas aceitarem, é inexplicável… não tem preço”, completa com um grande sorriso que enfeita o rosto cansado.

“Tu estava lá na praia, com as redes a pescar, mais seguistes ao Senhor para a paz anunciar. Agradecemos a São Pedro, por ser nosso protetor, e louvamos a Jesus Cristo que nos acolhe no amor. (Hino ao padroeiro São Pedro)
Cefas, Simão Pedro, rogai por nós!” (Ladainha a São Pedro Apóstolo)

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