Quebra de tradição: Quadrilhas juninas de Areial não se apresentam desde 2019

Campina Grande, 10 de junho de 2023

Repórter: Lara Melo

Editor: Matheus Farias

Quadrilha Amor Caipira se apresentando. Foto: Arquivo Pessoal/ Suzana Matias

O que começou como uma dança aristocrática, costumeira entre as elites do Rio de Janeiro e São Paulo em meados do século XIX, tornou-se representação cultural e parte essencial dos festejos juninos do Brasil. As quadrilhas juninas são coletivos de dança folclórica que contagiam o país durante os meses de junho e julho, com apresentações bem elaboradas, figurinos estilizados e coreografias de tirar o fôlego. 

Para além do espetáculo visual, as performances são marcadas pela valorização da cultura nordestina, com enredos que exploram o povo, costumes, tradições e toda  realidade sertaneja, além de denunciar problemas sociais da região. Ainda são, também, importantes ferramentas de socialização, integrando diversos grupos de uma mesma sociedade. 

Seja em cidades grandes ou pequenos municípios do interior, as quadrilhas exaltam as localidades de origem em lugares afora, algo fundamental para a criação de uma cultura regional. Os coletivos são tão populares que é comum, na época de São João, associarmos cidades às respectivas quadrilhas. “Fulano, estou indo visitar Guarabira no final de semana!”, “Ah, Guarabira! Terra da Fazenda Nordestina…”

Mas, quando as quadrilhas que estão há anos nos “arraiás”, param de se apresentar por falta de componentes e investimento, tradições podem ser quebradas. Este é o caso das juninas da cidade de Areial (PB): Amor Caipira e Fogo Caipira. Quase 30 anos de tradição depois, o contexto atual é de desistência, consequência da falta de pessoas interessadas em embarcar no desafio, e investimento, tendo em vista que o custo para manter esses coletivos é muito alto. 

Origem, tradição e importância

A cidade de Areial sempre teve a forte tradição das quadrilhas. Na década de 90, os arraiás das escolas eram muito populares e assistidos. Esta popularidade, veio se concretizar somente em 1994, quando um grupo de jovens da Escola Estadual Francisco Apolinário, que estariam se graduando do ensino médio naquele ano, queriam continuar a dançar após sair da escola. Foi assim que a Fogo Caipira surgiu. “Caipira”, pela ideia de que toda quadrilha tem característica caipira. “Fogo” pela ânsia dos jovens de participarem.

O incentivo deu tão certo que, cinco anos depois, surgiu a Amor Caipira, também a partir da organização de um grupo de jovens estudantes da mesma escola. A Fogo Caipira não comportava a capacidade de mais de 40 componentes e com a grande demanda, veio a necessidade da criação de uma “segunda versão”, para comportar mais jovens e dá-los às mesmas oportunidades.

Quadrilha Amor Caipira abrilhantando os Arraiás. Foto: Arquivo Pessoal/ Suzana Matias

Além da tradição cultural, as quadrilhas se tornaram importantes ambientes para a formação pessoal dos jovens da cidade. Geovane Souza, cabeleireiro e componente da Fogo Caipira desde 2007, compartilha a importância que a quadrilha exerceu na sua vida social, ou seja, a contribuição dela para a formação de quem ele é. “A quadrilha me tornou uma pessoa mais popular e comunicativa. Me proporcionou relações melhores com outras pessoas e me ensinou a importância do trabalho em equipe.”, diz.

Os professores foram motivados a apoiar os estudantes com o desejo de incentivar a socialização entre eles, estimulando a criação de uma rede de apoio que contribuia para formação cidadã de cada um. Francisco Eleutério, pesquisador e amante de cultura, conta que os jovens quadrilheiros desempenharam papel fundamental na manutenção da tradição cultural de Areial. “Os jovens aprendiam muito sobre os costumes, tradições e histórias do nosso povo, eram multiplicadores e guardiões de nossa identidade nordestina”.

No processo de criação e desenvolvimento das coreografias, enredos e figurinos, toda a cidade se envolve na produção. Dessa forma, as quadrilhas incentivam e valorizam o trabalho de diversos comércios e trabalhadores autônomos, impulsionando a economia da cidade. “A Fogo Caipira ajudava a manter as tradições de Areial viva nos detalhes, mostrando o talento de grandes artistas como pintores, artesãos, costureiras…”, conta Geovane.

Crises

A maior demanda para investir em coreografias, figurinos e cenários, além dos custos das viagens para competições, acarretou na primeira grande crise. Foi então que, de 2010 até 2015, a Fogo Caipira e a Amor Caipira ficaram fora das competições. “Foi uma grande perda para cultura, as quadrilhas não mais abrilhantaram os arraiás.”, comenta Suzana Matias, recepcionista e membro da Amor Caipira, sobre a época.

Atrelado à falta de recursos, pela primeira vez, as quadrilhas se depararam com a ausência de componentes suficientes. As juninas se sustentam através de doações, de quantias em dinheiro dos patrocinadores (a própria prefeitura municipal e comerciantes locais) ou de tempo dos membros para realização de bingos, rifas e barraquinhas de comidas. “O principal fator foi a falta de ânimo dos próprios participantes” explica Francisco, ressaltando que muitos membros acabaram deixando o movimento se acabar por falta de interesse. “O cenário cultural que já não andava muito bem das pernas, entrou em declínio de vez.”, finaliza.

Após o longo período de pausa, as juninas apareceram novamente no cenário junino em 2016. Mesmo os títulos e o reconhecimento do trabalho na época, não foram capazes de manter as quadrilhas ativas. Em 2019, elas já não saíram mais e, até hoje, não retornaram. 

As pausas nas atividades das quadrilhas são perdas inestimáveis para Areial. “Quadrilha junina é cultura, é o nome da cidade que está ali junto conosco. A Amor Caipira resgata temas regionais, históricos. Mostra a cultura viva no Arraial.”, diz Suzana triste, ao lembrar que viveu por tão pouco tempo o seu grande sonho de se apresentar nos festejos juninos e como essa falta impacta o cenário cultural da própria cidade. Geovane, com mais experiência, tem o mesmo sentimento. “Sem as juninas, o São João da cidade é vazio”, diz.

Essa quebra de tradição é dura, mas, segundo Francisco, pode ser revertida. “Acredito que é possível virar o jogo. Basta força de vontade de alguns veteranos, incentivo por parte do poder público e acender a chama da cultura no coração dos jovens da nossa cidade”, diz.

“Nunca é tarde para recomeçar, um dia, vai voltar. A Fogo e a Amor estarão de volta aos Arraiás. A cultura de Areial vai ter mais força e garra. Os corações dos jovens vão ser tocados.”, com esse espírito, Suzana sonha em ver de volta a riqueza cultural de sua cidade no estopim das apresentações de duas juninas que marcaram e marcam a história da pequena cidade de Areial. 

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